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Errando a mira nos mercados emergentes

Segundo o Nobel de Economia Michael Spence, o excesso de pessimismo em relação aos emergentes é um equívoco de investidores e políticos

Por Michael Spence
21 fev 2014, 08h07

Até pouco tempo atrás, os países em desenvolvimento (ou economias em transição) foram amplamente ignorados – em parte porque o que supostamente era para ser uma transição, muitas vezes tornou-se uma armadilha. Algumas economias na Ásia – particularmente Japão, Coreia do Sul e Taiwan – passaram ao status de alta renda, com taxas de crescimento relativamente elevadas. Mas a grande maioria das economias desacelerou ou parou de crescer em termos per capita, depois de entrarem na faixa de renda média.

Hoje, os investidores, os líderes políticos e as empresas têm várias razões para prestar muito mais atenção a essas transições. Primeiramente, a China, com um PIB que é tão alto quanto o total combinado dos outros países dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia e África do Sul), do mesmo modo que a Indonésia e o México, têm suscitado grandes expectativas. A sustentabilidade do crescimento chinês, ou a sua ausência, terá um efeito significativo sobre todos os outros países em desenvolvimento – e sobre as economias avançadas também.

Uma segunda questão é que as economias desenvolvidas estão desequilibradas e crescendo bem abaixo do potencial, com diferentes, mas limitadas perspectivas para um crescimento mais rápido num prazo de cinco anos. Por outro lado, as economias emergentes, com seu maior potencial de crescimento, cada vez mais representam grandes mercados a serem explorados.

Em terceiro lugar, a maioria das grandes economias emergentes (Indonésia, Brasil, Rússia, Turquia e Argentina, excluindo a China) imprudentemente contava com grandes entradas de capital estrangeiro barato (em vez da poupança interna) para financiar os investimentos que sustentam o crescimento. Como resultado, seus saldos de conta corrente deterioraram-se no período pós-crise de 2008.

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Agora, com o início do aperto monetário nas economias avançadas, o bem de capital importado está caindo de maneira intimidante, causando uma pressão descendente sobre as taxas de câmbio e uma pressão ascendente nos preços internos. O ajuste em curso pede reformas reais e substituição do baixo custo de capital estrangeiro por investimento financiado internamente.

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A inquietação do mercado reflete a incerteza sobre a duração da desaceleração do crescimento, que pode implicar na qualidade de crédito e na saída de investidores em efeito manada. Além disso, há a preocupação de que uma saída repentina de capital possa produzir um tipo de dano permanente para a estabilidade e o crescimento de alguns países – cenário cuja recuperação pode ser ainda mais difícil. Essas grandes economias emergentes receberam um passe (aparentemente) livre para o crescimento: a capacidade de investir sem necessidade de recorrer a árduas reformas ou sacrificar o consumo corrente. Afinal, é mais fácil pegar o atalho do que voltar para a estrada principal.

Mas esta narrativa é altamente irrelevante para a China, onde a poupança excessiva e os controles de capital ainda limitam a exposição direta da economia às externalidades de política monetária vindas dos países avançados. A China não está isenta a riscos; mas seus riscos são diferentes.

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Apesar de tudo, em meio a crescentes preocupações sobre as perspectivas das economias dos emergentes, a China atrai a atenção do mundo devido à sua escala e posição central na estrutura do comércio mundial (e cada vez mais, nas finanças globais). Como resultado, a avaliação de risco na China está centrada sobre a magnitude da transformação estrutural, resistência dos poderosos interesses internos e distorções financeiras.

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Em particular, há uma incerteza considerável sobre a versão chinesa do chamado ‘sistema bancário global paralelo’, que tem crescido em grande parte para contornar as restrições incorporadas no sistema oficial do estado chinês.

As transações no mercado paralelo deram aos poupadores e investidores o acesso a um maior cardápio de opções financeiras, enquanto pequenas e médias empresas – que desempenham um papel cada vez mais importante na geração de crescimento e emprego – ganharam acesso mais amplo ao capital.

As autoridades chinesas precisam resolver duas questões. A primeira, que é estabelecer uma fiscalização mais rígida, é mais fácil de resolver que a segunda: o potencial para a excessiva tomada de risco dos investidores, que resulta de garantias implícitas feitas pelo governo, que, por sua vez, dá respaldo aos bancos estatais. As autoridades precisam retirar as garantias sem desencadear uma crise de liquidez.

A lista de outros desafios que a China enfrenta é longa. O país precisa controlar o investimento de baixo-retorno, fortalecer a política de concorrência, corrigir a estrutura fiscal desequilibrada, monitorar a distribuição de renda entre famílias, empresas, proprietários de ativos e o estado, melhorar a gestão dos bens públicos, mudar as políticas de incentivo dos funcionários das províncias e governos locais; e revisar o planejamento e financiamento do crescimento urbano. Estudiosos, como o chinês Yu Yongding, preocupam-se que as dificuldades do gerenciamento de desequilíbrios, a potencialização e riscos relacionados – ou, ainda pior, um erro de política – possam distrair os legisladores dessas reformas fundamentais, necessárias para uma mudança de padrão de crescimento novo e sustentável.

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Não é de se admirar que os mercados financeiros estejam se sentindo um pouco sobrecarregados. O movimento é alto. Nem todos os investidores de países de economia avançada em busca de rendimentos têm profundo conhecimento da dinâmica de crescimento dos países em desenvolvimento. Como resultado, a inversão da tendência quase certamente será superada, criando oportunidades de investimento que faltavam num enquadramento anterior – em que preços de ativos e taxas de câmbio foram fortemente influenciados por condições externas, e não por fundamentos domésticos.

As principais economias emergentes estão se adaptando estruturalmente a este novo ambiente. Elas não precisam de financiamento externo para crescer. Na verdade, desde a Segunda Guerra, nenhuma economia em desenvolvimento sustentou crescimento rápido durante a execução de persistentes déficits em conta corrente. Os altos níveis de investimentos necessários para sustentar o crescimento rápido têm sido financiados em grande parte no mercado interno.

Os desafios da China são idiossincráticos e diferentes daqueles vistos em outras economias emergentes. A transformação estrutural exigida é grande, e os desequilíbrios são reais. Mas a China tem um histórico impressionante, recursos substanciais e expertise, além de uma liderança forte e um programa de reformas ambicioso, abrangente e devidamente orientado.

O cenário mais provável é que a maioria dos mercados emergentes, incluindo a China, experimentará uma desaceleração do crescimento transitório, mas não sairá do rumo devido aos efeitos das mudanças na política monetária no Ocidente. Poderão ter taxas de crescimento mais elevadas no decorrer do próximo ano. Existem riscos internos e externos em todos os países que não podem e não devem ser descartados – e a volatilidade dos fluxos de capitais internacionais está complicando o ajuste.

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O problema, hoje, é que os riscos de queda (dos emergentes) estão se tornando uma previsão de consenso. Isso me parece estar equivocado – além de ser um fraco fundamento a ser levando em conta para decisões de investimento e políticas.

Michael Spence foi laureado com o Nobel de Economia, é professor da Universidade de Nova York e pesquisador sênior na Universidade de Stanford. Seu livro mais recente é A Próxima Convergência: O Futuro do Crescimento Econômico em um Mundo Acelerado.

© Project Syndicate, 2014

(Tradução: Roseli Honório)

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