Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

‘Efeito manada’ coloca emergentes na berlinda e afeta o Brasil

Investidores fogem de ativos arriscados e provocam desconfiança generalizada no mercado financeiro de países emergentes; pânico é exagerado, dizem analistas

Por Ana Clara Costa e Naiara Infante Bertão
29 jan 2014, 06h37

Situações de pânico no mercado financeiro não são novidade – e, em muitos casos, não têm lógica. Estudar essa irracionalidade rendeu ao economista de Harvard, Robert Shiller, o Nobel da Economia em 2013. Segundo a teoria laureada de Shiller, o mercado tem uma tendência a reagir de forma exagerada aos fatos. E, às vezes, até mesmo aos “não-fatos”. É justamente essa dinâmica que se apresenta nos últimos dias no mercado cambial dos países emergentes. Os investidores passaram a relacionar, de forma inexplicável, países como Argentina, Turquia, Índia e Brasil, sem que, necessariamente, os problemas apresentados por suas economias tenham alguma correlação. Todos eles estão na berlinda diante da prevista redução dos estímulos do Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Tal movimento restringirá o dinheiro circulante no mercado e fará com que investidores busquem por segurança – não risco. O mercado cambial é um termômetro poderoso para definir quem pode sair ileso desse período de mudanças.

O estopim para o efeito manada foi o peso argentino, que se desvalorizou mais de 10% em apenas um dia depois que o governo de Cristina Kirchner anunciou uma redução no controle cambial – situação que, segundo economistas ouvidos pelo site de VEJA durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, na semana passada, já era esperada. A secretária-executiva da Comissão Econômica da Organização das Nações Unidas (ONU) para a América Latina, Alicia Ibarra, havia afirmado que desde novembro o peso vinha se desvalorizando gradualmente. O movimento, segundo ela, ganhou mais força em dezembro, já preparando o mercado para uma mudança. “Quem acompanha o mercado cambial do país já antevia que a situação estava próxima do insustentável. Agora, a tendência é que o valor se aproxime mais da realidade. E isso vai ser bom para a Argentina, apesar dos efeitos súbitos verificados nos últimos dias”, afirmou.

Leia também:

FT diz que Brasil perdeu cerca de US$ 284 bi em investimentos em três anos

Brasil é o único dos Brics que perdeu investimentos

No caso do Brasil, da Índia e da Turquia, a preocupação súbita com o rombo das contas externas fez com que os investidores migrassem para mercados conhecidos como “porto-seguro”, sobretudo os Estados Unidos. A lira turca perdeu 25% de seu valor nos últimos meses e a fuga de capital exigiu que o banco central do país anunciasse uma subida drástica dos juros na terça-feira (de 7,75% para 12% ao ano), como forma de evitar que a queda se ampliasse. A Índia seguiu o mesmo caminho e subiu os juros para 8%. México e Colômbia devem anunciar até o final desta semana se também atuarão por meio dos juros para evitar a desvalorização cambial. Diante de taxas mais atrativas, investidores podem reavaliar a permanência de seus investimentos em um determinado país – contudo, a elevação tem impacto direto no prêmio de risco da dívida externa, já que significa que os governos pagarão mais caro para a rolagem de seus títulos.

Continua após a publicidade

Transações correntes – O denominador comum que, segundo economistas, está pautando o comportamento dos mercados nos últimos dias é o déficit em transações correntes. Trata-se de um dos indicadores mais importantes da economia de um país, pois contabiliza o saldo de importações e exportações, além de outras operações comerciais que impliquem a entrada e saída de recursos do mercado doméstico. O Brasil, por exemplo, apresentou um déficit histórico de 81 bilhões de dólares em 2013. Parte deste valor (64 bilhões de dólares) será coberto pelo Investimento Estrangeiro Direto (IED) do período. O restante terá de ser financiado por recursos externos ou provenientes de operações financeiras feitas pelo Tesouro. Um diretor do banco UBS afirmou ao site de VEJA tempos atrás que se trata do indicador “da moda” para os analistas do mercado de capitais. “Houve a época do Produto Interno Bruto (PIB) e de indicadores como dívida líquida e dívida bruta. Agora, é a moda do resultado das transações correntes”, afirmou.

Leia também:

Brasil perde espaço e está em 4º lugar em ranking de planos de negócios

Bancos preveem desaceleração dos investimentos no Brasil em 2014

Raghuram Rajan assume BC da Índia e já anuncia reformas

Continua após a publicidade

Não à toa o banco Morgan Stanley enviou um comunicado alarmante nesta terça-feira a seus clientes afirmando que, em sua análise de vulnerabilidade à crise, Brasil e Turquia aparecem como os países mais suscetíveis à fuga de capital devido à deterioração de suas contas externas. O banco cita também a exposição dos dois países a uma possível turbulência na China provocada pelo aperto monetário no país. “Brasil e Turquia estão entre os mais expostos diante dos desequilíbrios externos, pressão inflacionária e fraco crescimento”, afirma o documento. Já nações como Peru, México e Colômbia figuram entre as mais preparadas para o período de fuga de capitais, segundo o banco, justamente por programarem reformas que os demais se negaram a fazer até o momento.

Deterioração do tripé – Neste contexto, quando o mercado coloca o Brasil e a Turquia no mesmo barco, consolida-se um retrocesso descabido para a imagem brasileira no exterior – causado, justamente, pela insistência do governo em abdicar da solidez fiscal e do combate à inflação em detrimento de uma política econômica expansionista. Segundo Arnaldo Curvello, da Ativa Corretora, é de extrema gravidade que o Brasil, a essa altura, volte a discutir, por exemplo, a estabilidade do tripé econômico (formado pelas políticas de câmbio flutuante, meta de inflação e responsabilidade fiscal). “Não deveríamos ter de voltar a discutir algo que já estava consolidado. Se não houver melhora na política fiscal, de nada adianta o BC manter uma política monetária adequada”, diz o analista.

Neste sentido, a deterioração da política fiscal e o déficit em transações correntes têm servido para anular vitórias econômicas do Brasil e colocá-lo no nível de nações com maior instabilidade. Enquanto o país tem reservas de mais de 350 bilhões de dólares, a Turquia acumula não mais que 34 bilhões. O Banco Central do Brasil tem andado na linha em relação à política monetária, empreendendo uma trajetória de subida de juros dentro das expectativas de mercado. Já o BC turco foi acusado de não ter agido para conter a inflação e ter mantido os juros baixos com o único propósito de tentar expandir o crescimento. Daí a subida drástica desta terça-feira. Além disso, o governo turco enfrenta graves acusações de corrupção que culminaram com a prisão de mais de dez pessoas em dezembro, disparando uma crise política que piora ainda mais o cenário para o país.

Para Alfredo Coutiño, da Moody’s, o movimento que ocorre está mais ligado a um ajuste de fluxo de capitais que a uma crise dos emergentes. Ele que acredita que, se a sobrevalorização das moedas dos emergentes ocorreu devido ao aumento de liquidez causado pela política do Fed, o fim dos estímulos, automaticamente, resultará na depreciação cambial e reequilíbrio das contas externas. “A saída de capital está corrigindo a valorização das moedas e deve ajustar os desequilíbrios. Não há razão para pânico”, afirma. Trata-se, na avaliação de Coutiño, de um solavanco de curto prazo. Contudo, que o Brasil seja afetado de maneira tão fulminante por um destempero do mercado é fato preocupante. E a resposta vaga do governo de que “tudo está bem” só serve para atenuar os progressos da economia e acentuar os problemas que não foram tratados quando se devia.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.