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E se você fosse a Grécia agora?

Ou melhor: e se você fosse o governo grego? Como explicar em casa que sem você e suas ideias a Grécia estaria em uma situação muito melhor?

Por Da Redação
13 jul 2015, 21h51

E se você fosse a Grécia agora? Ou melhor, se você fosse o governo grego agora que o clube dos ricos da Europa aceitou você de volta ao convívio deles. Sim, pois você já estava fora. O porteiro tinha recebido ordens de não deixá-lo entrar caso saísse sem uma solução para seu problema crônico de gastar mais do que ganha e mandar a conta para os membros mais aristocráticos e tradicionais do clube.

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Foi dureza enfrentar aquele colega belga jogar na sua cara que sua família, seus parentes, o povo grego, enfim, não tem nada com suas lambanças. O belga enfiou o dedo naquela sua ferida antiga e não-cicatrizada ao dizer que os culpados são os privilegiados da sua turma – os armadores; os políticos preguiçosos que compram eleições com ampliação de benefícios que não terão como financiar; a alta burocracia corrupta, desmazelada, ineficiente, mas paga a peso de ouro.

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O belga não aliviou nem para os religiosos, mas esse assunto você não vai nem comentar quando voltar para a casa. É delicado demais. Afinal a Igreja Ortodoxa grega é de esquerda, o que garante aos clérigos mais privilégios do que a ideia amplamente aceita de que são os vigários de Deus na Terra. Você vai continuar dando-lhes garantia constitucional do monopólio da fé, de isenção de impostos e o direito de colocar o corpo clerical e seus servidores nas igrejas e monastérios na folha de pagamento do Estado. Nem é por medo do padre George Pirounakis, o radical que se tornou herói dos socialistas ao se levantar contra os ditadores de direita que mandaram nas ilhas até 1974. Pirounakis é meio destrambelhado e mete medo, mas você, no fundo, acha certo manter as mordomias da Igreja Ortodoxa na Grécia.

Dureza também foi aguentar durante toda a noite e a madrugada aquela alemã. A que não come mel – chupa abelha. Só uma mulher muito perversa poderia ter incomodado você daquela maneira. Dizer na frente de todo mundo que você usa todo o dinheiro que ela lhe dá para presentear seus parentes e amigos e nada investir em melhorias de seu nível educacional e técnico-científico. Tudo bem que ela não disse presentear, mas “pagar benefícios sociais que nem os alemães têm acesso”. Mas a ofensa ficou evidente. Não tivesse o colega polonês trancado a porta da sala de reuniões, a alemã teria ido embora às seis da manhã e você estaria fora do clube para sempre. Por esgotamento físico mais do que por vontade, com o sol já alto no horizonte, você conseguiu o que parecia impossível. Saiu com a promessa de mais dinheiro dos colegas do clube. Dinheiro com o qual você — aliás como qualquer outro patriarca — prometeu pagar suas dívidas vencidas.

No fundo, prevaleceu aquela sua certeza interior de que o temor dos colegas por escândalos faria o urgente prevalecer sobre o certo e o importante. Afinal, promessas por promessas, as suas, todo mundo sabe quanto valem. As deles são sempre cumpridas.

Taí um bom começo de conversa em casa quando perguntarem como foi a reunião no clube. Todo mundo vai querer saber como você levou aqueles bacanas no bico de novo.

“Você disse a eles que é falso que nossa dívida tenha crescido depois que entramos para o clube e pudemos pegar empréstimos 3% e não mais a 18%?”, vai querer saber um. Você vai ter que contar que nem deixaram terminar a explicação e lhe lembraram de que sua dívida não cresceu tanto em relação ao PIB, mas não por deixar de tomar empréstimos e sim por que o PIB passou a crescer depois que seu país entrou para o clube do euro.

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“Você disse a eles que, além da moeda única, se também os sistemas bancário e trabalhista fossem unificados na Europa, os gregos teriam tido saída menos traumática?”, perguntará outro. Será seu momento fugaz de glória, desde que você deixe de contar que quase apanhou do colega espanhol e do português que, sob condições idênticas, sofreram nas mãos daquela senhora — não nas mãos da alemã, mas nas da austeridade, que muita gente confunde – e estão agora saindo da crise sem alarde e sem ameaçar a integridade do clube.

Melhor nem lembrar que a Grécia também estava a meio caminho de vencer suas dificuldades pelo caminho árduo, porém seguro, da austeridade, quando você irrompeu no cenário político com uma proposta jovem, moderna, dinâmica, “cool” (“maneira”) e altamente popular de devolver o problema da dívida para os credores. Como ninguém tinha pensando nisso, né? Você ganhou as eleições com essa proposta e, há duas semanas, recebeu outra aprovação das urnas em um plebiscito onde 61% dos gregos optaram por não pagar as dívidas.

Você pensa se seria o caso de propor mais plebiscitos? “Você é a favor de que todos os gregos vivam 150 anos em excelente saúde corporal e financeira?” Com esse plebiscito você chegaria facilmente aos 99% de aprovação. Ninguém poderia ser contra uma avalanche democrática dessa magnitude e, portanto, os gregos teriam assegurados um século e meio de boa vida queira ou não aquela Frau. Mas seu avião já manobra para pousar no aeroporto de Atenas e a realidade se aproxima rapidamente.

Melhor pensar em como explicar em casa que sem você e suas ideias a Grécia estaria em uma situação muito melhor do que agora. A proposta que você aceitou na reunião do clube é pior do que aquela que a maioria rejeitou com um estridente “Não”. O mais certo é que já se saiba amplamente que sua odisseia contemporânea foi uma encenação. Talvez só seu cão ainda o reconheça. Talvez passem a chamá-lo de “Odisseu” que, em grego significa aquele que procura encrenca, que sofre e faz sofrer. Talvez…

(Da redação)

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