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É ilusão achar que os preços vão cair, diz ex-presidente da Ford

Luiz Carlos Mello, consultor do CEA-Autodata, também afirma que as exportações da indústria automobilística não devem subir muito com o novo regime

Por Naiara Infante Bertão
6 out 2012, 10h29

O governo federal divulgou nesta quinta-feira as regras do novo regime automotivo brasileiro, batizado com o pomposo nome de Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores (Inovar-Auto). O plano – que havia sido anunciado em abril, mas que só agora teve seus detalhes revelados via decreto presidencial – foi arquitetado pela equipe da presidente Dilma Rousseff com as premissas de proteger a indústria nacional, aumentar a competitividade dos automóveis produzidos no país, criar empregos no setor e tornar o Brasil um polo de inovação e pesquisa. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) elogiou as medidas e chegou a afirmar que os preços dos carros podem até cair nos próximos anos, à medida que a escala de produção aumentar e novas tecnologias diminuírem custos.

Contudo, há quem conteste esse otimismo, como é o caso do ex-presidente da Ford Brasil e sócio-diretor do Centro de Estudos Automotivos (CEA-Autodata), Luiz Carlos Mello. Ele é enfático em dizer que há lacunas importantes que o decreto não contemplou, como o uso de biocombustíveis – área em que o Brasil tem conhecimento e tecnologia – e o investimento em mão de obra. Além disso, Mello avalia que os preços dificilmente cairão tendo em vista o aumento de gastos obrigatórios, ainda que na forma de investimentos, das montadoras. “As margens já são pequenas”, destaca. Ele explica que, mesmo que haja aumento da escala, com a introdução de novas tecnologias e aumento da produção, será difícil reduzir ainda mais as margens. Também comenta que as medidas são claramente protecionistas e as importadoras puras foram preteridas.

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O novo regime, que valerá entre 2013 e 2017, beneficia montadoras que já possuem estrutura produtiva no país, bem como as que têm planos para construção de fábricas ou implantação de centros de pesquisa e desenvolvimento. Em troca de investimentos locais, elas serão beneficiadas com créditos para deduzirem, posteriormente, do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – tarifa que o governo aumentou, no fim do ano passado, em 30 pontos percentuais para a indústria automobilística e está, de certa forma, compensando agora. Os importadores puros poderão importar até 4,8 mil unidades por ano com o desconto caso invistam em P&D no Brasil.

Com pós-graduação pela Harvard Business School, Mello está no setor há anos e atualmente atua como consultor na empresa que fundou. Confira a entrevista que concedeu ao site de VEJA.

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O novo regime automotivo vai impactar a demanda por carros no país?

Não acredito. Ele não vai criar demanda porque esta depende em essência da conjuntura econômica e, principalmente, da disposição das pessoas em comprar. O novo regime não atua nesse lado da equação.

Se houver queda de preço, como prevê a Anfavea, o mercado também não responderia favoravelmente?

Dificilmente os preços vão recuar no curto e médio prazo. As montadoras já trabalham com margens apertadas aqui no Brasil, pois precisam investir muito em tecnologias novas. Além disso, elas terão de gastar mais dinheiro naqueles quesitos obrigatórios fixados pelo regime automotivo. Mesmo na hipótese de ocorrer aumento da escala – via introdução de novas tecnologias e ampliação da produção – e uma consequente redução dos custos, seria difícil diminuir ainda mais as margens. Achar que os preços vão cair é ilusão.

O discurso oficial vai além das promessas para o mercado interno. O Planalto diz que o Brasil tem potencial para se tornar um grande exportador mundial. Isso seria mesmo possível?

Isso é irreal. A decisão de exportar carros produzidos no Brasil para outros mercados é decisão das matrizes das montadoras, e não das filiais. É como se você dissesse que a filial da Petrobras na Transilvânia poderia tomar decisões estratégicas sem consultar a matriz. Não dá. Além disso, as montadoras já têm plantas suficientes em outros lugares estratégicos. Não vão querer acabar com empregos e fechar fábricas nesses locais só para importar carros brasileiros.

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Quais as principais vantagens e desvantagens do novo regime?

O fator positivo é que ele beneficia grande parte da indústria que atua no Brasil, mas é muito burocrático. É um protecionismo claro e vale lembrar que essas empresas nem são brasileiras – mas sim afiliadas de empresas multinacionais com sede em outros países. As importadoras puras foram as mais prejudicadas. O período de vigência das regras também é absurdo. Uma lei não pode ter prazo de validade. Isso dá margem para insegurança jurídica. Por que eu, montadora, investiria pesado num país hoje se não consigo prever nada sobre o que será válido a partir de 2017?

O governo aumentou expressivamente o rol de exigências do setor. Teremos condições de atender a todos?

O mercado terá de se mexer. A indústria de autopeças, principalmente, terá de expandir sua produção e manter boa qualidade. As montadoras precisarão desenvolver carros com maior eficiência energética. Agora é lei, e elas precisarão se adequar.

O senhor acha benéfico o país ter regras para estimular investimentos em tecnologia e inovação no segmento?

Sim. É ótimo investirmos em tecnologia, mas senti falta no decreto de duas coisas. A primeira delas é o estímulo ao uso do álcool combustível – um produto nacional, com tecnologia desenvolvida e que tem sido negligenciado há anos. Alguns países, como os Estados Unidos, investem bilhões de dólares em desenvolvimento de tecnologia e suporte ao ramo de biocombustíveis. Nós, que já temos isso, não damos valor. Num mundo em que está claro que o petróleo não durará para sempre, isso é muito importante. O outro ponto que faltou é o uso dos ‘cérebros nacionais’. Temos estudantes de universidades de alta qualidade como Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a FEI, as faculdades do Rio de Janeiro, entre outras. No novo regime não há nada especificado sobre o aproveitamento dessa mão de obra que tem toda a capacidade para se desenvolver. Eles só precisam de estímulo. As montadoras, por exemplo, não precisariam trazer mão de obra de fora para os centros de pesquisa que já possuem ou que implantarão no país. O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financia até 70% do total de investimentos de algumas montadoras aqui – e não exigimos nem ao menos isso em troca. O próprio Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) não diz para onde vai o dinheiro arrecadado.

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