Dívida na China faz mulher trabalhar em condições análogas à escravidão no Brasil
Chinesa trabalhava e morava em condições precárias em loja em Araçatuba (SP). Donos do estabelecimento foram presos em flagrante
Uma jovem chinesa, de 23 anos, foi resgatada na terça-feira em condições de escravidão em Araçatuba, no interior de São Paulo. A jovem trabalhava na loja Ana Bijuteria, no Calçadão Comercial, cujos donos, um casal de chineses, foram presos em flagrante. Eles vão responder pelo crime de redução de pessoa à condição análoga à escravidão, previsto no Código Penal, com pena de dois a oito anos de reclusão.
Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), a moça – cujo nome não foi divulgado – trabalhava durante o dia de vendedora na loja, com apenas 15 minutos para almoço e morava em um pequeno espaço, quente e sem ventilação, improvisado no depósito de mercadorias nos fundos da loja. Ela dormia em um colchão de espuma de baixa densidade, entre caixas de papelão, e fazia as refeições no chão, onde os procuradores e agentes da Polícia Federal encontraram alimentos e talheres. Segundo o MPT, Huang Qing era proibida de sair pela cidade, não tinha registro em carteira e tinha o salário retido pelos patrões.
Segundo o delegado Frederico Franco Rezende, da PF, a jovem foi trazida ao Brasil em 2011 para pagar uma dívida que seu pai tinha com os donos da loja. “Pelo que apuramos até agora, ela recebia salário em torno de 1 mil reais mensais, mas não colocava a mão no dinheiro, que ficava com os patrões.”
Segundo o delegado, porém, a polícia ainda não investiga a possibilidade de existir esquema de tráfico de trabalhadores da China para o Brasil. Ele não quis comentar a procedência dos 137 mil reais em dinheiro apreendidos com os donos do comércio. “As investigações estão no início, ainda é cedo para avaliarmos as possibilidades.” A situação da moça é ilegal, pois o visto de 2011 tinha validade de 90 dias, mas ela poderá permanecer e trabalhar no país na situação de refugiada.
Leia também:
MP processa M. Officer por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão
Zara admite que havia trabalho escravo em sua cadeia produtiva
Construtoras negam prática de trabalho escravo
Indenização moral – Na quarta-feira, os donos da loja assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPT e pagaram cerca de 50 mil reais em rescisões trabalhistas e indenização por dano moral. Apesar do pagamento, os patrões terão de cumprir outros itens, como registrar a moça em carteira até a noite de ontem.
O advogado Marcos Roberto Azevedo, que defende os donos da loja, afirmou que a moça não vivia em condições de escravidão. Segundo ele, a moça estava no país há mais de três anos, mas chegou a Araçatuba há um ano e meio. Ela teria concordado em morar no local porque não tinha dinheiro – nem documentos – para alugar casa e nunca reclamou aos patrões das condições de moradia.
“Ela nunca esteve em situação de escravidão. Ela mesmo, em seu depoimento, desmentiu isso. Ela tem celular, notebook e Facebook com centenas de amigos, como poderia ser escrava?”, questionou. O advogado, porém, admitiu que as condições não eram saudáveis. “Pode até ser que houvesse precariedade na moradia, mas não é tão diferente da China, e com certeza, não se trata de crime de escravidão.”
Problema – Casos como o da chinesa ainda são comuns no Brasil, especialmente nos canaviais e na indústria têxtil. Na segunda-feira, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) criou o Grupo Especial de Fiscalização Móvel de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo (GEFM). O grupo terá como principal missão “a caracterização do trabalho análogo ao de escravo”, por meio de uma instrução normativa definindo o que é escravidão.
O grupo já existia informalmente no ministério, mas só agora foi institucionalizado em portaria publicada no Diário Oficial da União. A formalização ocorre depois que a candidata do PSB à Presidência, Marina Silva, abordou o tema em seu programa de governo.
(Com Estadão Conteúdo)