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Dilma anuncia pacote portuário nesta quinta-feira

Confira os principais pontos que devem ser tratados no pacote que promete revolucionar o setor; anúncio no Palácio do Planalto está previsto para as 11h

Por Naiara Infante Bertão
6 dez 2012, 06h18

Em um grande evento previsto para as 11 horas desta quinta-feira em Brasília, a presidente da República, Dilma Rousseff, anuncia um novo pacote econômico, desta vez para os portos. O objetivo é melhorar a gestão de todo o setor, de modo a reduzir custos e elevar a competitividade nacional. Dado o tempo de espera para que o pacote saísse – ele é arquitetado desde o início da atual gestão, mas começou a tomar forma mesmo a partir de agosto -, empresários, consultores, investidores e todos os envolvidos direta e indiretamente com a área aguardam uma verdadeira revolução na área. O objetivo do governo federal é expandir e aperfeiçoar de tal maneira as operações portuárias, a ponto de o país se aproximar de padrões atualmente observados em potências do segmento, como a Alemanha e a Holanda.

A legislação mais recente sobre o setor remonta a 1993, quando foi sancionada a Lei nº 8630, também conhecida como Lei Geral dos Portos. Conforme adiantado pelo site de VEJA em agosto, a presidente Dilma Rousseff está pessoalmente empenhada em criar um novo marco regulatório para a área, que, inclusive, atraia a iniciativa privada. Para tanto, elas designou para ser seu braço direito no assunto a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, que vinha se reunindo semanalmente com representantes da Secretaria de Portos (SEP), Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Tesouro Nacional, Advocacia-Geral da União (AGU) e da Empresa de Planejamento e Logística (EPL) – esta última com a incumbência de pensar os melhores modelos de integração logística para o longo prazo. No fim de agosto, Gleisi e outros ministros chegaram a visitar na Europa instalações de portos, e também de aeroportos, com o intuito de conhecer referências internacionais de eficiência em gestão no segmento.

Portobras descartada – Durante essas reuniões prévias, a questão da burocracia e da ineficiência da administração pública dos portos foi amplamente discutida. Alguns veículos de comunicação chegaram a noticiar que o Planalto estaria avaliando a recriação de uma estatal para centralizar toda a gestão setorial em Brasília, a estilo do que fez a Portobras entre 1975 e 1993. Hoje, a maioria dos portos ainda é administrada por empresas ligadas ao setor público, as chamadas Companhias Docas. Contudo, as áreas pertencentes aos portos públicos nas adjacências – onde operam os ditos terminais portuários – pertencem à iniciativa privada.

Na semana passada, ao ser questionado sobre o assunto, o presidente da EPL, Bernardo Figueiredo, afirmou ao site de VEJA que as Companhias Docas permanecerão sob gestão estatal, mas passarão por uma profissionalização. “Essa possibilidade [de recriação da Portobras] nunca foi discutida”, garantiu. Atualmente, dos 34 portos brasileiros, 18 são administrados por Companhia Docas – treze sob gestão estadual e três, das prefeituras.

Ingerência política – Uma das críticas levantadas por fontes ligadas ao setor é que os diretores das Companhias Docas têm pouca autonomia para fazer seu trabalho, tendo de responder a uma multiplicidade de órgãos, como a própria Secretaria de Portos, o Ministério dos Transportes, a Antaq, a AGU, o Tribunal de Contas da União (TCU) e, mais recentemente, a EPL. Com tantas entidades públicas envolvidas com o segmento, muitos dos diretores das Docas precisam responder a políticos e/ou partidos, o que interfere na gestão e na tomada de decisões. O inquérito da Polícia Federal que implica a ex-chefe de gabinete da Presidência em São Paulo, Rosemary Nóvoa, é farto de exemplos do tipo de ingerência política que atrapalha os rumos do segmento.

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Wilen Manteli, diretor-presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP), acredita que centralizar a gestão é um retrocesso. “A Portobras foi extinta porque não deu certo. Já tivemos essa experiência. Ante o tamanho da costa brasileira, o ideal é descentralizar, mas com o governo que estar a par de tudo que acontece”, diz.

Para o empresário, o ideal seria que o governo abrisse a gestão portuária à iniciativa privada, mas por meio de uma parceria público-privada (PPP). Este modelo implica que o poder público participe junto ao empresariado dos investimentos na área, além de compartilhar os riscos. Segundo Manteli, o estado poderia criar, por exemplo, uma “golden share” – modelo de divisão de capital em que o acionista governamental, apesar de minoritário, possui poderes especiais.

Mauricio Kimura, advogado do escritório FHCunha, especializado em infraestrutura, reforça o argumento de que a criação de novos departamentos para gerir os portos só traria ainda mais lentidão ao sistema. “Recriar mais um ente é ter mais gente para conversar e copiar no e-mail. Em resumo, só aumenta a burocracia e não torna a gestão eficiente. O setor de portos é mais engessado que os de energia e aeroportos”, lamenta.

Privatização – Além do aprimoramento da gestão pública, outro ponto polêmico que Dilma terá resolver é a privatização de terminais e portos. Segundo o colunista de VEJA, Lauro Jardim, o novo marco regulatório a ser anunciado nas próximas horas contemplará a privatização dos portos de Imbituba (SC), Ilhéus (BA) e Manaus (AM).

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Hoje, pela legislação brasileira, somente é possível para uma empresa privada conseguir autorização para construir um porto se for para operar um terminal de carga própria, a exemplo do que fazem a Vale, a Petrobras e a Gerdau. Elas arcam com a construção de toda a infraestrutura, mas não precisam pagar todas as tarifas e taxas (atracação, operação, dragagem de píer, entre outras) a que são obrigados os terminais que operam dentro dos portos públicos. Além disso, por serem investimentos privados, eles podem pleitear um financiamento camarada junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Tal vantagem não é acessível às empresas que atuam nas áreas do porto organizado. Elas precisam pagar à vista o valor acordado na licitação, além de taxas periódicas de arrendamento.

Queda de braço – O site de VEJA apurou que essa situação formou duas grandes frentes de pressão sobre a equipe do governo federal debruçada sobre a questão portuária. De um lado, representando os terminais privativos que estão fora dos portos públicos, estão a Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut) e o empresário Jorge Gerdau, presidente do Conselho de Administração do Grupo Gerdau e coordenador da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade (CGDC), vinculada ao Conselho de Governo da Presidência da República. De outro está a Associação Brasileira de Terminais de Contêineres de Uso Público (Abratec), presidida por Sérgio Salomão, que defende os interesses das empresas que operam sob a égide da administração pública.

A Abratec defende a igualdade de condições entre eles. Nesta batalha há ainda a questão da mão de obra avulsa. Os terminais privados dentro do porto organizado são obrigados a contratar mão de obra remanescente de dezenove anos atrás, isto é, da época da sanção da Lei dos Portos. Esses trabalhadores – estivadores, amarradores, operários que conhecem a fundo o trabalho portuário, entre outros, estão organizados em Órgãos Gestores de Mão de Obra Avulsa (Ogmos) – representam alto custo ao operador portuário. O terminal que tem porto próprio fora da área pública não é obrigado a contratar mão de obra dos Ogmos e, desta maneira, consegue “economizar” nessa questão. A profunda divergência entre esses dois grupos foi uma das questões que mais atrasou o pacote de portos.

Novas áreas – De acordo com fontes ouvidas pelo site de VEJA, a presidente e sua equipe devem liberar mais terminais e zonas portuárias privadas com o intuito de promover o comércio exterior.

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O desafio de Dilma será apresentar um plano bem desenhado que, minimamente, agrade essas duas facções e que também não fira a própria Constituição. Cuidado especial terá de ser dispensado aos chamados terminais privativos de uso misto de fora das áreas dos portos organizados. É que a legislação brasileira só permite que eles operem cargas de terceiros desde que isso seja feito em sua capacidade ociosa; ou seja, a maior parte de sua operação tem de ser dedicada a carga própria. A movimentação de carga de outros clientes fora dessa permissão é considerada uma prestação de serviços, que, por sua vez, só pode ser feita por concessionárias vencedoras de um processo de licitação. Hoje, esses terminais de uso misto fora do porto organizado operam apenas com autorização da Antaq.

Mauro Salgado, presidente da Federação Nacional dos Operadores Portuários (Fenop), destacou, em entrevista ao site de VEJA, que o governo poderia resolver essa discussão selecionando áreas ideais para a construção de portos e licitando-as. Assim, a supervisão seria pública, mas o investimento privado. “É uma solução simples, fácil e constitucional”, disse. Ele também defende que o Palácio do Planalto tem de exigir investimentos vultosos e de longo prazo, especialmente no caso de renovações – a Lei permite que se renovem os contratos de 25 anos por mais 25 anos.

Alguns terminais devem merecer atenção. A Portonave, em Navegantes (SC), é um deles. O próprio site da companhia mostra o foco na operação de contêineres para clientes terceiros. Em outras palavras, a companhia movimenta mais cargas de outrem que próprias. Sua missão diz: “fornecer soluções logísticas que superem as expectativas do cliente e que agreguem valor a todos os envolvidos com o negócio, por meio de equipe capacitada, motivada e comprometida com a qualidade total e respeito ao meio ambiente”.

Os outros dois casos são o Porto de Itapoá, também em Santa Catarina, e a Embraporte, em Santos (SP) – ambos em construção. Conforme a legislação, para operarem como querem, eles teriam de ter sido licitados.

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Há ainda a própria questão de segurança pública, uma vez que a área portuária deve ser entendida como fronteira do país. Por ela podem entrar não só mercadorias inofensivas, mas também drogas, armas, todo o tipo de contrabando, e até plantas e animais sem a fiscalização dos órgãos competentes.

Acesso aos portos – Fontes ouvidas por VEJA também apontam que, de nada adianta ter um porto funcional, se não houver vias adequadas para saída e entrada de mercadorias. O pacote a ser anunciado nesta quarta-feira também deve tratar do assunto. Uma pessoa ligada ao setor, que pediu para não ter sua identidade revelada, afirmou que investimentos previstos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) devem entrar com nova roupagem no pacote. A construção de ferrovias, rodovias e hidrovias representa, aliás, parte essencial dos esforços para reduzir os custos logísticos do país.

Readequação contratual – Agentes do setor também esperam que, no pacote a ser apresentado logo mais, a presidente ofereça uma solução aos contratos anteriores à Lei dos Portos e que não foram readequados. Antes de 1993, os acordos de concessões eram feitos com o prazo máximo de dez anos, mas podiam ser renovados indefinidamente. Com a nova Lei, os acordos passaram a vigorar obrigatoriamente por 25 anos, sendo passível de renovação apenas uma vez, pelo mesmo período. Os contratos vencidos logo após 1993 já foram renovados por mais dez anos. A polêmica surgiu quando essas renovações começaram a vencer (a partir de 2003) e os órgãos administrativos dos portos passaram a pedir às áreas de volta – sob a interpretação, em consonância com a nova Lei, de que os contratos só poderiam ser renovados mais uma vez. Alguns operadores não aceitaram esse entendimento, que mistura a lei antiga e a atual, e brigam pela permissão de atuar por, no mínimo, 50 anos. Ao todo, existem 98 contratos que esperam uma resolução e que devem ser abordados no pacote anunciado nesta quinta.

Custos – Outra crítica constante é a questão dos custos portuários, considerados excessivos e que prejudicariam a competitividade da indústria brasileira.

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O site de VEJA apurou que entre as medidas em estudo está a diminuição, ou até mesmo a extinção, de taxas cobradas por alguns terminais. São exemplos as tarifas do canal (TUP) e do farol (TUF). O Planalto também pode regulamentar uma flexibilização das regras de trabalho dos práticos – responsáveis por “estacionar” e manobrar navios nos portos. A crítica que mais se ouve sobre eles é a cobrança de preços para lá de salgados – cerca de oito mil reais a manobra, que pode render a um profissional aproximadamente 300 mil reais por mês – por um serviço que hoje é facilitado pelo uso da tecnologia; não havendo mais, portanto, tanta necessidade de conhecimento específico sobre geologia de portos e manejo de embarcações. O Planalto estuda permitir, por exemplo, que comandantes habituados a determinados portos possam dispensar os serviços dos práticos.

Além disso, para acabar com o ‘monopólio’ dos práticos – há apenas 400 no país e todos pertencem a uma única cooperativa -, é possível até que o governo federal reduza as exigências para que uma pessoa torne-se um deles. Vale destacar que quem paga a contratação de um prático é o armador (navio), mas, em muitos casos, também os próprios operadores (terminais) são prejudicados – como quando os profissionais demoram a realizar suas tarefas. Os atrasos acabam gerando um efeito dominó sobre outros navios que estiverem na fila para aportar.

As filas também são comuns devido à burocracia, já que os armadores têm de preencher dezenas de páginas de documentos para liberação de carga pelos órgãos fiscalizadores – Polícia Federal, Receita Federal e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A esse trâmite se soma o limitado horário de funcionamento desses órgãos: a Receita, por exemplo, não atua nos fins de semana e os técnicos da Anvisa só trabalham em horário comercial, das 9h às 18h.

“A eficiência no porto é uma questão de ritmo. Porto é ritmo: caminhão chega e sai em horário marcado; navio chega e sai com horário marcado. Sem haver simetria de horário de expediente, a carga chega e fica parada no pátio do terminal aguardando desembaraço aduaneiro e atrapalha a retirada pelas empresas importadoras, o que eleva o custo de operação como um todo”, disse ao site de VEJA o presidente da Federação Nacional dos Operadores Portuários (Fenop), Mauro Salgado, que também é presidente da empresa Santos Brasil.

Justamente para minimizar a burocracia, o governo criou no ano passado um mecanismo batizado como ‘Porto sem Papel’, que visa informatizar os procedimentos de desembaraço de cargas nos portos, integrando dados exigidos em 112 documentos, em diversas vias, e 935 informações em duplicidade junto às autoridades (PF, Anvisa, Receita, Vigiagro e a autoridade portuária). Na ocasião do lançamento da ferramenta, a SEP previa 25% de redução do tempo de estadia dos navios nos portos. Mas nem todas as autoridades que atuam nos portos aderiram, o que atrasa sua implementação.

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