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Entraves no Congresso e no STF impõem desafios à agenda econômica

A missão é quase impossível: com o discurso aloprado de Jair Bolsonaro, a equipe de Guedes encontra barreiras para salvar um projeto já muito desfigurado

Por Victor Irajá, Felipe Mendes 11 set 2021, 08h00
INDEPENDÊNCIA - Pacheco, do Senado: difícil reaproximação com o Ministério da Economia -
INDEPENDÊNCIA – Pacheco, do Senado: difícil reaproximação com o Ministério da Economia – (Waldemir Barreto/Agência Senado)

Posicionado na segunda fileira de autoridades que acompanhavam o presidente da República, Jair Bolsonaro, na cerimônia de hasteamento da bandeira no Dia da Independência, o ministro da Economia, Paulo Guedes, participou apenas da parte mais simbólica e protocolar do 7 de setembro, ao lado do chefe do governo. Nos eventos seguintes, enquanto colegas de ministério seguiram ao lado de Bolsonaro em seus discursos incendiários em Brasília e São Paulo, Guedes se manteve afastado. No fim daquele feriado tumultuado, o responsável pela gestão econômica do país sabia que seu trabalho daqui para a frente havia ficado muito mais complicado, ou mesmo impossível.

Ao se manter afastado das diatribes autoritárias de Bolsonaro, Guedes tentou se preservar e manter a pauta econômica longe dos delírios presidenciais. O ministro sabe que o acirramento da crise política é péssimo para a economia e prejudica a atração de investimentos cruciais para o país em sua retomada pós-pandemia. “Quem está ganhando dinheiro em dólar no exterior nem pensa em trazer o dinheiro para o país, justamente por causa dessa instabilidade”, diz um auxiliar do ministro. Pelos cálculos do próprio governo, a cotação natural da moeda americana seria de 4,50 reais, e não os 5,30 reais alcançados na quarta-feira 8 — alta de 2,93% desde segunda 6, a maior desde junho de 2020. O Ibovespa caiu 3,78%, algo que não se via desde março, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se tornou elegível.

LIDERANÇA - Lira, presidente da Câmara: ele passou a ditar a agenda -
LIDERANÇA - Lira, presidente da Câmara: ele passou a ditar a agenda – (Wallace Martins/Futura Press/.)

Dias antes da confusão verde e amarela patrocinada por Bolsonaro, os desafios de Guedes já se mostravam complexos. O seu aliado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, conseguiu a aprovação da reforma do imposto de renda, uma vitória notável para uma medida polêmica, bombardeada por economistas, mercado financeiro e tributaristas. Apesar de a reforma ter sido apresentada pela equipe de Guedes, o texto foi bastante modificado em sua tramitação por deputados próximos de Lira, que negociou diretamente as mudanças com os congressistas, sem realizar nenhuma consulta ao ministro ou a sua equipe — mesmo com os pedidos feitos nesse sentido por Guedes.

Poucas horas antes da conquista de Lira na Câmara, outra medida cara a Guedes, a minirreforma trabalhista, havia sido abatida no Senado, presidido por Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Os dois movimentos quase que simultâneos ilustram quanto o prestígio de Guedes se agastou em um cenário pouco favorável. Além de ter de lidar com a vaidade de Lira que tenta se projetar como novo artífice da agenda econômica, há a resistência de Pacheco, cujo nome começou a ser cotado como um possível candidato à Presidência nas eleições de 2022. Após o destempero de Bolsonaro contra os seus opositores, o clima ficou ainda mais azedo. “Pacheco se tornou um inimigo e já é alvo das tropas bolsonaristas”, avalia o jurista Miguel Reale Jr., autor dos pedidos de impeachment dos ex-presidentes Dilma Rousseff e Fernando Collor. Não à toa, horas depois dos acontecimentos de terça-feira, o senador cancelou a agenda semanal do Senado, alegando que o momento não era propenso para a discussão de nenhum projeto.

Em princípio, a decisão pode contribuir para os ânimos arrefecerem. Mas, do ponto de vista da economia, o presidente do Senado deixa explícito o rigor que será dispensado aos projetos governistas. “Aprovamos recentemente a capitalização da Eletrobras, a nova Lei de Licitações e a nova Lei de Falências. Vamos avaliar nos próximos dias a privatização dos Correios e o marco legal das ferrovias. A única condição é a boa qualidade da agenda econômica”, disse Pacheco a VEJA. “Se for bom, aprovamos. Se não for, rejeitamos, com a independência própria de uma Casa de quase 200 anos.” Em uma tentativa de consertar o estrago, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-­PE), passou a manhã de terça reunido com Pacheco. Fez um apelo para que a Casa agilizasse os projetos de autoria de Guedes. Disse a pessoas próximas ter “a impressão de que será atendido”. Aliados de Pacheco, porém, apontam ser nula a chance de a reforma do IR prosperar no Senado.

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SOBRARAM PROBLEMAS - Paulo Guedes: projetos alvejados pelos discursos incendiários do presidente -
SOBRARAM PROBLEMAS - Paulo Guedes: projetos alvejados pelos discursos incendiários do presidente – (Washington Costa/ASCOM/ME/.)

O pior é que a batalha de Guedes no Senado nem deve ser a mais complicada das que terá pela frente. Ele precisa encontrar uma solução jurídica para a obrigação do pagamento de quase 90 bilhões de reais em precatórios, dívidas judiciais, que vencerão em 2021. O valor é 40 bilhões de reais superior ao deste ano e inviabilizará qualquer investimento maior em um momento decisivo para o governo. Sem o dinheiro, o grande projeto para levantar a popularidade de Bolsonaro, o aumento do Bolsa Família, se torna extremamente complexo.

O caminho mais fácil para desarmar a bomba seria um acerto com o Supremo Tribunal Federal (STF), a instância mais atacada por Bolsonaro em seus discursos. O presidente do STF, ministro Luiz Fux, vinha articulando junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Tribunal de Contas da União (TCU) para repassar parte dos pagamentos de precatórios para anos posteriores. Hoje essa solução parece remota. A alternativa anterior de Guedes era uma proposta de emenda constitucional (PEC) de parcelamento das dívidas, que já foi mal recebida pelo Congresso. Sem saída dentro do Orçamento, o maior risco, segundo o Ministério da Economia, envolve o não cumprimento do teto de gastos, que em última análise pode levar o presidente a ser acusado de irresponsabilidade fiscal, o que o coloca na zona de risco do impeachment. Manter a distância da confusão no dia 7 de setembro foi um sinal de equilíbrio do ministro. Mas vai ser preciso muito mais que isso para salvar seu projeto econômico já bastante desfigurado.

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Publicado em VEJA de 15 de setembro de 2021, edição nº 2755

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