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Desemprego está alto, mas há setores em que falta mão de obra

Em estudo elaborado para o site de VEJA, Confederação Nacional do Comércio identifica escassez de profissionais em áreas como TI e agronegócio

Por Teo Cury Atualizado em 27 jul 2016, 19h50 - Publicado em 10 jul 2016, 08h22

O desemprego é uma das faces mais visíveis — e um dos reflexos mais danosos — da atual recessão econômica brasileira, a mais severa desde, pelo menos, o início da década de 1930. No trimestre encerrado em maio, 11,4 milhões de pessoas estavam sem ocupação, ou 11,2% da força de trabalho do país, segundo a edição mais recente da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas a falta de trabalho não impede que alguns setores ainda penem com um mal que parecia um fenômeno restrito aos dias em que o Brasil viveu um cenário de pleno emprego, com taxa de desocupação inferior a 5%: a escassez de profissionais.

Em um levantamento exclusivo, elaborado a pedido do site de VEJA, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostra que esse mal persiste — e que, em setores importantes, a falta de qualificação ainda impede o preenchimento de vagas. Resultado: mesmo depois de ver sua economia encolher 3,8% em 2015 e ter retração superior a 3,5% projetada para este ano, o Brasil é um dos cinco países que mais têm dificuldade para contratar, segundo pesquisa da consultoria americana ManpowerGroup.

O agronegócio, uma das forças do comércio externo brasileiro e setor em que a mecanização e o uso de tecnologia só fazem crescer, é um dos que têm tido dificuldade para contratar. Segundo o estudo da CNC, nos últimos doze meses (até abril), foram geradas 380 vagas para a produção das chamadas plantas fibrosas, entre as quais aparece o algodão. Mesmo com um aumento salarial oferecido a esses profissionais – responsáveis por preparar o solo, executar o plantio e efetuar reparos e manutenção em máquinas e equipamentos – de em média, 144% ao longo desses doze meses, nem todas vagas foram ocupadas.

Olmiro Flores, diretor da Agrosul Máquinas, localizada no polo agrícola de Luís Eduardo Magalhães, no oeste da Bahia, atesta o fenômeno. A baixa qualidade da mão de obra e a resistência de alguns profissionais de mudar para cidades do interior do Brasil ajudam a explicar a dificuldade para preencher os postos, afirma. E há também uma espécie de fenômeno geracional, avalia Flores. “O pessoal que acabou de se formar quer ganhar um salário alto logo de cara, o mesmo que recebe uma pessoa com mais experiência”, diz ele, conhecido no oeste baiano como Chico. “Isso é um problema. Esses jovens querem sair da faculdade como se fossem superiores. Tem que trabalhar, tem que aprender, tem que se submeter.”

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Chico diz sentir um assédio muito grande sobre seus funcionários. “Quando eles atingem um certo nível de qualificação, há concorrência das grandes empresas”, afirma “Já perdi umas oito pessoas para multinacionais.”

Fábio Luis Ribeiro, de 27 anos, funcionário da Agrosul Máquinas há cinco, assente. “No grupo de WhatsApp que tenho com alguns colegas, comentei que a maioria está trocando mais de empresa do que eu de roupa”, brinca. “Um pessoal que veio comigo para cá saiu para outras companhias. Já pensei em ir também, mas cheguei a um acordo com a empresa e resolvi ficar.” Ribeiro mudou-se de Rondonópolis, em Mato Grosso, outro importante polo agrícola, para Luís Eduardo Magalhães em 2011.

O jovem é engenheiro agrônomo e gerente de departamento da Agrosul e está na empresa desde 2011. Ele pertence à segunda leva de recém-formados do programa Futuro Técnico Agrosul, projeto criado pela empresa em parceria com a Associação Baiana dos Produtores de Algodão e a fabricante de máquinas agrícolas John Deere. Ele trabalha com colheitadeiras de algodão e outras máquinas modernas, uma função que exige boa qualificação, justamente um dos calcanhares de aquiles de setores que não conseguem contratar “Trabalhamos com máquinas de 1,5 milhão de reais”, explica o agrônomo.

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Profissões com indícios de escassez de profissionais nos últimos doze meses
Profissionais Vagas geradas* Variação da ocupação* Variação % salarial*
Produtores agrícolas na cultura de plantas fibrosas 380 +330,43% +144,09%
Mantenedores de equipamentos de parques de diversões e similares 59 +3,79% +39,21%
Professores de música, artes e drama do ensino superior 57 +1,05% +31,22%
Músicos compositores, arranjadores, regentes e musicólogos 45 +0,96% +63,52%
Árbitros desportivos 36 +7,59% +33,22%
Técnicos da inteligência 22 +5,00% +63,00%
Profissionais da inteligência 14 +1,93% +32,09%
Produtores de especiarias e de plantas aromáticas e medicinais 13 +21,67% +25,03%
Professores de matemática, estatística e informática do ensino superior 12 +0,06% +33,69%
Técnicos em necrópsia e taxidermistas 7 +0,81% +25,21%
Promotores, defensores públicos e afins 6 +0,06% +123,81%

Como o estudo foi feito – No estudo encomendado pelo site de VEJA, a CNC considerou as 604 profissões listadas pela Classificação Brasileira de Ocupações, do Ministério do Trabalho e Emprego, e buscou entre elas as que estavam registrando crescimento na oferta de vagas nos últimos doze meses (até abril). Depois dessa primeira triagem, restaram 94 ocupações.

A partir daí, Fábio Bentes, economista sênior da entidade e responsável pelo levantamento, analisou se entre essas 94 profissões havia alguma que tivesse apresentado um aumento real (acima da inflação do período) de salário. Apareceram 41 ocupações com ganho superior a 9,3% no último ano. Dessas, onze registraram aumentos salariais duas vezes maiores que a inflação, número considerado pela CNC para a identificação dos setores com evidências de falta de trabalhadores. “Fizemos a análise pensando no papel do empregador”, explica o economista. “Se ele está oferecendo aumento duas vezes superior à inflação, é porque está desesperadamente tentando contratar.”

No estudo, o mesmo critério foi adotado para todos os anos a partir de 2010. Em abril de 2012, mês em que a taxa de desemprego no Brasil foi de 6%, por exemplo, 91 segmentos mostraram evidência de dificuldade para preencher vagas. Naquele ano, o país teve uma de suas menores taxa de desemprego na história, de 5,5%. “A diferença é que há quatro anos isso era um problema bom, porque a economia estava crescendo e tinha de contratar gente qualificada para ocupar as vagas que surgiam”, diz Bentes. “Naquele cenário, a contratação era um investimento.”

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Escassez em TI – Tecnologia da informação e áreas correlatas também mostram sinais de escassez de mão de obra, segundo o levantamento da CNC (ver quadro). Assim como na mecanização do agronegócio, o problema tem relação direta com a baixa qualificação. “Em setores em que a exigência por qualificação é muito grande, a formação de pessoas com capacitação técnica não acompanha a velocidade do aumento da demanda”, diz Luís Testa, diretor de marketing do site de classificados de emprego Catho. “Agronegócio e tecnologia da informação são exemplos disso.”

Sergio Sgobbi, diretor de relações institucionais da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), explica que o setor de TI tem aumentado seu espectro de atuação porque também o número de pessoas com acesso a novas tecnologias tem crescido – e isso amplia a demanda por profissionais. “A necessidade de gente qualificada tem crescido, mas também o rigor no processo de contratação e as exigências técnicas para trazer novos funcionários”, diz. “É por isso que falta gente.”

E mais: a tecnologia está criando profissões que não existiam até pouco tempo atrás. Formar essas pessoas leva tempo. “Há três anos, analista de mídias digitais era uma profissão que não existia”, exemplifica Sgobbi. “O profissional de TI tem que ter clareza de que será eterno refém do aprendizado.”

Há, claro, algumas profissões que dão sinais de escassez de mão de obra por serem segmentos de nicho – casos, por exemplo, de produtores de especiarias e taxidermistas – ou por serem relativamente recentes. Nesses, um aumento pontual na oferta de vagas deixa evidente a falta de profissionais porque não são atividades com formação em grande escala de pessoas para essas funções. “Quando você busca um profissional para a área administrativa, as chances de achar alguém são maiores, mas quando você precisa de uma pessoa mais técnica, há dificuldades”, diz Kiko Campos, que comanda a Across Gestão de Carreiras.

Fábio Bentes, da CNC, afirma que em mais de 80% das profissões há hoje mais demissões que contratações. Esse quadro só vai mudar se surgirem sinais mais enfáticos de melhora da conjuntura. “Os investimentos estão diretamente relacionados à confiança – e emprego é um investimento caro”, afirma o economista. “Enquanto a crise não passar, não vamos investir.”

(Com reportagem de Luís Lima)

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