A busca pela camiseta branca perfeita levou o estilista Giuliny Shauer a comprar um exemplar da marca alemã Merz b. Schwanen, sucesso na pele do ator Jeremy Allen White, o chef Carmy Berzatto da premiada série The Bear, para estudar seu conceito. A peça, que custa a partir de 85 euros (cerca de 530 reais) e esgotou por alguns meses, é fabricada em centenárias máquinas circulares (chamadas de loopwheelers) nos Alpes Suábios, no sul da Alemanha. Shauer, radicado no Rio, acaba de lançar uma marca com seu nome. Pesquisou exemplos no mundo inteiro para criar algo de extrema qualidade, pois acredita ser um item indispensável em qualquer guarda-roupa. “A camiseta branca é a porta de entrada para um estilo casual e também o universo do luxo. Muitas pessoas que desejam algo de grife e não têm como comprar algo muito caro começam por ela”, diz o diretor criativo. Sua versão em pima (trama resistente de algodão), oferecida por 398 reais, sumiu em poucos dias. O que hoje está nas plataformas de fast fashion, maisons internacionais e no estrelado tapete vermelho de festivais de cinema começou precisamente há 120 anos.
Em 1904, a empresa americana Cooper Underwear Company (hoje Jockey Internacional), fabricante de roupas de baixo, resolveu inovar ao tirar botões de uma peça e trocar por uma gola para facilitar a vida do solteiro que não tinha mulher para costurar em casa. “No safety pins, no buttons, no needle, no thread” (Sem alfinetes, sem botões, sem agulha, sem costura, pregava o anúncio da época). Nascia ali o embrião da camiseta branca, que foi adotada pela Marinha americana em 1913 para compor o uniforme da tropa, pois secava mais rápido do que as flanelas. Com o tempo, deixou de ser usada por baixo, ganhou o nome de T-shirt no livro Este Lado do Paraíso, de F. Scott Fitzgerald, em 1920, e virou uma indumentária mais conhecida. O auge da libertação ocorreu quando o ator Marlon Brando (1924-2004) incendiou as telas no filme Um Bonde Chamado Desejo (1951), com o figurino transgressor colado ao corpo. Um escândalo quase sexual. Para a Hering, integrante do grupo Azzas 2154 e uma das líderes do mercado brasileiro, que fabrica 2,5 milhões de camisetas brancas por ano, a vestimenta se confunde com a história da marca, que nasceu com os imigrantes alemães Hermann e Bruno Hering, no sul do Brasil, em 1880. No museu próprio, que fica em Blumenau, há exemplares das primeiras produções. Em 1990, antes de o tema sustentabilidade entrar na agenda corporativa, a empresa lançou a World, com algodão brasileiro, que consome 25% menos água na fabricação, tem 30% a menos de resíduos (sem costura) e é carbono neutro, compensado com plantação de árvores na Mata Atlântica. O item foi tema de campanha com a atriz Bruna Marquezine usando a peça com calça jeans.
“O básico não é ausência de moda. Aqui na Faria Lima, onde fica o nosso escritório, ninguém mais usa terno, está em extinção, vejo raramente”, diz Thiago Hering, presidente da empresa, que tem vinte exemplares brancos no seu closet e é “cobaia” de novos lançamentos. Para André do Val, consultor de estilo masculino, essa ruptura de códigos acompanha a chegada de um homem mais livre, que busca conforto, mas a camiseta branca simboliza status para alguns públicos e normalmente vem acompanhada de tênis, jeans caros e coletinhos. “O tecido é nobre, dura muito. Continua sendo tradicional, não é street style”, diz o especialista.
A mudança no modo de se vestir dos executivos do centro financeiro paulistano também chamou a atenção da Oriba, há dez anos no mercado e queridinha dos “faria limers” que circulam pelas zonas Oeste e Sul de São Paulo (a marca de moda masculina tem pontos de venda na Rua Artur de Azevedo, no bairro de Pinheiros, e no Shopping JK Iguatemi, e camisetas brancas que vão de 148 a 350 reais). “Sempre buscamos criar roupas casuais, e o desejo por elas aumentou nos grandes centros depois da pandemia. Mas, antes de chegar ao básico total, o cliente passou da camisa social para a versão polo”, afirma Rodrigo Ootani, proprietário e diretor criativo. André Fialho, superintendente do Itaú Unibanco, usa camisetas brancas para trabalhar desde 2020. A ideia do traje descontraído surgiu da própria instituição, com a campanha “Vou como Sou”, que incentivou os funcionários a se vestirem de acordo com a própria personalidade, trazendo conceitos de diversidade e inclusão, criando um ambiente mais moderno. “Eu aposentei o paletó, só uso quando vou a um casamento”, diz Fialho.
A versatilidade da peça levou a Renner, com mais de 600 lojas no Brasil, na Argentina e no Uruguai, a buscar múltiplos exemplos de como vender a sua camiseta branca, um produto que está sempre nas prateleiras da rede ao preço médio de 60 reais. Para a diretora de estilo Juliana Frasca, que tem dez modelos diferentes em casa, o produto precisou entrar na onda da sustentabilidade para se adequar aos novos tempos. “Cerca de 80% de nossa produção gera menos impacto e misturamos o algodão com poliamida, modal e outros materiais para variar sobre esse produto, que tem muito estilo, é um clássico. Sempre temos nas nossas coleções”, diz a especialista, que mira o público feminino. Empresa que vende camisetas brancas de 80 a 110 reais, a catarinense Lunelli apostou no produto por ser atemporal e simbolizar momentos de renovação, como a virada do ano, quando o brasileiro, de maneira única, a usa em festas. “Trata-se de um ícone da indústria têxtil brasileira, de fácil confecção. A produção média mensal da Lunelli é da ordem de 17 000 unidades e cerca de 450 000 reais em faturamento estimado”, diz Robson Demian Zambonetti, diretor comercial da empresa.
Segundo a Statista, consultoria especializada em pesquisas e dados estatísticos, a receita do mercado de camisetas no mundo (de todas as cores) vai alcançar 45,5 bilhões de dólares em 2024, puxada pela China, que movimenta 5,9 bilhões de dólares. Além do sucesso de público e de vendas, e eventualmente afetivo (quem nunca guardou uma camiseta antiga?), a mais do que centenária peça de roupa vai hoje do casual ao mundo corporativo, sem perder a bossa e sempre carregada de mensagens. Mesmo com a aparente ausência de cor, pois reflete todos os raios luminosos, ela sempre carrega um propósito e vai seguir trilhando e criando novas tendências.
Publicado em VEJA, novembro de 2024, edição VEJA Negócios nº 8