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Consumo da classe média extrapola o varejo e invade setor de serviços

Empresas antes voltadas para classe AB lançam marcas econômicas em busca de novos consumidores

Por Beatriz Ferrari
23 out 2011, 13h41

Daniella Aiello tem 35 anos e trabalha como professora para crianças da quarta série, além de complementar a renda com a venda de artigos de prata. Vaidosa, vai à manicure às sextas-feiras e não abre mão de fazer escova nos cabelos em eventos especiais. Há aproximadamente 10 meses, Daniella trocou o salão de beleza que costumava frequentar, no Largo Treze, bairro de classe média da zona sul paulistana, por outro recém-aberto na região, chamado Basic Beauty – a marca econômica lançada no fim do ano passado pela rede de salões Jacques Janine, que atende as classes AB. “A qualidade do serviço é muito superior à de outros salões do bairro. É um Jacques Janine a um preço acessível”, diz. Daniela faz parte de um grupo de brasileiros que experimentam uma nova fase de consumo – mais direcionada a serviços do que à compra de produtos. Isso significa que os 40 milhões de novos consumidores que surgiram nos últimos anos já não se restringem apenas a comprar a TV mais moderna. Eles querem adquirir serviços de qualidade. E as empresas já estão de olho nesse filão.

De acordo com um estudo recente do instituto Data Popular, os gastos da classe média – que representa 54% da população brasileira – com serviços superaram os desembolsos com produtos pela primeira vez em 2011. A cada 100 reais gastos por esse público, 65,20 reais são direcionados à contratação de serviços. Nos últimos anos, essa proporção era mais equilibrada – 49,5% contra 50,5% gasto em produtos.

As empresas que perceberam essa mudança começaram a apostar na democratização de seus serviços por meio da criação de bandeiras mais econômicas. No caso do Jacques Janine, o salão se deu conta de que deixava de atender a um imenso público que, como Daniella, ia ao cabeleireiro em busca de opções básicas, como manicure e corte de cabelo, e a melhor relação custo-benefício. Após desenhar o projeto por três anos, a rede chegou ao modelo ideal: um salão pequeno, com padrão arquitetônico menos refinado, sem opções de estética e bem-estar, quadro de funcionários mais enxuto e, a partir de novembro, uma linha de produtos próprios, para reduzir os custos com fornecedores. O objetivo da empresa é que o novo cliente pague o mesmo preço de um salão de bairro, mas tenha uma marca respeitada por trás. “A marca, nesse caso, não é um símbolo de status, e sim uma garantia de qualidade. Esse consumidor é muito criterioso porque não pode correr o risco de jogar dinheiro fora”, explica o consultor Renato Meirelles, do Data Popular.

Termômetros da mudança – De olho nessa tendência, o setor de seguros se movimenta há quase uma década para tentar regulamentar a modalidade de microsseguros, possibilitando a criação de apólices mais baratas, que visam a cobertura de riscos específicos. A intenção é incluir as classes C e D nesse mercado. Nesta semana, a Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, apresentou uma minuta de resolução ao Conselho Nacional de Seguros Privados para alterar as regras dos microsseguros. A Azul Seguros, bandeira econômica da Porto Seguro, é um exemplo de que há muita demanda no segmento. Desde que foi criada, em 2003, a marca cresce a uma taxa média anual superior a 30%.

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Outro segmento que exemplifica essa mudança é o hoteleiro. Bandeira econômica não é novidade no setor, mas os números revelam que a categoria está em cresciimento. De acordo com uma pesquisa da consultoria em turismo Mapie, todas as redes internacionais presentes no Brasil começaram a instalar novas bandeiras ou estão em busca de operações desse tipo. Dos 200 hotéis em construção no país, aproximadamente 60% estão direcionados ao segmento econômico. O Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB) prevê que essa categoria representará 49% do mercado em 2015, ante 28% atualmente. “No passado, hotel era um serviço de luxo, porque a pirâmide socioeconômica brasileira era muito hostil. Com o crescimento da economia e a maior distribuição de renda, clientes que não existiam passaram a se hospedar em hotel econômico”, explica Ernesto Marino, especialista em investimentos hoteleiros e presidente da consultoria BSH International.

A estudante de moda mineira Amel Saadi, de 24 anos, se encaixa nesse perfil. Mesmo contando com a casa de amigos e parentes em São Paulo e no Rio de Janeiro, ela opta por se hospedar em um hotel. Com o salário de dois estágios, ela paga um plano mensal de viagem que dá descontos em pacotes. “Fico em hotéis que normalmente seriam mais caros, mas pago o preço de um Formule 1”, explica.

Para atender a esse público, o grupo Accor, o maior em atuação no Brasil, prevê construir 80 unidades até 2015 – a maioria sendo das bandeiras Ibis e Formule 1. A tradicional rede hoteleira Hilton, símbolo de hospedagem luxuosa, também planeja entrar no segmento econômico e trazer ao país sua marca mais barata, a Hampton Inn. O plano da empresa é investir em quartos de 21,5 metros quadrados, com decoração e mobília reduzidas. Não há data nem lugar previstos para construção.

Público amplo – Ainda que algumas prestadoras de serviço tenham feito mudanças de olho no potencial de consumo da classe C, o brasileiro ainda é muito sensível a preço. Assim, consumidores de maior poder aquisitivo acabam também compondo uma parte do público das bandeiras econômicas.

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Diante dessa demanda ampla, redes de academias que costumavam atender somente o público de alta renda lançaram unidades mais compactas e baratas. O grupo Bodytech, que oferecia pacotes de aulas em academias a uma mensalidade de 300 reais, lançou a marca Fórmula no Rio de Janeiro, em Copacabana. Como o bairro que comporta classes A, B e C, as mensalidades variam de 89 reais a 180 reais. A empresa pretende abrir mais duas unidades em São Paulo no começo ano que vem e prevê expansão para cidades como Piracicaba, Ribeirão Preto e Bauru, no interior paulista.

Enquanto uma unidade Bodytech tem em média 4.000 metros quadrados ocupados por piscinas, espaços para lutas e danças, além do básico, a Fórmula se espalha por espaços de 400 a 800 metros quadrados e conta com aparelhos de musculação e aulas coletivas de ginástica e aeróbica. “As academias de bairro hoje estão muito maltratadas. Pensamos: por que não criar uma academia do tamanho da de bairro, com equipamentos de ponta, mas com custos enxutos para oferecer um preço competitivo?”, explica Mario Esses, diretor executivo da Fórmula. Com história similar, o grupo Bio Ritmo lançou a bandeira Smart Fit em 2009, com mensalidades que vão de 49 a 69 reais. A academia está presente tanto em Ceilândia, cidade-satélite no Distrito Federal, com público de classe média, como no bairro de alta renda dos Jardins, em São Paulo.

O grupo de medicina diagnóstica Fleury, tradicionalmente posicionado no segmento premium de laboratórios, realizou uma série de aquisições nos últimos anos e resolveu integrar 12 marcas sob a bandeira a+. O objetivo é atender clientes de diversas faixas de renda. Em cada um dos seis estados que atua, a a+ se direciona a um público diferente. “Ajustamos a unidade conforme as necessidades do cliente daquela localização geográfica”, explica Wilson Leite Pedreira Jr., diretor executivo de negócios do Grupo Fleury.

De acordo com André Torreta, da consultoria A Ponte Estratégia, o Brasil está vivendo uma situação similar a dos Estados Unidos nos anos 50, quando houve uma transição social para um país de classe média. “As empresas americanas querem vender para todos os americanos, não só para os mais ricos. No Brasil, as companhias estão percebendo isso agora”. Em sua visão, a próxima onda do consumo será ditada pela segunda geração da classe média, que já nasce educada, exigente e ciente de seus direitos – além de mais otimista. “Aí sim, venderemos o Brasil para os brasileiros”, completa.

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