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Como a crise do petróleo pode se tornar desesperadora para a Petrobras

Estatal brasileira já revisou plano de investimento e desestatizações devido à queda no patamar do petróleo mundo afora; momento é de cortes de custos

Por Felipe Mendes Atualizado em 21 abr 2020, 13h43 - Publicado em 21 abr 2020, 13h04

O ano de 2019 marcou uma virada na história recente da Petrobras. A estatal petrolífera brasileira imprimiu uma rígida política de controle de gastos e, sobretudo, atingiu um marco nunca antes conquistado: viu a produção de petróleo ultrapassar a marca de 1 bilhão de barris no ano. Para ser mais exato: 1,018 bilhão, um avanço de 7,78% em relação ao ano anterior. Tudo estava dando certo. A produção do pré-sal bateu recorde no ano passado com a extração de 633,9 milhões de barris de petróleo e de 25,906 bilhões de metros cúbicos de gás natural. Até o programa de desestatização ganhou tração, com a venda da BR Distribuidora e da Liquigás. Mas a disseminação do novo coronavírus (Covid-19) desde o fim de janeiro gerou um caos na economia global, afetando em cheio a demanda pelo “ouro negro”. Se não bastasse o descontrole natural causado pelo vírus, a Arábia Saudita e a Rússia iniciaram uma guerra sem precedentes pelos preços do barril de petróleo em março, em que o intuito de frear o desenvolvimento da indústria de xisto do mercado americano e a utilização de alternativas mais sustentáveis ao combustível fóssil falou mais alto. Não deu outra. Com a queda da demanda e a produção abundante, não só a indústria de xisto foi afetada, como todo o mercado. Assim, o preço do barril de petróleo despencou mais de 60% mundo afora. Hoje, o barril de petróleo do tipo Brent, referência mundial, está cotado a menos de 20 dólares. E a Petrobras está sangrando com a incineração.

No início de abril, anunciou uma série de medidas para conter os custos de sua operação. Dentre elas, as principais foram um corte em sua produção diária estipulado em 200.000 barris de petróleo por dia, além de reduzir seu capital de investimentos para este ano de 12 bilhões de dólares para 8,5 bilhões de dólares. Mas as medidas foram muito além disso. Para economizar cerca de 700 milhões de gastos com funcionários, a companhia anunciou a postergação do pagamento, entre 10% a 30%, da remuneração mensal de empregados com função gratificada (gerentes, coordenadores, consultores e supervisores); cancelamento dos processos de avanço de nível e promoção para empregados de cargos altos; suspensão temporária de todos os treinamentos; e a redução temporária da jornada de trabalho, de 8 horas para 6 horas, de cerca de 21.000 empregados. A empresa espera, com o conjunto de ações anunciadas, chegar ao corte desejado de 2 bilhões de dólares em gastos operacionais em 2020.

Além disso, em 16 de abril, a estatal anunciou que está hibernando 62 de suas plataformas em campos de águas rasas das bacias de Campos, Sergipe, Potiguar e Ceará. O preço internacional do petróleo fez com que a extração nesses polos se tornasse financeiramente inviável. Segundo a Petrobras, isso “faz parte de uma série de ações para preservar os empregos e a sustentabilidade da empresa nesta que é a pior crise da indústria do petróleo em cem anos” e as plataformas que deixarão de extrair óleo “não apresentam condições econômicas para operar com preços baixos de petróleo e são ativos em processos de venda”. Outra ação da estatal foi paralisar temporariamente parte da construção do gasoduto Rota 3 e da unidade de processamento de gás do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, a Comperj. Especialistas dizem que a Petrobras só não se encontra em uma situação tão desesperadora por que o dólar alto ainda é atrativo para a exportação. Mas se ganha por um lado, perde por outro. Cerca de 75% da dívida da empresa é calculada na moeda americana — hoje, a aproximadamente 5,30 reais. “A Petrobras está se adaptando ao petróleo cotado a 30 dólares. Por isso está reduzindo sua operação”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

A crise vai atrasar o plano de investimentos da Petrobras. Segundo Décio Oddone, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, a ANP, a Petrobras teria condições de produzir 5,5 milhões de barris por dia em 2027. Estudos realizados pela Shell em 2018 indicavam que, até o fim desta década, a Petrobras poderia exportar de 6 a 7 milhões de barris de petróleo por dia. Não mais. “Pode esquecer essa meta para produzir 7 milhões de petróleo de barris por dia. Não será mais daqui a 10 anos. Pode ser que seja daqui a 15, a 13, mas daqui a 10 anos não será mais”, afirma Pires.

Além disso, pode-se dizer que o plano da Petrobras de arrecadar até 30 bilhões de dólares com a venda de ativos entre 2020 e 2024 foi para o lixo neste momento. A missão, anunciada pelo presidente da estatal, Roberto Castello Branco, era negociar todas as operações em terra ou águas rasas nas regiões Norte, Nordeste e Sul do país. A despeito de desinvestimentos realizados em ativos na Nigéria e de se desfazer do controle da Liquigás e da BR Distribuidora, o pacote de ativos a ser liquidados conta com campos de petróleo, oito refinarias, além de fábricas de fertilizantes e de biodiesel. O projeto vai ficar para outro momento. Em teleconferência com analistas, Castello Branco admitiu que não venderá tão cedo as propriedades da companhia. “Os ativos se desvalorizaram muito. Nessa situação, não se vende nem mariola, quanto mais refinaria”, afirma David Zylbersztajn, professor da PUC-Rio e ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

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Com isso, o estado do Rio de Janeiro também irá sofrer. Segundo um estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, a Firjan, o Produto Interno Bruto (PIB) do Rio de Janeiro sofrerá uma queda de 4,6% este ano, a maior desde 2002, quando a entidade começou a série histórica. Devido à derrocada do petróleo, a Firjan estima uma queda de 21% na arrecadação de ICMS; o valor é 11 bilhões de reais a menos em relação ao previsto pelo governo estadual na Lei Orçamentária Anual (LOA). As receitas de royalties, por sua vez, deverão registrar perda de 3,2 bilhões de reais. Lembra-se que, em 2019, com o petróleo a 60 dólares, o Rio amealhou 14 bilhões de reais em royalties. “Com os efeitos da Covid, é provável que mais tempo se demore para a economia voltar. Por isso, a arrecadação provavelmente será inferior a um pouco menos da metade do que se esperava para 2020”, diz o economista Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec. Para ele, o governo estadual poderia solicitar um adiantamento do que receberia em royalties para mitigar os efeitos da pandemia na economia local, mas isso não deverá acontecer devido ao distanciamento político entre o governador do Rio, Wilson Witzel, e o presidente Jair Bolsonaro. “Como quem determina a linha básica da diretoria da Petrobras é o próprio governo federal, eu veria como improvável uma antecipação de royalties, tendo em vista que não haveria interesse político”, diz Braga. Ou seja, o cenário nebuloso deve continuar pairando sobre a indústria do petróleo por algum tempo.

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