Carta ao Leitor: Gasolina na fogueira
O aumento nos preços do combustível alimenta uma crise em que ardem a pífia performance da atividade econômica e a volta da inflação
Criada no início dos anos 1970, a Reserva Estratégica de Petróleo dos Estados Unidos nasceu como uma reação à colossal crise que praticamente paralisou o mundo ocidental naqueles tempos. Ela consiste, basicamente, em 620 milhões de barris estocados em cavernas nos estados do Texas e da Louisiana — e tem como objetivo abastecer de forma emergencial o mercado americano sempre que acontece uma expansão descontrolada nos preços do combustível. Isso ocorreu, por exemplo, em 1991, durante a Guerra do Golfo, e em 2005, logo depois da tragédia humanitária provocada pelo furacão Katrina, que arrasou a cidade de Nova Orleans. Na semana passada, o presidente Joe Biden decidiu recorrer aos depósitos subterrâneos e sacar 50 milhões de barris de lá. A ideia é baixar o valor da gasolina no país, que alcançou 3,40 dólares por galão, o equivalente a 90 centavos por litro (cerca de 5 reais), 61% a mais do que há um ano.
Assim como os Estados Unidos, o Brasil também enfrenta as agruras da escalada descontrolada nos preços do combustível — um aumento médio de aproximadamente 50% desde outubro de 2020, com algumas regiões do país registrando índices próximos a 80%, como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Em resumo, um desastre que impacta a vida das pessoas, das empresas e até a política. À diferença de Washington, Brasília segue passiva, não anunciando medidas concretas para conter a disparada. No início de novembro, o ministro das Minas e Energia, Bento de Albuquerque, chegou a aventar a possibilidade de criar uma reserva como a americana, mas aparentemente esqueceu o que foi dito (e não ajudaria muito fazer isso só agora).
A alta no preço dos combustíveis tem origem no torniquete aplicado pelos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) no fluxo da matéria-prima para o resto do mundo, efeito das bruscas oscilações decorrentes da pandemia. No Brasil, o problema ganhou uma octanagem maior pela alta do dólar diante do real, uma vez que, mesmo fornecido pela estatal Petrobras, o preço segue atrelado ao cobrado em moeda americana. Como mostra a reportagem na página 44, o aumento da gasolina acaba alimentando uma fogueira em que ardem a pífia performance da atividade econômica, a volta da inflação, a desconfiança dos investidores em razão da instabilidade política, a ruptura do teto de gastos e a sinalização de uma gastança com viés eleitoreiro no próximo ano.
Até o momento, o governo tem tentado apenas se eximir da responsabilidade, apontando o dedo para as administrações estaduais, e levantar balões de ensaio como a privatização da Petrobras (decisão correta, mas inviável na atual gestão). Como virou praxe na administração de Jair Bolsonaro, promove-se o blá-blá-blá destinado às redes sociais e não se governa o país. No exterior, além dos Estados Unidos, países como China, Índia, Japão, Coreia do Sul e Reino Unido já anunciaram programas específicos e contundentes para conter a alta nos combustíveis. Entre os brasileiros, o ônus segue para os bolsos do consumidor e das empresas. Tem tudo para dar errado — e, a continuar assim, é distorção que subtrairá votos do presidente, à procura de um segundo mandato.
Publicado em VEJA de 1 de dezembro de 2021, edição nº 2766