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Caixa adota novo modelo de gestão para reverter a crise em que mergulhou

Banco foi abalado por um cataclismo inédito em sua história centenária; primeiras medidas implementadas por Daniella Marques já mostram bons resultados

Por Carlos Valim, Felipe Mendes 31 jul 2022, 08h00

Durante três anos e meio de gestão, Pedro Guimarães, ex-presidente da Caixa Econômica Federal, impôs uma guinada brutal na cultura do mais antigo banco estatal brasileiro em operação contínua. Esse período chegou ao fim há um mês, em meio a denúncias de agressões verbais e comportamentos abusivos do ponto de vista sexual em relação às mulheres, o que acabou derrubando o executivo. Os dias de transe na Caixa, entretanto, não terminaram com o seu pedido de afastamento. Na terça-feira 19, o diretor de controles internos e integridade, Sérgio Faustino Batista, responsável pela gestão de riscos de crédito, foi encontrado morto com indícios de suicídio na sede do banco. O clima, que já era ruim, foi tomado de choque, consternação e de perplexidade. Em um gesto de apoio à família e às pessoas próximas à tragédia, a nova presidente, Daniella Marques, foi ao enterro do funcionário de carreira, que trabalhava há 33 anos no banco. Um cataclismo inédito na história da centenária instituição.

Passados os dias mais dramáticos dessa lamentável sequência de acontecimentos, a nova gestão corre agora para virar a página, ao mesmo tempo que conduz uma investigação transparente dos episódios devastadores do passado recente. Assim que Marques foi indicada à presidência, no mesmo dia da demissão de seu antecessor, ela prometeu tratar com responsabilidade as acusações que derrubaram Guimarães. O plano tinha cinco pontos principais, que, em apenas vinte dias, foram colocados em ação. Para começar, foram afastados de cargos de poder todos os funcionários também envolvidos em acusações de assédios ou de acobertar atos indevidos. Para apurar os casos, foi contratada uma auditoria que será feita pela Ernst & Young, em coordenação com o escritório de advocacia Machado Meyer. Em paralelo, foi estabelecida uma comissão independente com representantes do conselho de administração da Caixa e também do Tribunal de Contas da União, da Controladoria-Geral da União e da Advocacia-Geral da União. Já a área de corregedoria, que respondia à presidência, agora se reporta ao conselho. Por fim, Marques criou um canal sigiloso de denúncias que chegam diretamente a ela.

DIAS DUROS - Sede da Caixa, em Brasília: cenário de tragédias recentes -
DIAS DUROS - Sede da Caixa, em Brasília: cenário de tragédias recentes – (Leonardo Sá/Ag. Senado)

A expectativa é de que em cerca de dois meses esse momento de emergência tenha chegado ao fim, ao mesmo tempo que se protege a operação do banco. De fato, o início dessa retomada tem sido promissor. “A gente quer deixar a investigação concentrada no comitê independente para que a Daniella não se envolva tanto em investigações do passado. Ela, claro, vai receber todos os feedbacks para cobrar falhas de governança. Mas o mais importante é ela tocar o futuro do banco”, afirma Rogerio Bimbi, presidente do conselho de administração da Caixa.

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Algumas ações de reestruturação já foram aceleradas. Na última semana, a nova presidente recebeu, num evento em Brasília, 250 superintendentes do Brasil inteiro. Na ocasião, ela declarou as diretrizes de sua gestão: o compartilhamento de decisões, menor centralização, a busca por um clima que privilegie o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, além da digitalização de ofertas do banco e de uma integração maior de áreas para que os 148 milhões de clientes tenham acesso a mais produtos. “Tem poder demais na cadeira da presidência”, afirmou, no evento interno. O novo modelo de governança, com a adoção de mais colegiados internos, é o do Banco do Brasil, que reconhecidamente tem uma gestão mais avançada.

Na reunião, também afirmou que o banco não deve ser lugar de piadas sexistas e que o trabalho nos fins de semana será desestimulado, assim como o uso de gravata não será obrigatório. Essas três afirmações foram imediatamente interpretadas como respostas à gestão anterior. A executiva, junto a interlocutores, prefere tratar as novidades como seu estilo de liderança, afinado com as melhores práticas do mercado. Ela conhece bem quais são. Formada em administração de empresas, mas com uma trajetória toda vinculada ao mercado financeiro, Marques foi sócia do ministro da Economia, Paulo Guedes, na gestora Bozano Investimentos, onde teve uma passagem brilhante. Desde o início do governo ocupou posições no Ministério da Economia, sempre com grande proximidade a Guedes.

GESTÃO DE RISCO - Guimarães: atuação política e práticas abusivas no comando -
GESTÃO DE RISCO - Guimarães: atuação política e práticas abusivas no comando – (Alan Santos/PR)

Além do evidente propósito de resolver os graves problemas da gestão anterior, a enérgica reação protagonizada por Marques está ligada ao tempo exíguo que a instituição tem para cumprir um papel estratégico no governo, à medida que se aproximam as eleições presidenciais. Nos últimos anos, e principalmente durante a pandemia, a Caixa assumiu um nítido protagonismo em medidas prioritárias para o governo — que podem ser decisivas para atrair votos de uma parcela relevante do eleitorado. Afinal de contas, o banco opera o Auxílio Brasil, benefício às famílias mais pobres que acaba de ser aumentado para 600 reais mensais até o fim do ano.

Fundada em 1861 pelo imperador dom Pedro II, a Caixa avançou recentemente em terrenos alheios. Numa regra nunca escrita, o banco sempre se dedicou à habitação — responsável por 570 bilhões de reais da carteira de crédito de 889 bilhões da instituição —, enquanto o Banco do Brasil se dedicava ao crédito para o campo. No entanto, pelo segundo ano seguido, a Caixa passou também a operar na área, com o Plano Safra. Outra frente implementada foi a do crédito a pequenas empresas, com destaque para o Pronampe, programa criado no começo da pandemia e que se tornou permanente. Desde a última semana, a Caixa, que representa 37% do projeto, oferece uma nova rodada de empréstimos. São frentes cruciais para Bolsonaro estender sua permanência no governo, mas também um sinal de que a fase trágica pode ser superada.

Publicado em VEJA de 3 de agosto de 2022, edição nº 2800

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