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‘Brasil preocupa, mas não é Argentina de 2001’, diz diretor da Economist

Beñat Bilbao-Osorio, diretor para América Latina da Economist Intelligence Unit, afirma que situação no país é difícil, mas não se compara à do país vizinho na década passada

Por Luís Lima 21 fev 2016, 09h21

O quadro que alia recessão econômica e ameaça de abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff põem o Brasil sob dupla instabilidade – a política e a da economia -, mas é preciso colocar os fatos em perspectiva: a despeito das dificuldades atuais, o Brasil de hoje não se compara à Argentina de 2001, como já se apressaram em afirmar alguns analistas – como o jornal britânico Financial Times no artigo “Argentina e Brasil: trocando de lugares”, em tradução livre para o português. Essa é a opinião do economista Beñat Bilbao-Osorio, diretor para América Latina da Economist Intelligence Unit (EIU), braço de pesquisa da prestigiosa revista britãnica.

Lembremos: em 2001, o país vizinho teve três presidentes da República em um intervalo de oito dias, desceu ao pior nível na escala das agências de classificação de risco e decretou um calote de 102 bilhões de dólares, a maior moratória já registrada. “Uma diferença fundamental é que a Argentina de 2001 foi exposta a uma grande parte de empréstimos em moeda estrangeira (principalmente dólares), enquanto a dívida no Brasil é principalmente lastreada na moeda local”, diz Bilbao-Osorio. Ele falou ao site de VEJA.

O Brasil enfrenta um cenário econômico recessivo e de crise política. Qual o principal desafio para o país em 2016? O principal obstáculo é suprir a falta de uma liderança política que coloque em prática as várias medidas que o país precisa. Isso tanto para recuperar a estabilidade macroeconômica como para implementar reformas estruturais que garantam níveis de produtividade mais elevados. Essa ausência tem efeitos devastadores em diversos aspectos. Em termos estritamente econômicos, uma das principais prioridades é a adoção de medidas de austeridade fiscal para a obtenção de um superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública). Com isso, seria possível reduzir a dívida pública e evitar fuga de investimentos. Além disso, permitiria que a política monetária fosse mais eficaz para controlar a inflação.

O mercado internacional já assimilou a troca no comando do ministério da Fazenda? O ex-ministro Joaquim Levy era considerado o principal arquiteto do ajuste fiscal e o garantidor de políticas macroeconômicas ortodoxas. A mudança de Levy para o atual ministro, Nelson Barbosa – um dos principais responsáveis pela chamada nova matriz econômica – foi vista como um sinal de “relaxamento”; um enfraquecimento da necessária adoção de políticas de austeridade. Não à toa, dias após o anúncio, os mercados locais reagiram, com alta do dólar e queda na Bovespa.

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O que Barbosa precisa fazer para ter um voto de confiança definitivo do mercado? Barbosa deve assegurar a adoção de medidas de rigor fiscal que mostrem progresso na redução do déficit nas contas públicas. Também é preciso mostrar uma estratégia realista, de médio prazo, para reduzir a dívida pública, o que requer a implementação de reformas estruturais no âmbito fiscal.

Uma possível perda de grau de investimento do Brasil pela Moody’s faria alguma diferença? Ou os fundos já tiraram todo o dinheiro que tinham no país? Penso que após a retirada do selo de bom pagador do Brasil pela Standard and Poor’s (S&P) e Fitch, o mercado já antecipou um rebaixamento pela Moody’s em um futuro próximo. Ainda assim, o Brasil não está imune à confirmação dessa notícia. Ou seja, novas turbulências podem acontecer.

Uma eventual mudança de presidente, via processo de impeachment, pode ser um caminho para o país sair da recessão? Por quê? Um dos fatores mais importantes para superar a recessão econômica é a estabilidade política e a capacidade de um governo implementar reformas. Isso não exige, necessariamente, uma troca de presidente, por meio de um processo de impeachment ou novas eleições. Isso requer mudança de políticas.

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Como a recessão no Brasil afeta os vizinhos da América Latina? Na condição de maior economia da região, a crise no Brasil traz consequências diretas para todos seus vizinhos. Isso é mais visível, sobretudo, naqueles que compartilham vínculos econômicos mais fortes, como a Argentina.

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Por falar em Argentina, quais os possíveis efeitos da “guinada liberal” que o país vive, após a posse do novo presidente, Mauricio Macri? Os principais efeitos para o Brasil e para a região são os relacionados a uma crescente abertura econômica. No curto prazo, a suspensão de restrições de exportação de alguns produtos, que seus vizinhos terceirizam, podem ter efeitos negativos no preço. Mas no médio e longo prazos, os efeitos são o surgimento de novas oportunidades de investimento na Argentina, maior integração de mercados e uma política de aprendizagem de medidas e resultados para o enfretamento de desafios econômicos, como o controle da inflação.

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O governo liberal de Macri pode reduzir o protagonismo do Brasil na América Latina? Dada a dimensão do Brasil, o país sempre desempenhará um papel de liderança na América do Sul. Uma Argentina mais forte em termos econômicos, por sua vez, deve ser vista menos como uma ameaça e mais como mais uma oportunidade para estimular mudanças necessárias e fechar negócios.

De tempos em tempos os mercados internacionais elegem seu novo país preferido na América Latina. Brasil, México e Colômbia já ostentaram esse título. Você não acha que é muito cedo para acreditar que Argentina – com tantos problemas estruturais – é o próximo? A Argentina está encerrando um período de doze anos de políticas heterodoxas que, em certa medida, limitaram o interesse de investidores externos neste período. O anúncio das reformas que são esperadas com a mudança de governo provocou o interesse de potenciais investidores. O sucesso na adoção desta agenda de reformas conduzirá o interesse dos investidores para que entrem na Argentina.

Um analista ouvido pelo jornal Financial Times comparou a crise brasileira com a Argentina em 2001. Não há um certo exagero em comparações como essa? A situação do Brasil é difícil, mas não acreditamos que é semelhante à crise argentina de 2001.

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Por quê? Por três motivos principais. O primeiro é a natureza interna das crises. A Argentina de 2001 foi exposta a uma grande parte de empréstimos em moeda estrangeira (principalmente dólares), enquanto a dívida no Brasil é principalmente lastreada na moeda local. Isso é importante para a capacidade de os países pagarem a dívida e se adaptarem ao câmbio. O segundo ponto é a natureza dos choques “externos”. Em 2001, a Argentina sofreu um impacto mundial com o estouro da bolha da internet que teve consequências globais. Atualmente, o Brasil enfrenta dificuldades externas devido à desaceleração da economia chinesa. No entanto, o crescimento na China ainda deve superar os 6% – e ainda que o gigante asiático enfrente desafios, o governo brasileiro tem meios para se proteger. Em terceiro lugar, vem a política de resposta em relação à taxa de câmbio e ao reembolso de dívidas. Em 2001, a Argentina seguiu uma taxa de câmbio que atrelou o peso ao dólar, o que criou um coquetel perigoso. Quando a situação ficou insustentável, o país foi forçado a implementar uma desvalorização muito brusca, que causou pânico nos mercados, o que culminou em controles de capital e uma falta de confiança generalizada. Além disso, o endividamento em dólar tornou o país inadimplente.

O senhor mencionou a China. Que estratégias comerciais que o Brasil pode adotar se a desaceleração no gigante asiático se acentuar? A desaceleração e, especialmente, a mudança no padrão de crescimento do investimento para o consumo na China é uma mudança estrutural, que continuará afetando o Brasil. É importante que o Brasil e as empresas brasileiras explorarem novos mercados para seus produtos atuais, mas também que inovem para adequar o fornecimento dos seus produtos e serviços às novas exigências do mercado global.

O que o Brasil precisa fazer para ser mais competitivo? Antes de tudo, o Brasil precisa recuperar sua estabilidade macroeconômica e reforçar o funcionamento de suas instituições. Além disso, precisa melhorar a infraestrutura, aperfeiçoar o funcionamento de seus mercados, dando maior espaço para a concorrência. Outras medidas são aumentar a produtividade e a flexibilidade do mercado de trabalho, atraindo, dessa forma, investimentos em áreas-chave como educação e tecnologia.

É possível adotar essa agenda mesmo com o turbulento cenário atual? A implementação de reformas estruturais requer uma liderança política e também estabilidade econômica para permitir que o setor privado se envolva em investimentos. Superar a crise política e ampliar certeza por meio de governos estáveis é fundamental para o sucesso dessa agenda no médio e longo prazos.

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