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Brasil precisa estabilizar o real para atrair investidor estrangeiro, diz guru dos mercados

Estancar a depreciação cambial e a pressão sobre a inflação é essencial para ter juros mais baixos, diz David Kelly, estrategista-chefe global do J.P. Morgan Asset Management, que administra 1,8 trilhão de dólares em ativos

Por Marcelo Sakate Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 15 dez 2015, 08h32

Com a queda constante da taxa de desemprego (hoje em 5%) e a limitação do número de novos trabalhadores, os salários já começam a ser pressionados na economia americana. Essa é a razão pela qual o Federal Reserve, o banco central dos EUA, deve finalmente subir a taxa de juros de curto prazo na reunião desta quarta-feira, depois de nove anos. A avaliação é do economista David Kelly, estrategista-chefe global do J.P. Morgan Asset Management, a divisão do banco americano que administra mais de 1,8 trilhão de dólares em ativos.

Com mais de duas décadas de experiência na área, Kelly é presença frequente em conferências de investidores em todo o mundo para compartilhar de sua visão e análise sobre a economia mundial e os mercados. Ele critica a decisão do Banco Central brasileiro de manter juros tão elevados em meio a uma recessão tão grave – “isso está sufocando a economia e torna impossível a tarefa de estabilizar a dívida pública” – e diz que o caminho para controlar a inflação passa pela necessária estabilização do câmbio. Além disso, o economista diz que o país precisa solucionar o impasse político e melhorar o ambiente de negócios para que possa se beneficiar do fluxo de recursos de investidores internacionais que, segundo ele, inevitavelmente se darão conta de que as melhores oportunidades de retorno continuam nos mercados emergentes.

Em passagem rápida por São Paulo, onde participou de um evento do J.P. Morgan para investidores, Kelly falou com exclusividade a VEJA:

Quais são as incertezas que ameaçam a economia global e dificultam as decisões de investimento? São três coisas: uma é saber quando o Federal Reserve vai subir as taxas de juros e como irá proceder quando começar a fazê-lo; dois, o quanto a economia chinesa vai desacelerar; e, terceiro, quando os preços de commodities negociadas pelos países emergentes voltarão a subir. A questão mais importante para o Fed é se o mercado de trabalho nos Estados Unidos vai continuar a melhorar. A taxa de desemprego passou de 10% em outubro de 2009 para 5% em outubro de 2015. E tem caído de forma constante. A economia americana tem criado empregos a um ritmo três vezes mais rápido do que o de novos trabalhadores. Isso está empurrando a taxa de desemprego para baixo e começa a levar os salários para cima. É a questão mais importante para o Fed e é isso por isso que eu acho que vão subir os juros.

Os mercados emergentes estão preparados? Sim. Eles possuem reservas em moeda estrangeira muito maiores do que há alguns anos. A maior parte dos emergentes pode lidar com a alta dos juros. Mas eu fico frustrado com a reação lógica – ou ilógica -desses mercados. Fala-se sobre o aumento de juros há dois anos. Fala-se do fim da política do Fed de compra de títulos para injetar liquidez nos mercados há tanto tempo quanto. E o dólar subiu 36% desde 2011. Por que a moeda deveria subir tanto só porque o banco central disse que algum dia poderá aumentar a taxa em 0,25 ponto percentual? Não há uma relação lógica para isso. Eu acho que o problema, na verdade, é que não há uma política cambial nos Estados Unidos. No fundo, há uma falta de políticas cambiais ao redor no mundo. E isso deixa os mercados emergentes vulneráveis. Um aumento de 0,25 ponto percentual na taxa de curto prazo não deveria fazer diferença para os investidores. Na verdade, não faz. O problema é que os investidores acham que os demais investidores pensam dessa forma. Eles vendem as moedas antes e depois fazem as perguntas.

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Como isso afeta o Brasil? Eu entendo os problemas que a economia brasileira enfrenta, mas isso não justifica a queda de 35% do real neste ano. Isso é loucura. A depreciação cambial tem piorado as coisas. E a reação do Banco Central, de manter taxas de juros em níveis tão elevados, está sufocando a economia brasileira. Eu ouço o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional apelarem ao Federal Reserve: ‘Não subam os juros porque vejam o que isso poderá fazer com as economias emergentes’. Para mim, não faz nenhum sentido ouvir o FMI dizer que eles não têm qualquer controle sobre as taxas de câmbio nem que pretendem fazê-lo, mas que vão deixar a política doméstica americana funcionar, na ausência de uma política global. Isso não faz sentido. Esses bancos centrais são extremamente poderosos, possuem enormes balanços. Se os dirigentes do Banco da China, do Banco Central Europeu, do Federal Reserve e do Banco do Japão decidirem que vão estabilizar as moedas das economias emergentes, eles conseguirão fazê-lo. Se amanhã pela manhã, nós acordarmos e esses bancos tiverem decidido converter parte de suas reservas em reais ou em pesos, com o objetivo de proteger essas moedas, o efeito será enorme. É preciso que haja uma cooperação global, não para fixar as taxas de câmbio, mas para colocar algum controle, de forma a permitir que os países tenham uma política monetária apropriada. A política americana precisa ser mais ‘apertada’, e a brasileira, ‘relaxada’.

A economia brasileira não deve sair da recessão antes de 2017. O país ficou para trás entre os emergentes? Muito se fala dos mercados emergentes cuja economia é dominada por commodities. Elas precisam se diversificar o mais rapidamente possível, porque é sabido que existem ciclos de commodities. Por alguns anos, vai tudo bem, mas em outros anos, não. É como se fosse a admissão bíblica de que haverá sete anos de fartura e sete anos de fome. Quando os preços de commodities estavam subindo, os gastos com consumo cresceram, mas a atividade industrial não acompanhou, exceto os setores ligados a matérias primas. Nos anos de fartura, o governo tem que fazer o que for possível para diversificar a economia, reduzir os custos para os negócios e qualificar a mão de obra. Conheço esse desafio. Meu país natal é a Irlanda. É um país abençoado e amaldiçoado por não ter recursos naturais. Mas por causa disso há uma política industrial muito ativa. O governo faz o possível para facilitar a vida das companhias: reduz os impostos, ataca a burocracia, atrai empresas para se instalar no país dizendo que tudo vai funcionar, e isso tem sido o segredo do sucesso. O país teve enormes dificuldades alguns anos atrás, mas se recuperou e hoje é um dos que mais crescem na Europa. Não quero entrar na questão política, mas o Brasil precisa de um ambiente de negócios mais amigável. Além disso, eu entendo que o Banco Central queira ser rigoroso no combate à inflação, mas não é apropriado ter esse aperto monetário em meio a uma recessão, porque a economia doméstica não vai produzir uma inflação significativa. É verdade que houve grandes aumentos em preços administrados, mas, em uma economia fraca, não haverá tanta pressão de demanda. É o câmbio quem está produzindo isso e é necessário estabilizá-lo.

Há um ano, o senhor esteve no Brasil e expressou a visão sobre a importância de tomar medidas para tornar a economia mais competitiva. Qual a sua avaliação sobre o que foi feito desde então? Mais uma vez, não quero entrar na questão política, mas está claro que houve poucos avanços para tornar o Brasil mais competitivo. A queda dos preços de commodities tornou as coisas muito mais difíceis para o governo.

O que pode ser feito para recobrar a confiança do investidor estrangeiro? Começa com a política monetária. Eu acho que as pessoas precisam ter a confiança de que o real não vai cair ainda mais, de forma significativa. Isso é a coisa mais importante. Mas não pode se dar apenas por meio de aumentos da taxa de juros. É preciso que haja alguma cooperação internacional para proteger a moeda. A razão pela qual eu digo que isso é importante é que todo mundo assume que, quando o Federal Reserve elevar as taxas de juros, o dólar vai subir ainda mais. Mas, na verdade, nas últimas três vezes que isso aconteceu, o dólar caiu. Nos seis meses que antecederam o fato, o dólar se valorizou; nos seis meses depois, caiu. As pessoas compram no rumor e vendem no fato. Para as moedas dos emergentes, o problema é a antecipação ao que o Fed vai fazer, e não a realização do que se espera. O dólar deve cair.

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Qual a sua avaliação sobre os preços dos ativos brasileiros? Com a queda do real, muitos ativos brasileiros estão baratos. Uma das coisas sobre a qual eu mais falo é que as pessoas não se dão conta de que a economia americana vai desacelerar. Mesmo que todos os desempregados voltem a trabalhar, ainda assim a economia crescerá 2%. A taxa de desemprego não vai cair abaixo de 4%, de 3,8% (estava em 5% em novembro), porque é o nível mínimo para a economia americana. Se daqui a um ano, um ano e meio, ela cair para esse patamar, a taxa de expansão vai desacelerar para 1,5%. Olhe para a economia japonesa. Pelo segundo trimestre seguido, o PIB encolheu. A taxa de desemprego no Japão é de 3,1%. Quando você olha para o quanto países desenvolvidos podem crescer, para o fato de que Estados Unidos e Japão estão ficando sem pessoas para ingressar no mercado de trabalho, daí se dá conta de que os investidores terão que encontrar novas regiões de crescimento, e os emergentes podem dar isso a eles. São tempos difíceis para essas economias. Mas eu acredito que, nos próximos anos, as pessoas vão perceber que as restrições de crescimento nos países desenvolvidos vão resultar na liberação de recursos para os emergentes. O Brasil está bem posicionado se conseguir lidar com a instabilidade política. Em um ambiente estável, pode se beneficiar dos fluxos de investidores.

O que os investidores estrangeiros esperam do governo brasileiro? Claramente, uma parte dos investidores espera que haja estabilidade política e quer saber quais serão os desdobramentos da atual turbulência e como ficará o governo no longo prazo. Há outras pessoas que olham os números e querem saber se o governo será capaz de controlar o déficit público. É uma razão pela qual as taxas de juros são tão importantes. É essencial que o país estabilize a sua moeda e os juros domésticos. Se o câmbio continuar a se depreciar, isso vai causar uma saída de dinheiro externo. E se os juros domésticos são altos, o governo não consegue se financiar internamente. Fica impossível consertar a situação fiscal. É como na crise da dívida europeia, em que as pessoas se preocupavam se os governos teriam condição de pagar as dívidas. A questão é: ‘O Brasil está mais para a Espanha, que está melhorando muito, ou para a Grécia, muito instável politicamente e que tem uma dívida muito maior? Neste momento, a dívida brasileira não é exagerada, mas está indo na direção errada.

Os preços dos ativos brasileiros já incorporam o rebaixamento da nota de crédito do Brasil por mais uma segunda agência de rating? Provavelmente, sim. Não vejo nenhum otimismo em relação aos ativos brasileiros no curto prazo. Mas eu sou um investidor de longo prazo.

Que conselhos o senhor dá aos investidores brasileiros? Há duas mensagens chave. Uma é que os brasileiros deveriam investir mais o seu dinheiro ao redor do mundo. O Brasil é apenas uma pequena parte da economia mundial, a menor fração do mercado de ações e de títulos. Isso vale quando a situação é difícil no país, como agora, mas em geral é importante diversificar as aplicações. A segunda mensagem é que o investidor não deve deixar que a maneira como ele se sente em relação à economia doméstica influencie a forma como enxerga o mundo. Há alguns anos, fiz um discurso em Detroit: a economia americana estava melhorando, os mercados de ações iam bem, mas ninguém investia. Eu perguntei por que as pessoas não estavam otimistas, e elas falaram sobre o que acontecia em Detroit e na indústria automotiva americana. Eu tentei explicar que, em termos econômicos, Michigan era o pior estado do país naquele momento e que era muito importante superar isso. Hoje, a economia mundial não está em recessão. A economia brasileira, sim. Mas a economia mundial vai bem, o Japão está se recuperando, e a Europa também. A Austrália e o Canadá sofreram com os baixos preços das commodities, mas se recuperaram.

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