Boa notícia no mercado de trabalho traz desafios para Banco Central
O que deveria ser um bom presságio para a economia se transforma em uma dor de cabeça inflacionária, obrigando o banco a elevar ainda mais os juros
O mercado de trabalho brasileiro apresentou em outubro uma taxa de desemprego de 6,2%, um recorde histórico para o país. O fato de haver mais brasileiros empregados implica que a economia está, de certo modo, longe da recessão. Contudo, um mercado de trabalho aquecido não é isento de preocupações, especialmente quando observado através das lentes da política monetária.
O ciclo econômico impulsionado pela alta demanda por trabalhadores, embora positivo em termos de geração de renda e consumo, também carrega implicações inflacionárias. Em um cenário em que mais pessoas estão empregadas, o consumo cresce e, naturalmente, exerce pressão sobre os preços. Isso ocorre porque, com mais renda disponível, a demanda por bens e serviços aumenta, muitas vezes superando a capacidade de oferta no curto prazo. Como resultado, os preços tendem a subir – uma dinâmica conhecida por alimentar a inflação de demanda.
Esta combinação de crescimento do emprego e aumento dos preços coloca o Banco Central em uma posição delicada. O que deveria ser um bom presságio para a economia – um mercado de trabalho vigoroso – se transforma em uma dor de cabeça inflacionária. E, para conter a inflação, a principal arma da autoridade monetária é a taxa básica de juros, a Selic. Quando o custo do dinheiro sobe, o crédito fica mais caro, o consumo é desestimulado e, assim, a demanda excessiva é enfraquecida, ajudando a reduzir a pressão sobre os preços.
O Banco Central, em sua busca por ancorar a inflação na meta de 3%, voltou, no meio do ano, a elevar a Selic, em um esforço para evitar que a economia perdesse controle sobre os preços. Apesar de algumas expectativas de que a taxa começaria a recuar em 2025, as últimas leituras de inflação indicam que o BC pode ser forçado a manter, ou até elevar, os juros acima dos 14% no próximo ano. A elevada taxa de juros, que atingiu 13,75% no ano passado, foi alvo de duras críticas de Lula ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. No entanto, no próximo ano, a presidência do BC passará para Gabriel Galípolo, atual diretor de política monetária, indicado por Lula. Em diversos discursos, Galípolo tem reafirmado seu compromisso em manter a inflação dentro da meta, garantindo continuidade na política de controle inflacionário.
Esse cenário revela o dilema enfrentado pelos formuladores de políticas econômicas: enquanto o emprego em alta traz alívio social e poder de compra à população, ele também adiciona camadas de complexidade na gestão macroeconômica. Uma inflação elevada pode corroer os ganhos obtidos com o aumento de empregos, e juros persistentemente altos freiam investimentos e a atividade econômica, gerando um efeito de “fogo cruzado” entre os objetivos de pleno emprego e estabilidade de preços.
A expectativa era de que o pacote fiscal apresentado pelo governo trouxesse cortes expressivos e estruturais nos gastos públicos, aliviando a desancoragem da inflação, o que não se concretizou. Embora o governo tenha introduzido medidas relevantes para conter o aumento da dívida pública, a inclusão de uma renúncia fiscal — com a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil — gerou frustração no mercado. Essa decisão aumentou o ceticismo quanto ao real comprometimento do governo com a responsabilidade fiscal, reforçando dúvidas sobre sua disposição de enfrentar os desafios orçamentários de forma mais rigorosa.
Se o pacote fiscal – que prevê corte de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos – não conseguir aliviar as pressões sobre a dívida pública e as contas do governo, os efeitos do ajuste monetário por meio da Selic podem ser prolongados, mantendo os juros elevados por mais tempo do que o desejado. Isso, por sua vez, pode restringir o crescimento econômico de longo prazo, resultando em um ciclo vicioso que combina crescimento anêmico e inflação alta.