BC deixou cenário inflacionário se deteriorar, diz Daniel Lemos, ex-XP
Para o fundador da Riza Asset, o Banco Central está refém de previsões que ficaram no passado e o cenário para a bolsa de valores vai se deteriorar
O engenheiro de produção Daniel Albernaz Lemos, de 42 anos, ficou cerca de sete anos na XP e saiu no início de 2019, surpreendendo o mercado. Já com 20 anos de experiência no mercado de investimentos, à época ele era o segundo nome da XP Investimentos. Próximo do co-fundador Guilherme Benchimol, assumira o banco da XP e era responsável pela área de mercado de capitais. Alguns meses depois, Lemos ingressou na Riza Asset, um braço da então Riza Capital, a empresa voltada à fusão e aquisição de grandes empresas criada pelo ex-BTG Marco Gonçalves, conhecido no mercado como Marcão – no final de 2020, a Riza Capital foi vendida para a XP e Marcão assumiu a área de M&As da empresa.
Em janeiro de 2020, a Riza Asset foi lançada oficialmente, com o foco em gestão de recursos e suporte aos processos de fusões, e o primeiro fundo da empresa foi aberto no final de fevereiro, pouco antes da pandemia de Covid-19 derrubar as bolsas em todo mundo. Já naquela época, quando a Selic estava em 2% ao ano, a mínima histórica atingida pelo Brasil, Lemos apostava em fundos com um mix de ativos diferentes, incluindo renda fixa, debêntures, dívidas corporativas, securitização de recebíveis e recuperação de crédito. Na última sexta-feira, 30, a Riza Asset bateu 5 bilhões de reais sob gestão. Ao ingressar na Riza, Lemos esperava que o juros baixos permaneceriam no Brasil por um período de dois a três anos e já projetava que a inflação seria um desafio para o país, uma vez que crescimento econômico se contraporia aos seus limites estruturais. Pouco tempo depois, veio a pandemia e, por motivos diferentes, a inflação disparou.
Às vésperas da decisão do Copom, que, na quarta-feira, 5, deve subir a Selic em 0,75 ponto percentual, chegando a 3,50%, Lemos falou a VEJA sua análise sobre as decisões do Banco Central (BC). O mercado atualmente se encontra dividido entre os defensores da estratégia atual do Copom de subir gradualmente os juros e os críticos, os quais alegam que BC teria exagerado na dose de baixa ou até por não ter mantido por mais tempo um estímulo máximo à economia. Lemos faz parte dos integrantes do mercado que consideram que a Selic está abaixo do que deveria e o BC deixou o cenário inflacionário se deteriorar ao manter a esperança de que a situação fiscal do país poderia melhorar. Como isso não aconteceu, ele avalia que a instituição ficou refém das próprias projeções e não pode subir os juros de maneira drástica, para o patamar ideal, para não perder a credibilidade. Neste momento em que a Selic vai subir e os especialistas projetam que a renda fixa vai voltar com força no país, a projeção é de que faltará interessados na bolsa de valores brasileira e que ela vai se deteriorar.
Qual é a expectativa da Riza sobre a reunião do Copom?
Temos duas percepções. Achamos que o Copom deveria fazer ajuste de política monetária o quanto antes. Por outro lado, ele percebeu que a mudança drástica de discurso em todas as minutas e atas do Copom foi sentida pelo mercado em forma de volatilidade. Pouco tempo antes de ter feito o aumento de 75 bps (pontos de base, em inglês), o discurso do BC era outro e praticamente falava que ia ficar durante dois anos com uma política de forward guidance (indicando o caminho futuro dos juros), com manutenção da Selic enquanto algumas condições não fossem atingidas.
Quais foram as consequências desta mudança inesperada de discurso?
Obviamente não dá para isolar os efeitos como da PEC do Orçamento, as decisões do ministro do STF Edson Fachin e diversas coisas que aconteceram mais ou menos na mesma época, mas com certeza a Selic contribuiu com a volatilidade e com uma insegurança dos investidores sobre a velocidade em que a política monetária de menos acomodação seria restabelecida.
Na sua avaliação, qual seria a alta ideal da Selic?
De 100 a 150 bps (o aumento de 1 a 1,5 ponto percentual). Dado que a inflação já está saindo da meta para a projeção do ano que vem, o BC deveria normalizar pelo menos para um juro real perto do que está a inflação para termos juros zero corrente o quanto antes. Essa é a alta necessária, mas o Banco Central provavelmente vai aumentar de 75 a 100 bps. Acho difícil fugir disso.
Por que o Banco Central decidirá subir a Selic em apenas 75 bps, frente à alta inflação do país?
Ele fica um pouco refém do próprio discurso. O último comunicado colocou que enxergava uma outra alta de 75%, o que de certa forma ancora a expectativa das pessoas. No entanto, de lá para cá a situação fiscal piorou, tanto a qualidade da discussão fiscal quanto a consciência política do que significa ter quase 100% de dívida em relação ao PIB. Neste momento em que estamos com o juros real negativo é mais tranquilo, mas na hora que tiver de jogar o juros para 6, 7 ou 8 por cento, esses encargos fiscais ficam brutais. O Banco Central percebeu que não existe uma consciência política fiscal.
Havia uma expectativa de reformas nos comunicados do Copom.
A nossa análise é que o BC aguardou erradamente uma sinalização ou uma evolução mais forte do lado fiscal, de reformas e perspectivas de privatização. Ele postergou demais o ajuste de política monetária e deixou o cenário inflacionário se deteriorar com essa esperança, acreditando que a inflação seria transitória. Mas a situação fiscal piorou na margem em relação às estimativas e expectativas de todo mundo e essa deterioração se tornou insustentável. Nossa impressão é que chegou uma hora que o Banco Central teve de jogar a toalha e fazer o ajuste. Até mesmo com a independência do BC, não dá para entrar no jogo político no Brasil, onde é impossível acertar qualquer previsão.
Como a alta da Selic alterará as teses de investimento?
A gente acha que é brutal. Um CDB de banco com rentabilidade de 130% do CDI significa 2,6% ao ano quando a Selic está a 2% ao ano. Porém, esta rentabilidade sobe para 9% quando a Selic sobe para 6,5%. É fato que o Brasil é rentista e o efeito da baixa da Selic que vimos na bolsa de valores foi muito grande. Na margem ele tem vários aspectos de bolha e enquanto essa Selic estava muito baixa esse jogo fazia sentido, porque o cara não tinha muito onde colocar os recursos. Quando o custo de oportunidade subir, vai ter uma realocação enorme de ativos.
Já há alguma previsão que quantifique esta realocação?
É difícil mensurar, mas em setembro e outubro do ano passado as LFTs (Letras Financeiras do Tesouro) tiveram rendimento negativo porque não havia demanda, só vendedor. Ninguém quis carregar as LFTs porque a rentabilidade estava abaixo da inflação. Com isso, o deságio foi considerável. Este é um exemplo de que a taxa de juros para atração de poupança estava totalmente fora do lugar. Achamos que, do ponto de vista do investidor local, ter 6,5% ou 7% ao ano de rentabilidade sem risco vai fazer faltar dinheiro para sustentar altas na bolsa. Pode ser que o investimento estrangeiro venha se o Brasil estiver com problemas resolvidos, mas ano que vem haverá eleição. Na nossa avaliação, o cenário para a bolsa é muito desfavorável. A alta da Selic, dos papéis do Tesouro, o processo eleitoral, a ausência de investimento estrangeiro e a crise sanitária ainda muito forte tornam o cenário inviável.
Quais são as novas apostas da Riza neste cenário?
Achamos que o nosso fundo Meyenii, de crédito estruturado, tem um potencial enorme neste cenário. Ele tem uma super demanda e no ano passado rendeu CDI +8%. Com o CDI atual baixo, esta é uma rentabilidade OK. Na hora que a Selic crescer 6%, ele rende 14%. Temos apostado muito nesse fundo, com expansão de área e novas contratações.