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Banco do Brasil: Por que Bolsonaro erra ao vetar a privatização

Apesar da boquirrota defesa do ministro Paulo Guedes na venda da estatal, dados mostram que o enxugamento do banco melhorou sua performance

Por Victor Irajá Atualizado em 27 jun 2020, 23h27 - Publicado em 30 Maio 2020, 10h00

O termo “estratégico” soa tão nulo como a sua carga explicativa, que nada informa. Segundo o dicionário Michaelis, a palavra é relativa a estratégia — e nada mais do que isso. Apesar de vago, tornou-se comum argumentar contra a privatização de determinada estatal por ela ser “estratégica”, mesmo que isso não signifique absolutamente nada. É o caso do Banco do Brasil. Apesar das vocações privatistas do ministro Paulo Guedes e da equipe da Economia, o presidente Jair Bolsonaro torce o nariz para a concessão da instituição à iniciativa privada, com a argumentação ausente de sentido. Não foram poucas as vezes em que, publicamente, secretários de Guedes e o próprio presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, admitiram a inclinação a vendê-lo, possibilidade sempre rechaçada por Bolsonaro. “A posição que Bolsonaro adota é a de dar carta branca até certo ponto. Em aspectos que são sensíveis, que levam em conta ideologia, ele acaba freando as discussões. É um capitalismo tropicalizado e o histórico dele mostra isso”, diz Glauco Legat, analista-chefe da corretora Mirae.

Na fatídica reunião ministerial do dia 22 de abril, tornada pública por decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, Paulo Guedes foi além. “A beleza é o acordo entre o conteúdo e a forma”, vaticinou certa vez o dramaturgo norueguês Henrik Ibsen (1828-1906). E, apesar do vocabulário afinado com o do presidente, fluente em estultice, o ministro da Economia vaticinou: “Tem de vender logo essa porra”. Apesar de eloquente, as escorregadas retóricas de Paulo Guedes para defender boas medidas são uma das grandes falhas de sua personalidade. A risada escancarada de Bolsonaro como resposta, porém, foi mais preocupante do que a falta de educação do ministro. Bolsonaro não quer vender o Banco do Brasil.

Na semanal transmissão ao vivo que faz pelas redes sociais, na quinta-feira, 28, o presidente admitiu que o governo trabalha para “privatizar muita coisa”, mas arrancou a Caixa e o Banco do Brasil do rol de desinvestimentos. “A Caixa Econômica Federal não está nessa linha, o Banco do Brasil também não está nessa linha, a Petrobras, o núcleo, também não está nessa linha”, disse ele. É uma pena. Responsável pelo processo de privatização de estatais, o secretário de Desestatização, Salim Mattar, nem se deu ao trabalho de realizar estudos mais robustos sobre a cessão do Banco do Brasil, sabendo que o trabalho seria em vão. Apesar de projetos de privatização da instituição não estarem na ponta da caneta de Mattar, o secretário atua na centralização do Banco do Brasil como o que de fato ele é – oras, um banco –, concedendo à iniciativa privada subsidiárias responsáveis por atividades terceiras que não a bancária.

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Paulo Guedes durante reunião ministerial ocorrida no dia 22/04/2020 e citada pelo ex-ministro Sergio Moro em depoimento à PF (Marcos Corrêa/PR)

O Banco do Brasil tem, hoje, 26 empresas subsidiárias à instituição. No ano passado, o governo federal desfez-se de ativos como as participações na Companhia Brasileira de Securitização, a Cibrasec, vinculada ao mercado de seguros; na SBCE, voltada ao mercado de crédito; e na Neoenergia, grupo privado do setor elétrico; e iniciou o processo para se desfazer do braço voltado ao turismo da estatal, a BB Turismo. Naquele ano, a empresa também vendeu sua participação na IRB Brasil Resseguros, também voltada ao mercado de seguros.

A fala de Guedes, porém, serviu para dar fôlego ao mercado financeiro. Na ressaca da divulgação do palavrório ministerial, as ações da instituição dispararam 10,49% na segunda-feira, 29. O ministro reclamou que, apesar de “ter um liberal lá”, não consegue “fazer nada” na instituição. A reclamação se dá, principalmente, em controlar as altíssimas taxas de juros cobradas (não só) pelo Banco do Brasil.

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“A condição do BB é problemática, porque, como se trata de uma empresa de capital misto, o governo não consegue estabelecer algumas condições”, diz Pedro Galdi, analista responsável pelo Banco do Brasil na corretora Necton. De fato, pode até não ser o momento de se avançar numa discussão mais robusta sobre a privatização do banco, mas o veto de Bolsonaro ao discurso não cria boas perspectivas. A pandemia do coronavírus atingiu em cheio a lista de possíveis interessados na compra da instituição, mas a posição mais sensata seria arar o terreno para a privatização do banco, mesmo que na gestão posterior, a partir de 2022. Uma possível concessão do banco para a iniciativa privada, porém, constituiria em um fortalecimento consequente de outras estatais, como a Caixa Econômica Federal, em projetos de interesse social, como oferecer linhas de crédito para pequenos agricultores, o que o Banco do Brasil faz com maestria e responsabilidade.

Desde a gestão de Michel Temer, o banco vem sendo, digamos, arrumado. Sob a tutela do ex-presidente, o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, determinou que as nomeações para a instituição fossem chanceladas pelo Banco Central, como forma de diminuir a ingerência política no Banco do Brasil, com base na Lei das Estatais, que, sancionada em 2016, estabeleceu regras mais rígidas para indicações para diretores e membros dos conselhos de administração dessas empresas. Os lucros saltaram de 7,9 bilhões de reais em 2016 para 17,8 bilhões de reais no ano passado, enquanto os ativos da intituição foram enxugados em mais de 37 milhões de reais no mesmo período. É sabido que o presidente Jair Bolsonaro não é muito afeito a dados, mas estes poderiam fazê-lo ouvir com mais carinho às recomendações boquirrotas de Paulo Guedes.

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