Banco Central dá nova vida a “classe” que Guedes prometeu exterminar
Ministro da Economia sempre se colocou como inimigo dos rentistas. Agora, eles podem, mais uma vez, se beneficiar de taxa de juros alta
A apenas um ponto da maior taxa de juros atingida pelo governo de Dilma Rousseff (PT), o país governado por Jair Bolsonaro revive um velho “inimigo” do ministro da Economia, Paulo Guedes, do qual ele prometia tirar o sono — e os rendimentos fáceis. Desde o primeiro discurso no cargo, o ministro entoava que o Brasil era “o paraíso dos rentistas” e que isso deveria acabar. Mesmo que isso custasse, inclusive, que o dólar atingisse patamares mais elevados, antes mesmo da pandemia. “Vamos vender ativos, desacelerar a dívida, talvez controlemos nominalmente essas despesas. Deixa de ser a asfixia de recursos para saúde, educação, cidadania, e o Brasil deixará de ser paraíso do rentista e inferno para empreendedores”, disse ele, em sua primeira manifestação pública como ministro.
Voltou ao tema em março de 2020: “O modelo econômico mudou. O Brasil passou quatro décadas como paraíso dos rentistas e o inferno dos empreendedores, modelo em que a taxa de juros estava sempre lá em cima, o governo se endividando em bola de neve, juros a 60% ao ano. Nós passamos uma década com juros de dois dígitos. E depois continuamos com os juros altos.”
Durante a primeira metade do governo, foi possível estimular a baixa dos juros, acentuada pelo Banco Central no começo da pandemia, para contrabalancear a queda da demanda. Pois bem. Agora, a poucos meses do fim do governo, o cenário é visivelmente oposto ao desejado por Guedes. Nesta quarta-feira, 15, o Banco Central (BC) elevou pela 11ª vez consecutiva a taxa básica de juros, a Selic, para 13,25% — e a autarquia sinaliza que ainda pode reajustar as alíquotas para cima, com menor ou igual força, pelo menos mais uma vez.
A partir do governo de Michel Temer (MDB), sob a presidência do Banco Central a cargo do economista Ilan Goldfajn, as taxas de juros passaram de 14,25%, dos tempos de Dilma Rousseff, para 6,5%, até então a mais baixa da história. Com o início da gestão de Bolsonaro, com Roberto Campos Neto no posto, o ciclo teve continuidade e levou a Selic para 2%, taxa que se sustentou até o ano passado, quando o BC iniciou as altas.
Com taxas de juros mais elevadas, torna-se mais atrativo para os investidores mirar em ativos de renda fixa, como os atrelados à própria taxa básica ou ao CDI. Quando a Selic está baixa, quem busca investimentos mais rentáveis tem de recorrer a papéis de maior risco, como aventurar-se na bolsa de valores, por exemplo. Os motivos para a reversão nada desejada por Guedes, é claro, são variados. A guerra na Ucrânia e a pandemia de Covid-19 tiveram, sim, papel fundamental, ao causar inflação, para que o Banco Central desse uma guinada dessa magnitude — mas os problemas não se resumem ao cenário internacional.
A atual gestão não conseguiu dar vazão à agenda de reformas e privatizações almejada por Guedes e, recorrentemente, atenta contra princípios básicos para manter um ambiente de negócios saudável — como no calote proposto pela PEC dos Precatórios e as tentativas corriqueiras de atacar a Petrobras. Dessa forma, afasta os investimentos do país, causando insegurança e a alta de dólar, que por sua vez aumenta a inflação. O paraíso dos rentistas está de volta. E promete sombra e água fresca em um país de águas turbulentas.