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Após populismo de Chávez, economia da Venezuela tem futuro sombrio

Pedro Palma, um dos maiores críticos da política econômica chavista, diz que, independentemente do novo presidente, país terá de passar por um duro ajuste

Por Ana Clara Costa
13 jan 2013, 07h39

Ante a hipótese cada vez mais remota de que o caudilho Hugo Chávez leve a termo um novo mandato, o debate sobre quem tomará as rédeas do país mobiliza a população venezuelana. Independentemente de quem suceda Chávez, quer seja o vice-presidente Nicolas Maduro, quer outro político govenista ou da oposição, uma coisa é certa: o novo presidente liderará uma nação com perspectivas sombrias na economia. A avaliação é do economista venezuelano Pedro Palma, PhD em Wharton, a prestigiada Faculdade de Negócios da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos; professor do IESA, renomado centro de formação de executivos da Venezuela; diretor da consultoria econômica Ecoanalítica e ex-vice-presidente da consultoria Booz-Allen em seu país. Palma também é um dos fundadores da Academia Nacional de Estudos Econômicos da Venezuela.

Pedro Palma, economista venezuelano
Pedro Palma, economista venezuelano (VEJA)

Ele faz parte de um círculo restrito de renomados economistas venezuelanos – que inclui nomes como Ricardo Hausmann, de Harvard, e Roberto Rigobon, do MIT – que se opõem abertamente à política chavista. Em artigos e entrevistas, propaga a ideia de que o populismo chavista exterminou o que restava de dinamismo e complexidade na economia local. Em entrevista ao site de VEJA, Palma descreve a situação econômica venezuelana como “nada animadora” e garante que ajustes profundos terão de ser feitos, a começar pela desvalorização do bolívar (a moeda venezuelana), mantido em cotação fixa em relação ao dólar há mais de dez anos.

O que esperar da economia venezuelana, caso Hugo Chávez morra ou se veja incapacitado de continuar governando? Tudo depende de a eleição para presidente acontecer no curto prazo, como todos esperam, ou não. E, acima de tudo, depende de quem ganhar. Se o presidente Hugo Chávez não voltar ao governo, a Constituição prevê novas eleições em trinta dias. O Congresso pode argumentar que não há tempo hábil para eleger um novo presidente em um mês e pode tentar postergar. Mas isso ainda é uma hipótese. Considerando que as eleições ocorram em breve, se o vice de Hugo Chávez, Nicolás Maduro, ganhar, acho difícil que as coisas mudem radicalmente. Ele deve insistir na mesma política populista até o momento em que o estado não aguentar mais. As perspectivas de médio prazo num governo de continuidade do comunismo do século XXI são terríveis. Já Henrique Capriles, candidato da oposição que teve 45% dos votos nas últimas eleições, pode ter alguma chance de fazer as coisas de forma diferente. Mas não acredito que alguma mudança substancial aconteça no curto prazo.

Por quê? O problema na hipótese de uma vitória de Capriles seria de governabilidade? As coisas estão muito complicadas. Não será fácil para Capriles executar ajustes porque a oposição ainda é minoria. O próprio resultado das últimas eleições é um exemplo claro de quanto o país está dividido. Capriles teve 45% dos votos, mesmo com toda a pressão exercida pelos partidários de Chávez; com o exército nas ruas, com a utilização dos recursos do estado para mobilizar eleitores, com todas as ameaças feitas às pessoas de que se não votassem nele lhes seriam tirados benefícios sociais, entre outros absurdos. O fato é que os votos da oposição subiram 50% nessas eleições. Isso mostra que o país quer mudanças. Ainda assim, há outros fatores que devem ser levados em consideração que vão além da vontade do novo presidente.

Quais fatores? Há uma situação adversa na Venezuela que deverá ser enfrentada por qualquer um que chegue ao poder. No médio prazo, se a política populista feita até agora continuar, o futuro do país não é nada animador. O populismo de Chávez dilacerou a economia. A Venezuela está prestes a sofrer um baque recessivo e um aumento muito grande da inflação. E será necessária a desvalorização da moeda, o bolívar. É algo inevitável e que vai causar um choque inicial. A inflação deve chegar a 30% neste ano.

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Por que a desvalorização é necessária? Há dez anos o governo exerce controle cambial. O câmbio fixo é de 4,30 a 5,30 bolívares por dólar, mas essa cotação é irreal, muito acima do que deveria. No mercado negro, um dólar é negociado a 18 bolívares, para se ter ideia. É uma diferença muito grande. O fato é que esse câmbio é insustentável. O estado não vai conseguir bancar essa diferença por muito mais tempo e terá de subir a cotação para algo mais próximo da realidade. Quando isso acontecer, o que deve ser muito em breve, a inflação será diretamente afetada, pois praticamente tudo que é consumido na Venezuela é importado e os preços subirão. E tudo isso independe de quem será o próximo governante.

Uma obsessão de Chávez era reduzir a dependência dos importados americanos. Isso aconteceu? De forma alguma. Atualmente, a Venezuela depende muito mais das importações do que antes de Chávez. A política de desapropriação e de caça à iniciativa privada fez com que os investimentos estacionassem. Os produtores nacionais são completamente desestimulados pelo governo. Eles tampouco podem voltar sua produção ao mercado externo devido à valorização artificial do bolívar, que torna impossível competir no exterior. Todo esse cenário faz com que a dependência do país das receitas do petróleo seja cada vez maior. Com isso, a economia fica muito vulnerável e exposta a turbulências externas, isto é, a situações que estão fora do controle da Venezuela.

Qual é o pior efeito da política econômica implantada por Chávez? Certamente, a inflação, que se mantém acima de 20% ao ano há seis anos consecutivos. Em 2012, por ser ano eleitoral, houve um controle de preços muito severo por parte do governo. Esses controles são insustentáveis e já estão sendo revistos. Se considerarmos a iminência da desvalorização do bolívar, a tendência é que a alta dos preços ultrapasse facilmente a casa dos 30%, pois isso encarecerá os preços dos importados. Por fim, esse cenário terá efeito recessivo na economia já a partir do segundo semestre. Há uma séria possibilidade de contração do PIB no médio prazo.

O endividamento público da Venezuela subiu de 37% para 51% do PIB durante o governo Chávez. Esse aumento compromete a solidez fiscal do país? Na verdade, o endividamento é muito maior do que esse devido, justamente, à cotação irreal do dólar fixada pelo governo. A dívida pública externa oficial está em 107 bilhões de dólares. A ela somam-se outros compromissos do estado, como a dívida da estatal de petróleo, a PDVSA, com fornecedores e sócios e os débitos do governo com empresas expropriadas que estão em processo de arbitragem em Washington. No total, o endividamento chega a 140 bilhões de dólares. Já o PIB é convertido na moeda americana por Caracas utilizando a cotação fixa de 4,30 bolívares por dólar. Com base nessa cotação, o PIB fica em cerca de 330 bilhões de dólares, o que faz com que o endividamento pareça próximo de 50% do PIB. No entanto, se o PIB fosse convertido de maneira mais realista para o dólar, com uma cotação em torno de 9 bolívares, seu valor passaria a mais de 170 bilhões de dólares. Com isso, o endividamento público ficaria próximo de 100% do PIB.

Vislumbra-se a possibilidade de um calote nos próximos anos? Não no curto prazo. O país continua a ser um bom destino de investimentos porque tem receita oriunda do petróleo. O preço do barril fechou 2012 na máxima histórica. Então, a Venezuela continuará a contar com um fluxo importante de divisas. Mas se o processo de endividamento prosseguir no ritmo acelerado que está, e com governantes insensatos, não há como garantir que todos os compromissos sejam pagos dentro de alguns anos. Aí sim pode haver um default.

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Até quando a Venezuela dependerá do petróleo? A quantidade de petróleo nas reservas da Venezuela é incomparável. Se nos próximos 200 anos o preço do barril continuar subindo, a Venezuela seguirá exportando. O problema é como explorar isso de forma eficiente. Atualmente, o país produz menos de 3 milhões de barris por dia. Esse número é inferior ao de 2007 e é a metade do que a PDVSA havia projetado produzir, cerca de 6 milhões de barris por dia. A estatal anunciou que em 2018 produzirá 5,8 milhões de barris por dia. Para isso, terá de investir 206 bilhões de dólares nos próximos anos. É uma fantasia que não vai se concretizar.

Por quê? Porque a PDVSA está submetida a um processo constante de saque por parte do governo. A empresa já repassou mais de 100 bilhões de dólares a um fundo estatal administrado pela presidência e ninguém sabe para onde vai esse dinheiro. Além disso, o Banco Central é obrigado a injetar dinheiro das reservas internacionais na companhia para compensar esses saques. O BC transformou-se no principal financiador da PDVSA, e isso é surreal. Como ela vai ter mais de 200 bilhões de dólares para investir? Não vai. A situação é gravíssima porque todos sabem que retirar dinheiro das reservas para cobrir gastos estatais põe qualquer país no caminho de uma inflação galopante como aquela que atingiu o continente, inclusive o Brasil, nos anos 1970. Foi justamente o financiamento do gasto público por parte do BC. E a Venezuela está entrando nesse processo.

Os programas sociais são a grande marca do chavismo. E Capriles já afirmou, em campanha, que não acabaria com eles. É possível conciliar o ajuste nas contas públicas com a continuidade desses gastos? Os programas sociais que Chávez implantou guardam muitas diferenças entre si. Uns foram eficientes, outros foram extremamente ineficientes e discriminatórios. Os cidadãos que não apoiam o presidente não recebem nada: nem casa, nem ajuda. Não é possível levar programas dessa forma. Mas isso não significa que eles devem ser extintos – e sim geridos de uma forma mais eficiente. O governo se gaba de ter gasto, nos últimos quatorze anos, 500 bilhões de dólares em investimentos sociais. A cifra é exagerada. Se olharmos detidamente para ela, verificamos que há enorme corrupção. Não se sabe ainda quanto dinheiro foi desviado a outros países, como a Nicarágua, a Bolívia, países do Caribe e Cuba. Logo, se a gestão for honesta, esses programas podem custar muito menos para o estado do que atualmente custam.

Independentemente de quem esteja na presidência, os programas devem continuar por seu efeito sobre a pobreza? O efeito sobre a pobreza tem nuances. O governo devota a esses programas a maior parte da propaganda oficial e tem neles um de seus alicerces. Na verdade, são medidas que funcionam como doações, presentes, ajudas, bolsas, etc. Esses projetos sociais têm impacto importante na vida das pessoas porque representam um alívio. Elas mitigam a miséria. Porém, não estão orientadas a solucionar as causas da pobreza. Se o governo não se interessa em melhorar, de fato, a vida das pessoas por meio da educação, pela formação de capital humano sólido, esses programas acabam se tornando ineficazes. Por outro lado, se trabalhados e modificados, eles podem se tornar um grande veículo de desenvolvimento.

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