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A tortura dos números em relação ao anúncio do PIB trimestral

Depois de divulgação de queda de 0,1% do PIB no segundo trimestre, secretaria seleciona os números para mostrar que o país está no rumo certo

Por Victor Irajá Atualizado em 1 set 2021, 14h30 - Publicado em 1 set 2021, 14h28

A Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia, a SPE, contemplou um exercício argumentativo para esconder os piores aspectos do resultado da atividade econômica do segundo trimestre, divulgado nesta quarta-feira, 1º. A secretaria fez circular uma nota informativa sobre os dados do Produto Interno Bruto, o PIB, de 0,1% de queda nos meses de abril, maio e junho em relação aos três meses anteriores. “Em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, o PIB cresceu 12,4%, mostrando recuperação em relação ao vale da crise de 2020”, exercita a SPE. “Constata-se que o Brasil tem recuperado a atividade econômica de forma mais rápida do que outros países. Na amostra de mais de 30 países e grupos da OCDE que já divulgaram seus resultados trimestrais, o Brasil apresentou desempenho do PIB acima da média no resultado interanual e no acumulado em quatro trimestres”, continua.

Essa base de comparação contrasta com os resultados mais recentes. Os Estados Unidos registraram um aumento de 1,6% no segundo trimestre, enquanto o Chile cravou um resultado positivo de 1%. Portugal e Reino Unido gozaram de uma recuperação de 4,9% e 4,8%, respectivamente, segundo dados da própria Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE. “O resultado negativo ocorreu no trimestre em que houve o maior número de mortes por Covid e com efeitos setoriais relevantes. Porém, mais relevante do que observar o número do crescimento, é analisar a sua qualidade. Importantes reformas pró-mercado e medidas de consolidação fiscal estão sendo aprovadas, lançando as bases para o crescimento sustentável do país no longo prazo”, aponta a nota. Não é bem assim. O pico de mortes e casos ocorreu em março, portanto, antes dos registros do segundo trimestre mapeados pelo Ministério da Economia — e, coincidentemente, baseados em dados minguados pelo pior momento da pandemia do país. 

A nota continua com uma verdade: “Os principais fatores positivos para atividade no segundo semestre de 2021 são: maior crescimento global; investimento financiado pelo setor privado; aumento da taxa de poupança; mercado de crédito e de capitais em expansão e a recuperação do emprego formal e informal com a vacinação em massa. Os principais riscos são: a não continuidade da consolidação fiscal, recrudescimento da pandemia e risco hídrico”. Por que, então, o país não registrou melhora de cenário? Os fatores são alguns, a começar por uma aceleração no começo do ano que não foi possível de ser mantida. Além disso, há as reiteradas investidas do presidente Jair Bolsonaro em um cenário de caos e instabilidade institucional, o que afasta investimentos do país. Em segundo lugar e com grande influência, existem os impactos da inflação galopante e da incerteza dos mercados globais em relação ao país. Como aponta o próprio ministério sem justificá-lo, o recuo dos investimentos foi de 3,6% no segundo trimestre ante os três meses anteriores.

“Para garantir a continuidade da retomada econômica sustentável no longo prazo, é fundamental avançar no processo de consolidação fiscal e reformas pró-mercado. Entre os benefícios trazidos por esta agenda econômica à população, mencionam-se: sólidos fundamentos macroeconômicos do país, taxa de juros estrutural mais baixa, aumento de produtividade, segurança jurídica, melhor ambiente de negócios, aumento do investimento, mais emprego e renda para famílias brasileiras”, continua a publicação. Perfeito, não fosse a estagnação do próprio governo em articular-se para fomentar uma agenda construtiva. A reforma tributária que trata da unificação de impostos segue parada na Câmara e o Ministério da Economia insiste em uma reforma do Imposto de Renda intragável pelo setor produtivo, em vez de apostar em uma proposta mais ampla. A reforma administrativa foi esvaziada.

A SPE destaca como positivo o crescimento de 0,7% do setor de serviços ante o trimestre anterior, “reflexo do crescimento de informação e comunicação e outros serviços, além da recuperação do comércio”. Houve queda na agropecuária, de 2,8%, devido a problemas climáticos (como a estiagem negada até esta semana), e na indústria, de 0,2%, explicada em parte por escassez de insumos, em especial no ramo automobilístico, segundo o governo. Esta, vale lembrar, é a mesma secretaria que não consultou o Ministério da Saúde para cravar suas previsões de crescimento econômico neste ano. Com os dados divulgados hoje, porém, a Economia recuou das previsões de crescimento de 5,3% para este ano. Fala, agora, em “mais de 5%”. O mercado, por sua vez, vem recuando semanalmente suas previsões para o crescimento do PIB neste ano. Para um governo que não demonstra muita afeição a números e fatos que espelhem a realidade, tudo parece estar bem. “É preciso ser um realista para descobrir a realidade. É preciso ser um romântico para criá-la”, escreveu o romancista português Fernando Pessoa (1888-1935). O ministério está mais para romântico do que para realista. 

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