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A quixotesca missão do próximo diretor-geral da OMC

O brasileiro Roberto Azevêdo disputa com o mexicano Herminio Blanco o cargo que vai definir como será a relação comercial no mundo nos próximos anos

Por Naiara Infante Bertão
7 Maio 2013, 09h38

Nas próximas horas, o novo diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC) será um latino-americano – a primeira vez na história dessa organização internacional, criada em 1962 – mas que só adquiriu o nome e formato atuais em 1995. Nos últimos quatro meses, o brasileiro Roberto Azevêdo e o mexicano Herminio Blanco viveram uma intensa campanha e deixaram para trás sete candidatos na disputa pelos votos dos 159 países-membros. Independentemente de quem saia vencedor, a missão nos próximos anos será quixotesca e, quem sabe, histórica: conseguir um acordo multilateral de liberalização do comércio, depois do fracasso da rodada de negociações de 2008.

A meta do acordo multilateral tem algo de quixotesca porque requer consenso pleno entre os países-membros numa situação de enorme desencontro de interesses: os emergentes querem trânsito livre para suas commodities e o fim de subsídios agrícolas em países ricos; nações industrializadas querem o fim de barreiras para a exportação de seus produtos – e ninguém está em posição de impor sua vontade. O veto de um ��nico membro condena as negociações ao fracasso: eis o gigantesco desafio para o sucessor do francês Pascal Lamy à frente da OMC.

Os dois candidatos, obviamente, pretendem que a OMC seja protagonista no processo de liberalização mundial do comércio. Mas há diferenças significativas entre eles. Blanco ajudou o México a formular seus mais importantes acordos bilaterais. Ele afirmou à revista The Economist que os blocos e os acordos econômicos, como a Parceria Transpacífico, podem ajudar a OMC a traçar um caminho natural rumo à liberalização. Azevêdo está enfronhado na burocracia da OMC desde 2008, quando foi nomeado embaixador do Brasil no órgão, e disse à mesma Economist que os acordos isolados entre países não podem ser o principal motor da liberalização e deveriam submeter-se à lógica do multilateralismo. Isso está em consonância com a estratégia brasileira da ultima década, que apostou todas as fichas nas negociações da OMC e não costurou nenhum acordo importante de livre-comércio de âmbito mais limitado.

Azevêdo parece mais próximo da vitória. Segundo o porta-voz do Itamaraty, embaixador Tovar Nunes, ele teria o apoio de 106 dos 159 países. Se Azevêdo for mesmo o vencedor, naturalmente será desejada a ele boa sorte. No entanto, será preciso ficar alerta para o uso político de sua eleição na OMC pelo governo brasileiro.

A escolha de Azevêdo quase certamente será usada para legitimar novamente a aposta exclusiva do Brasil no multilateralismo, que ganhou tintas ideológicas com a chegada do PT ao poder e não trouxe ganhos pragmáticos ao comercio do país. Pior ainda, a eleição de Azevêdo pode ser usada como endosso para as práticas protecionistas adotadas mais recentemente, no governo Dilma.

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Barreira – Dados da Organização Mundial do Comércio (OMC) do ano passado mostram que praticamente triplicou o número de reclamações dos países-membros contra medidas protecionistas de outros países. Foram 23 em 2012 contra oito no ano anterior. O Brasil, apesar de não ter sido alvo de nenhuma acusação formal de protecionismo, vem adotando, na visão de especialistas, uma postura cada vez mais fechada no mercado nacional – ainda que sem ferir as normas estabelecidas pelo órgão internacional (confira abaixo as regras da OMC). A elevação das taxas de importação e a criação de programas para dar privilégios à produção nacional são alguns exemplos de atitudes contrárias à liberalização.

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Os acordos bilaterais foram praticamente deixados de lado pelo Brasil, que atua por meio do Mercosul. Em seus 22 anos, o grupo de países sul-americanos formado por Paraguai (que está suspenso), Uruguai, Argentina, Venezuela e Brasil, só assinou três acordos, com Israel, Palestina e Egito. Hoje os Estados Unidos possuem quatorze acordos de livre comércio em vigor e estão com duas grandes negociações em curso, a exemplo da promessa de formar a maior zona de livre-comércio do planeta com a União Europeia.

De acordo com a própria OMC, até janeiro deste ano, 546 acordos bilaterais ou regionais haviam sido assinados, contando mercadorias e serviços separadamente. É evidente que a propagação do comércio bilateral se deu especialmente pelo fracasso das negociações da OMC na Rodada Doha, em 2008, que pretendiam derrubar barreiras ao comércio global, principalmente na área agrícola – que tem forte oposição dos países industrializados.

Currículos – Herminio Blanco conquistou notoriedade ao ser o principal negociador do México no Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta). O mexicano participou ainda das negociações dos tratados de livre-comércio de seu país com a União Europeia, dez países latino-americanos, Japão e Israel. Atualmente ele trabalha no setor privado.

Já o candidato brasileiro, de 55 anos, traçou um currículo diplomático no Brasil e no exterior. Começou a carreira no Itamaraty em 1984, participou em 2001 da criação da Coordenadoria Geral de Contenciosos do Ministério das Relações Exteriores, que dirigiu por quatro anos. Em 2005, ele se tornou o chefe do departamento econômico do ministério e, de 2006 a 2008, foi subsecretário geral de assuntos econômicos.

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Desde 2008 representa o Brasil na OMC e foi chefe de delegação em litígios importantes vencidos pelo país na organização, como nos casos dos subsídios ao algodão contra os Estados Unidos e ao açúcar contra a União Europeia. Ele participou de quase todas as conferências ministeriais desde o lançamento, em 2001, das negociações de Doha sobre a liberalização do comércio mundial e se apresenta como um conhecedor-nato dos processos da organização, além de ter um bom trânsito entre os países-membros.

Nesta terça-feira, os membros vão decidir a direção do comércio mundial. Mas o nome do sucessor de Lamy só será oficialmente confirmado na quarta-feira.

O protecionismo e a OMC

Para os especialistas, podem ser consideradas protecionistas quaisquer medidas que favorecem as atividades nacionais em detrimento da concorrência estrangeira. O oposto desta doutrina é o livre-comércio. Já a Organização Mundial do Comércio (OMC) limita-se a classificar como protecionista toda situação em que um país fere as regras de comércio internacional, levantando barreiras à entrada de produtos. Estas podem ser divididas em dois grandes grupos: tarifárias e não-tarifárias.

Tarifárias: Dizem respeito à imposição de alíquotas de importação. Cada país acorda individualmente com a OMC um porcentual-teto que poderá cobrar quando produtos estrangeiros entrarem em seu mercado. No caso brasileiro, essa alíquota de importação é de até 35% na maioria dos casos – há exceções para alguns produtos. Os países são livres, porém, para fazer acordos comerciais (a exemplo do Mercosul) em que privilegiam parceiros com tarifas menores.

Não-tarifárias: Referem-se a todas as restrições à entrada de mercadorias importadas por meio de exigências técnicas, sanitárias, ambientais, laborais, e de restrição de quantidade (cotas).

Além disso, um país é considerado protecionista quando:

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– Discrimina uma nação (com exceção dos acordos comerciais já firmados entre países). Não é considerado protecionismo, porém, quando as medidas impostas pelo país são feitas para compensar práticas desleais de comércio, como o dumping, por exemplo – situação em que a empresa de determinada nação vende produtos no exterior a preços menores que no mercado local.

– Discrimina a comercialização de produtos importados, impedindo, por exemplo, que sejam livremente transacionados no país.

– Limita a transparência das informações sobre suas políticas comerciais e industriais.

– A OMC não tem regras claras sobre a manipulação do câmbio.

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