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A mensagem insalubre da Copa do Mundo

Pesquisadores afirmam que é responsabilidade da FIFA assegurar que os espectadores do torneio não recebam mensagens que sejam prejudiciais à saúde

Por Kent Buse e Sarah Hawkes
27 jun 2014, 07h47

Um bilhão de pessoas assistiram à cerimônia de abertura da Copa do Mundo da FIFA em São Paulo, no Brasil, e centenas de milhões mais sintonizarão em algum momento durante o torneio de um mês de duração. Para seis parceiros principais da FIFA e oito patrocinadores oficiais do evento, esse público é nada menos que uma mina de ouro. Na verdade, essas empresas pagam dezenas de milhões de dólares na esperança de que um pouco da magia do “jogo bonito” caia em suas marcas – algo que é perfeitamente plausível. Para os espectadores, no entanto, isso pode ser prejudicial.

Ao menos para um dos parceiros da FIFA, a cervejaria Budweiser, o pontapé inicial não ocorreu sem controvérsias. A empresa foi acusada de pressionar o governo brasileiro a derrubar uma lei nacional que proíbe a venda de álcool dentro de estádios de futebol. Apesar da oposição generalizada à revogação da lei, a FIFA foi categórica: “as bebidas alcoólicas fazem parte da Copa do Mundo da FIFA, então nós vamos tê-las.”

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Empresas patrocinadoras como a Budweiser, McDonald’s, Coca-Cola e o gigante dos pratos prontos Moy Park trazem milhões de dólares para o jogo. Mas que mensagens são transmitida ao público de todo o mundo? Promover o consumo de bebidas alcoólicas, refrigerantes e fast-food pode significar enormes lucros para as corporações, mas também pode significar um impacto negativo na saúde dos indivíduos e pode se tornar um fardo dispendioso aos sistemas de saúde pública desses países.

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Ao invés de focar exclusivamente no potencial de violência associada ao consumo de álcool dentro de estádios, a mídia deveria também ressaltar as consequência do consumo de álcool e alimentos processados à população mundial todos os dias. O consumo desses produtos continua aumentando – o que se deve em boa parte às campanhas publicitárias às que se gastam bilhões de dólares em todo o mundo. Na última década, a venda global de refrigerante duplicou; e o consumo de álcool e tabaco per capita aumentou. Para piorar, a maior parte desse crescimento está ocorrendo em países de baixa e média renda, que são os menos preparados para lidar com a crise sanitária que se acerca.

Um dos fatores subjacentes a tais ameaças para a saúde pública é o modo tradicional de classificar as enfermidades. Especialistas em saúde costumam separar as doenças em duas grandes categorias: doenças transmissíveis (as que são causadas predominantemente por infecção) e as doenças não transmissíveis (DNT) – ou seja, todas as demais.

Entre as doenças não transmissíveis, quatro são as que mais causam morte prematura ou invalidez: as doenças cardiovasculares, as doenças pulmonares crônicas, o câncer e o diabetes. Em 2010, essas quatro doenças causaram 47% de todas as mortes, incluindo nove milhões de mortes em pessoas abaixo dos 60 anos de idade.

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Os principais fatores de risco para o desenvolvimento dessas patologias – tabagismo, consumo excessivo de álcool, excesso de peso e sedentarismo – estão relacionados a comportamentos insalubres profundamente arraigados. Precisamente porque esses comportamentos são incentivados por empresas tais como as que patrocinam a Copa do Mundo, talvez fosse melhor que se criasse uma classificação mais apropriada para essas doenças: pestilentia lucro causa (PLC), ou seja, “patologia induzida pelo lucro.”

O consumo excessivo de álcool, tabaco e alimentos processados hipercalóricos é muitas vezes apresentado como “escolhas” de estilo de vida, mas os determinantes de tais escolhas geralmente escapam do controle imediato das pessoas. As fortes associações entre as PLC, por exemplo, a pobreza ou gênero, sugerem que as forças sociais mais amplas exercem considerável pressão sobre os comportamentos individuais que afetam a saúde.

Para fazer frente à PLC, é preciso desenvolver novas abordagens em matéria de saúde pública e às organizações encarregadas de protegê-las. O sistema atual não permite às Organizações das Nações Unidas, nem a outros organismos técnicos relacionados com a política sanitária, que consigam enfrentar eficazmente os determinantes das condutas insalubres. As grandes corporações têm recursos, poder lobista, incluindo orçamentos de publicidade, redes e cadeiras de suprimento, os quais a ONU só pode sonhar. E enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) é mantida com dois bilhões de dólares por ano, a indústria do tabaco embolsa 35 bilhões de dólares em lucros anuais.

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Que medidas podem ser tomadas para nivelar o campo de jogo? Como qualquer comentarista de futebol diria, o sucesso depende do trabalho em equipe. Primeiro e acima de tudo, os consumidores devem ser melhor informados sobre o impacto a longo prazo dos produtos dos patrocinadores. Afinal de contas, a maneira mais eficaz de obrigar as empresas a mudar é boicotando os seus produtos. Quando as pessoas se fazem ouvir – digamos, para a proibição de publicidade de produtos substitutos do leite materno ou para exigir o acesso aos fármacos que poderiam salvar vidas – as grandes corporações muitas vezes escutam.

Em segundo lugar, os políticos devem ser realistas. Enquanto o otimismo é certamente possível em relação aos avanços tecnológicos, que contribuem para o controle dos custos de tratamentos de saúde, é um fato que o tratamento de uma parte crescente da população mundial simplesmente não é viável. Com efeito, o Fórum Econômico Mundial estima que as quatro principais PLC custarão à economia global 3,75 trilhões em 2010, bem mais de metade do que foi gasto em cuidados médicos. Neste contexto, as estratégias de prevenção são de vital importância.

Em terceiro lugar, as empresas também desempenham um papel decisivo. Conter as PLC, além de ser um aspecto fundamental de responsabilidade social corporativa- e assim garantir a saúde e a produtividade das gerações atuais e futuras -, é também interesse das próprias empresas. Os compromissos voluntários que a indústria de alimentação assumiu para limitar o açúcar em refrigerantes e reduzir os níveis de sal em alimentos processados é um passo positivo; mas estão longe de ser suficientes.

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Finalmente, cada equipe para ter sucesso precisa de um treinador forte. Na batalha contra as PLC, as autoridades reguladoras nacionais e internacionais devem cumprir o seu papel, definindo e aplicando as regras do jogo para proteger a saúde da população do planeta.

A Copa do Mundo tem um enorme impacto social, inclusive sobre a saúde global. É de responsabilidade da FIFA assegurar que os espectadores do torneio não recebam mensagens que sejam prejudiciais à saúde.

Kent Buse é o chefe para Assuntos Internacionais e Estratégia da Programa das Nações Unidas sobre HIV/AIDS. Sarah Hawkes é bolsista sênior no Instituto de Saúde Global da University College London.

(Tradução: Roseli Honório)

© Project Syndicate, 2014

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