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‘A globalização é positiva, mas precisa ser governada’

Para o autor do livro 'A Humanidade contra as cordas', um Estado capaz de induzir comportamentos de empresas e regular o mercado financeiro é a saída para evitar crises econômicas e ambientais

Por Talita Fernandes
25 Maio 2014, 15h04

A crise financeira de 2008 acendeu o alerta. Diante das enormes perdas dos mercados globais, do fechamento de bancos e da falência de empresas, Estados e companhias privadas intensificaram o debate sobre o modelo de sustentabilidade da sociedade atual. Há seis anos o rescaldo não consegue ser apagado e poucos teóricos enxergam um novo ciclo de crescimento e bonança. Diante dessas incertezas, o advogado Eduardo Felipe Matias escreveu o livro A Humanidade contra as Cordas (2014, Grupo Editorial Record/Editora Paz e Terra, 378 páginas), recém-lançado em São Paulo. A escolha do título tem origem no boxe. Para Matias, a situação atual da humanidade é semelhante à de um lutador que está nas cordas do ringue enfrentando dois adversários impiedosos: as crises financeira e ambiental. Em entrevista ao site de VEJA, o vencedor do prêmio Jabuti de 2006 pelo título A Humanidade e suas Fronteiras: do Estado soberano à sociedade global explica por que essas crises são semelhantes e apresenta algumas saídas para a construção de um novo cenário que possa tirar a humanidade das cordas. Não será fácil, mas ele mostra como evitar o nocaute em trechos da entrevista:

O novo livro do senhor fala em A Humanidade contra as Cordas. Mas ela está mesmo contra as cordas?

Eu escolhi essa imagem, que é uma alusão ao boxe, para explicar que estamos em uma situação difícil, da qual não é simples sair. Essa situação é formada pelas crises financeiras que acontecem com frequência, como a de 1997 ou 2008. Além disso, vivemos uma crise ambiental. Essas duas crises resultam da nossa própria forma de organização da sociedade e da economia. Existe uma pressão muito grande devido à escassez de recursos e à mudança climática. As duas crises resultam de incentivos perversos que nos levam a agir no curto prazo. Nós temos incentivos para tentar colher frutos imediatos independentemente dos frutos que vamos ter no futuro. E é esse comportamento que leva a crises frequentes.

Qual é a chance de a sociedade ser nocauteada?

O nocaute é uma possibilidade, porque pouco estamos fazendo para combater a causa das crises. Essa mentalidade predatória, que afeta a sustentabilidade tanto dos negócios como do ambiente, é o que nos levou a estar contra as cordas. Sem alterar esses incentivos, não conseguiremos promover uma modificação profunda. Não conseguiremos transformar, por exemplo, o DNA das empresas, que tendem a repassar para a sociedade os custos socioambientais de suas atividades. Isso só deixará de ocorrer quando os sinais corretos forem transmitidos ao mercado, por meio de regulações e incentivos que beneficiem posturas mais sustentáveis, punindo aqueles que não as adotarem, como a atribuição de um preço às emissões de gases de efeito estufa, o que estimularia uma economia de baixo carbono.

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Como mudar essa mentalidade da sociedade?

No livro eu uso a imagem do círculo virtuoso da sustentabilidade. Não existe um único ator que vai fazer com que a gente mude de postura. Para isso é necessário o envolvimento de todos. Com a globalização temos as empresas transnacionais, as organizações não governamentais e as organizações internacionais. São uma série de atores que até há algum tempo não tinham muita relevância. Para reverter o atual quadro de sustentabilidade é, de fato, necessário acionar esses diversos atores. É preciso colocar esse círculo virtuoso em movimento.

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Qual é o papel do Estado?

Para acelerar esse círculo virtuoso, e fazer com que mais empresas se preocupem com esse processo, é necessário que o Estado tenha um papel indutor e regulador. Existem duas formas de convencer as empresas a promoverem a sustentabilidade. Uma é pressioná-las diretamente por meio da regulação e mostrar que os recursos estão se tornando mais escassos e que, por isso, elas precisam ser mais eco eficientes. Outra é persuadir as empresas mostrando que existem diversas vantagens em ser sustentável, como a redução de riscos para evitar grandes litígios.

Mas um Estado mais participativo não é prejudicial à economia de mercado?

A crise financeira internacional de 2008 foi uma crise da globalização. Ela desacreditou os que defendem a desregulamentação e a liberalização desenfreadas. O fato de que alguns países que não seguiram essa receita à risca tenham sofrido menos com a crise do que outros que apostaram nessa fórmula mostra que essa narrativa simplista estava errada. A globalização é, sim, positiva, mas ela precisa ser governada. E os Estados têm um papel nessa governança, como ficou claro quando se precisou apelar a eles para resgatar as instituições financeiras e empresas à beira da quebra. Não se trata, aqui, do Estado empresário, mas do Estado capaz de induzir comportamentos por meio de incentivos, impedindo que novas crises aconteçam. A economia de mercado tem um papel fundamental, não só na geração de riqueza, mas também por permitir que o empreendedorismo encontre soluções, inclusive às de caráter tecnológico necessárias para deter a crise ambiental. Mas a crise financeira de 2008 – como tantas outras que a precederam – foi causada por incentivos perversos, que podem ser revertidos por meio da regulação adequada. E esse é um papel do Estado.

A globalização é compatível com a sustentabilidade?

A questão mais relevante envolvendo a globalização é que ela é atrelada ao aumento do consumo e, nesse aspecto, ela parece nociva à sustentabilidade. Mas o que não se pode deixar de lado é que a globalização pode ser uma arma a favor da sustentabilidade.

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Como evitar que a busca pela sustentabilidade prejudique o crescimento dos países?

Existe hoje um dilema do crescimento, principalmente para o Brasil e os emergentes, mas não podemos obrigar esses países a não se desenvolver. As pessoas que vivem nesses países querem ter suas geladeiras, seus automóveis. Não podemos chegar para essas pessoas e dizer que elas não podem consumir porque já se chegou aos limites planetários. Existe um dilema moral com essas pessoas, mas esses países começam a se tornar grandes emissores. Não é fácil impedir que esses países continuem crescendo. Mas se eles não controlarem ou não mudarem o perfil desse crescimento para uma forma mais verde não será possível deter a mudança climática.

Limitar o crescimento desses países é uma saída menos complicada?

Impedi-los de crescer é injusto, e permitir que continuem crescendo de forma desmesurada será ruim para todos. Como esse dilema é quase impossível de se contornar, será preciso investir muito em inovação, procurando tecnologias mais verdes para minimizar os danos sofridos. Porém, certamente haverá danos. Sairemos pelo menos um pouco machucados dessa briga. Mas agir de forma rápida e inteligente pode impedir que soframos um nocaute.

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