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A destruição criativa no trabalho

Para o historiador Carl Benedikt Frey, governos devem investir em novas formas de trabalho, e não estimular setores que geram empregos do passado

Por Carl Benedikt Frey
3 ago 2014, 20h37

Em vez de tentar preservar o passado apoiando os setores industriais obsoletos, as autoridades deveriam centrar-se na gestão da transição para novas formas de trabalho

Ao longo da história, o avanço tecnológico tem criado enorme riqueza, mas também tem causado grandes agitações. A indústria siderúrgica dos Estados Unidos, por exemplo, sofreu uma importante transformação na década de 1960, quando as grandes siderúrgicas foram gradualmente substituídas pelas chamadas miniusinas, destruindo a base econômica existente em cidades como Pittsburgh, na Pensilvânia, e Youngstown, em Ohio. As miniusinas, no entanto, aumentaram substancialmente a produtividade e criaram novas ocupações em outras zonas.

A história do aço norte-americano ilustra uma lição importante sobre o que o economista Joseph Schumpeter chamou de ‘destruição criativa’: o crescimento econômico de longo prazo depende de muito mais fatores do que um simples aumento na produção das indústrias existentes; implica também em mudanças estruturais no mercado de trabalho.

Um fenômeno similar pode ser visto na revolução atual, no setor de tecnologia da informação (TI), que afeta a maioria dos empregos modernos, inclusive aqueles que não estão diretamente relacionados com a programação de computadores ou de engenharia de software. As tecnologias criaram novos negócios promissores (inclusive clusters empresariais) reduzindo a demanda de força de trabalho industrial, causando um declínio em cidades com grande dependência do trabalho na indústria.

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No entanto, cidades como Detroit (nos EUA), Lille (na França), ou Leeds (na Grã-Bretanha) não sofreram uma queda de sua produção industrial. Ao contrário, a produção aumentou ao longo da última década. Seu declínio decorre diretamente de sua incapacidade de atrair diferentes tipos de postos de trabalho. Em grande medida se trata de um fracasso da política, pois em vez de tentar preservar o passado apoiando os setores industriais obsoletos, as autoridades deveriam centrar-se na gestão da transição para novas formas de trabalho, o que requer uma melhor compreensão das tecnologias emergentes e que diferem daquelas que estão sendo substituídas.

Uma característica importante das primeiras tecnologias da Revolução Industrial foi que elas substituíram, em geral, hábeis artesãos e, por sua vez, aumentaram a demanda por operários não qualificados. De forma similar, a linha de montagem para a produção de automóveis de Henry Ford – lançada em 1913 – foi projetada especificamente para que os trabalhadores não qualificados operassem máquinas, permitindo assim que a empresa produzisse o seu popular modelo T, o primeiro carro que os norte-americanos de classe média poderiam pagar.

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De fato, grande parte da história do desenvolvimento industrial ao longo do último século pode ser interpretada em termos de concorrência entre uma força de trabalho cada vez mais qualificada e novas tecnologias, que não exigem habilidades a suas qualificações. Já vimos o impacto – em especial na indústria automotiva – da implementação de robôs capazes de executar uma sequência de operações que antes eram realizadas por milhares de trabalhadores de linha de montagem com renda mediana.

No futuro, esperamos maiores mudanças nos locais de trabalho. Embora a história nos aconselhe a ter cautela na previsão do progresso tecnológico, já temos uma boa ideia de como os computadores funcionarão num futuro próximo, porque as tecnologias já estão aqui. Sabemos, por exemplo, que complexos algoritmos e “big data” podem simplificar uma ampla gama de negócios.

A plataforma Symantec Clearwell eDiscovery é um exemplo frequentemente citado deste processo. Esse é um software que usa análise linguística para identificar conceitos comuns em documentos, permitindo analisar e classificar mais de 570.000 documentos em apenas dois dias. A Clearwell já está transformando a profissão na área legal, com o uso de computadores para pesquisas mais rápidas antes do julgamento e a realização de tarefas que normalmente são realizadas por uma equipe de suporte legal – e, até mesmo, por advogados ou escritórios de advocacia especializados em direito de patentes.

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Da mesma forma, o processo tecnológico levará à automação total um grande número de postos de trabalho em transporte e logística. Portanto, não é utópico imaginar que um dia o uso de carros autodirigíveis, como o que o Google apresentou há pouco, elimine postos de trabalho de taxistas e motoristas de ônibus. Inclusive, é possível que as ocupações sem necessidade de grandes qualificações, como o serviço doméstico, não escapem à automação. Por exemplo, a demanda por robôs para uso pessoal e doméstico cresce 20% a cada ano.

Os mercados de trabalho entram em uma nova era de variação tecnológica e aumento da desigualdade salarial, o que levanta uma questão mais ampla: “em que áreas serão criados novos postos de trabalho?” Já há sinais do que se espera para o futuro. Os avanços tecnológicos estão gerando demanda de arquitetos e analistas para alto volume de dados, para a área de computação em nuvem, desenvolvedores de software, bem como profissionais da área de marketing digital – ocupações que existem há somente cinco anos.

A Finlândia dá lições valiosas sobre a maneira como as cidades e os países deveriam adaptar-se a essas mudanças. Sua economia sofreu dificuldades, já que a Nokia, a maior empresa daquele país, não conseguiu adaptar-se às tecnologias de telefonia inteligentes. Não obstante, várias startups foram criadas em torno de plataformas para telefones inteligentes. Na verdade, já em 2011, os ex-funcionários da Nokia criaram 220 empresas desse tipo e muitas delas fazem parte da Rovio, que já vendeu mais de 12 milhões de cópias de “Angry Birds”, seu famoso jogo para telefones inteligentes.

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Essa transformação não é uma coincidência. O investimento intensivo da Finlândia em educação criou uma força de trabalho viável. Ao investir em habilidades de ampla utilização, não limitadas a empresas específicas ou indústrias, ou suscetíveis à informatização, a Finlândia está dando um exemplo de como adaptar-se às mudanças tecnológicas.

Apesar da ampliação de tecnologias de processamento de dados, estudos indicam que a força de trabalho continuará tendo uma vantagem comparativa em termos de inteligência social e criatividade. As estratégias governamentais devem, portanto, dar prioridade no desenvolvimento dessas habilidades, de maneira a complementar tecnologias em vez de competir com elas.

Carl Benedikt Frey é um pesquisador da Oxford Martin School, da Universidade de Oxford, e doutor em História da Economia na Universidade Lund

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(Tradução: Roseli Honório)

© Project Syndicate 2014

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