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A Defesa nas mãos da Odebrecht e Embraer

Empresas querem consolidar setor que definha por falta de recursos

Por Ana Clara Costa
11 ago 2011, 07h48

A defesa brasileira é uma indústria de promessas. Em 2008, o ex-presidente Lula decidiu impulsionar o moribundo setor com a divulgação da Estratégia Nacional de Defesa (END) – um plano de intenções para aperfeiçoamento da área nas esferas militares e civis. De lá para cá, muita expectativa tem sido criada em torno de seu desenvolvimento, mas pouco saiu do papel. Diante de um corte de orçamento que remonta a 4 bilhões de reais neste ano e uma turbulência política que derrubou seu ministro, Nelson Jobim, o Ministério da Defesa vem tentando sair da inércia. Os submarinos Scopérne, que começaram a ser construídos em julho, estão entre os poucos projetos em andamento. Ainda assim, a consultoria KPMG estima que o segmento deverá receber 150 bilhões de reais em investimentos até 2030. Em meio a este cenário incerto, duas empresas brasileiras, a Odebrecht e a Embraer, prometem trazer um pouco de movimentação a esse segmento, liderando um processo de consolidação que visa formar dois gigantes à espera de gordos contratos junto ao governo.

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A estimativa de atração de investimentos na indústria de defesa nos próximos vinte anos é significativa em termos absolutos, mas o valor mostra-se baixo quando se levam em conta os enormes desafios de segurança e vigilância de fronteiras de um país continental como o Brasil. Em 2010, o país ficou em 11º no ranking de despesas militares, com gastos de 60 bilhões de reais, de acordo com o Stockholm International Peace Research Institute (Sipri), principal banco de dados do setor. Três quartos desse valor, no entanto, foram alocados para cobrir a folha de pagamentos – e menos de 10% foi utilizado para investir.

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Em 2010, a indústria da defesa movimentou 1,6 trilhão de dólares mundialmente. Segundo o Sipri, os Estados Unidos dominam 43% desse mercado, enquanto o segundo colocado é a China, que gastou 210 bilhões de dólares com o setor no ano passado – o equivalente a menos de um terço dos gastos do líder do ranking. A lista também conta com potências como Inglaterra, França e Rússia. A Índia consta em nono lugar, acima do Brasil, com despesas de 116 bilhões de dólares. Desta forma, além de serem economias emergentes, todos os países do BRIC estão representados entre os 11 maiores orçamentos militares do mundo. E, neste ambiente permeado de cifras, Odebrecht e Embraer tiveram a benção do ex-ministro Jobim na criação de braços de defesa entre 2010 e 2011 com o objetivo de consolidar o setor – antes que outras companhias o façam.

Repartir o bolo – A intenção dos dois grupos brasileiros – reconhecidos tanto por sua exuberância econômica quanto por seu bom relacionamento com o Planalto – é compreensível. A indústria defesa do país teve décadas de baixo investimento e amargou o desaparecimento de dezenas de empresas. A conquista da estabilidade econômica em 1994, com o Plano Real, e o forte crescimento do PIB na última década possibilitaram ao Brasil soberania em diversas áreas – com exceção da defesa. As empresas que ainda existem – algumas das quais foram criadas nos últimos anos – possuem alguma relevância tecnológica, mas carecem de recursos para tornaram-se grandes. Segundo Marcelo Gonçalves, diretor da KPMG, as empresas médias do setor titubeiam ante o desafio de investir muito sem terem qualquer garantia de que seu principal cliente, o governo, efetuará as compras. “Elas têm de arcar com um custo de capital muito elevado e carga tributária alta para realizarem investimentos de longo prazo. Em outras palavras, passam muito tempo sem vender, só investindo na criação de um produto. Para sobreviver dentro desse cenário, é preciso ter um caixa muito bom”, afirma Gonçalves. Entre os produtos fabricados pela indústria nacional estão mísseis, navios, sensores, veículos blindados, motores, aeronaves, vestimentas e munição para artilharia.

De olho nesse filão, Odebrecht e Embraer querem aproveitar pechinchas no mercado (pequenas empresas em dificuldades), as promessas do governo, os bons contatos no Ministério da Defesa e a solidez financeira que possuem para dividirem entre si a tarefa de construir de uma indústria forte. “Se o Brasil olhar para o setor de defesa como uma repetição do que foi no passado, continuará com um nível de desenvolvimento aquém da magnitude que o país necessita”, afirma Roberto Simões, diretor da Odebrecht Defesa e Tecnologia – empresa resultante de uma joint-venture com a francesa EADS (controladora da Airbus), ocorrida em 2010. Fontes ouvidas pelo site de VEJA afirmam que foi justamente a decisão da Odebrecht de entrar com força no setor que motivou a Embraer a fazer o mesmo em 2011, com a criação da Embraer Defesa e Segurança.

A divisão de cartas entre os dois gigantes já começou. Em março, a Odebrecht Defesa e Tecnologia adquiriu a Mectron, a única companhia brasileira que possui qualificação avançada na tecnologia de mísseis, localizada em São José dos Campos (SP). Em maio do ano anterior, na mesma cidade, já havia constituído a Copa Gestão em Defesa, em parceira com a Cassidian, da EADS. Já a Embraer comprou em março a divisão de radares da empresa OrbiSat, que atua na Amazônia. Um mês depois, anunciou a aquisição de 50% das ações da integradora de sistemas Atech, também com sede em São José dos Campos. Nos planos de consolidação da Embraer Defesa estão incluídas parcerias com grandes companhias estrangeiras, como a AEI – que pertence ao maior grupo israelense do ramo de defesa, o Elbit.

Tanto a Embraer quanto a Odebrecht afirmaram ao site de VEJA que não devem fechar novos negócios no curto prazo, mas admitem que continuam a buscar oportunidades. “Para que o setor seja forte, é preciso que haja empresas fortes atuando nele. Em qualquer país com uma indústria de defesa relevante, há grandes players”, afirma Luiz Carlos Aguiar, presidente da Embraer Defesa e Segurança.

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A fonte secou – O fato inegável é que – por mais que o país passe por um momento de urgente ajuste fiscal – o desenvolvimento do setor de defesa depende essencialmente de recursos públicos. Isso ocorre pelo simples fato de que a maior demanda dessa indústria está justamente nas Forças Armadas, que receberam do ex-presidente Lula a promessa de que seus aparatos seriam reformulados; seus caças, substituídos; suas armas, modernizadas; e seu contingente, aumentado. Assim, para que não incorram em perdas inadministráveis, as empresas que se aventuram nesta seara necessitam da garantia de que haverá encomendas por parte do Ministério da Defesa – algo hoje distante de acontecer. Com o aperto orçamentário feito pela presidente Dilma Rousseff, a pasta agora comandada pelo ministro Celso Amorim viu sua fonte secar em 2011, sem perspectivas de melhora. Segundo apurou o site de VEJA, o recado dado aos militares no início do ano foi o seguinte: “Se antes eles estavam acostumados a ver as torneiras se abrirem no final do ano, diga para que não contem com esse dinheiro”.

O papel da SAE – Há uma peça-chave no setor que atua não só para promover sua consolidação por meio da Embraer e da Odebrecht, como também para tentar convencer o governo de que os recursos para a defesa (ou parte deles) devem entrar na conta de despesas obrigatórias da União – ficando livre de cortes orçamentários. Trata-se da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE), comandada pelo ministro peemedebista Wellington Moreira Franco. O órgão vem tentando, com o apoio dos dois grupos, elaborar uma política industrial que crie um mercado capaz a sustentar financeiramente o ciclo de inovação exigido pela indústria de defesa.

Em um cenário ideal (atualmente inviável), essa indústria ganharia musculatura fornecendo equipamentos às Forças Armadas e manteria um fluxo de produção. De quebra desenvolveria tecnologias que poderiam ser incorporadas à vida cotidiana. “Quase todos os produtos elétricos que usamos hoje, do liquidificador ao celular, existem graças à tecnologia da defesa”, diz Jairo Cândido, diretor do departamento de Defesa e Segurança da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

O problema é que, para chegar nesse estágio de desenvolvimento, em que a tecnologia adquire múltiplas utilidades, é preciso investir muito, como coloca o próprio ministro Moreira Franco. “As Forças Armadas não são suficientes para segurar um setor. É preciso financiamento para pesquisa tecnológica e para incorporar inovação. Como tudo isso é muito caro, é preciso haver inúmeras fontes de recursos”, afirma. Assim, além de voltar a “abrir as torneiras”, é preciso desenvolver políticas para estimular e convencer a iniciativa privada de que o investimento no setor compensa. “A questão é mais econômica do que propriamente técnica”, diz o ministro, que faz questão de frisar de que está otimista quanto à intenção do governo de comprar essa briga.

O pleito não é tão simples. Recém-chegado à pasta, o ministro Celso Amorim goza de muito mais prestígio junto à presidente que seu antecessor, Nelson Jobim, e deve continuar incentivando a consolidação desta indústria. Contudo, apesar da proximidade com o Planalto, fontes ouvidas pelo site de VEJA acreditam que a amizade não será suficiente para convencer a presidente a mudar seus planos imediatamente em relação à Defesa e retomar projetos parados, como a licitação dos caças. Para o economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas, a pasta terá poucas chances de sair do fim da fila na hora de repartir o bolo dos recursos públicos. “Não tenho nada contra a defesa da segurança nacional, mas seria preciso a criação de uma nova lei para que os investimentos no setor se transformassem em despesas obrigatórias, protegidas de cortes. Isso é muito difícil de acontecer em um país que não está em guerra”, afirma Velloso.

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