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Tecnologia 3D começa a dar sinais de saturação

Após o festejado revival em 2009 com o filme ‘Avatar’, de James Cameron, o recurso perde público nos Estados Unidos. A tendência de queda, ainda não espelhada no Brasil, pode ser explicada pela má utilização do efeito e pelo consequente desequilíbrio na relação custo-benefício

Por Meire Kusumoto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 28 jul 2013, 16h37
Imagem do filme 'Avatar', de James Cameron
Imagem do filme ‘Avatar’, de James Cameron (VEJA)

Quando o longa Avatar estreou, no final de 2009, a impressão que se tinha era de que o cinema nunca mais seria o mesmo. Dirigido e idealizado por James Cameron, o filme deu um passo adiante no uso da tecnologia em uma produção, com a mistura de imagens de atores reais em 3D e composições de cenários e personagens feitas em computadores. O resultado foi um filme aclamado pela crítica por sua beleza e, ao mesmo tempo, bem recebido pelo público, que o transformou na maior bilheteria de todos os tempos: 2,7 bilhões de dólares, no total. O impacto se deu pela maneira original como Cameron usava o 3D – ele criou equipamentos próprios para isso – e fazia o espectador se sentir dentro do filme. Daí se explicam as estatísticas de Avatar, que somente no fim de semana de estreia nos Estados Unidos teve 71% de sua arrecadação oriunda das salas que exibiam cópias em três dimensões.

As produções que estrearam na sequência seguiram o caminho mostrado por James Cameron. De acordo com dados do site Box Office Mojo. Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton, conseguiu 70% de sua bilheteria de estreia, de 116,1 milhões de dólares, com as exibições em 3D. No caso de Tron: O Legado, de Joseph Kosinski, a fatia do 3D foi de surpreendentes 82% da arrecadação de 44 milhões de dólares no fim de semana de estreia. A aposta na tecnologia era tamanha que até diretores experientes e consagrados como Martin Scorsese (e seu Hugo, indicado ao Oscar de melhor filme em 2012) embarcaram nas três dimensões. Havia quem imaginasse que o cinema jamais abriria mão do 3D.

O que se vê hoje, porém, é uma saturação da tecnologia. Entre junho e julho, no intervalo de duas semanas, duas produções se sucederam no posto de pior estreia em 3D da história. Somente 27% da arrecadação da animação Meu Malvado Favorito 2 no primeiro fim de semana de exibição, nos EUA, veio das salas 3D. Quinze dias antes, outra animação, Universidade Monstros, fez 31% de sua bilheteria com cópias que exigem óculos especiais. E o mau desempenho do 3D não se restringe a animações. Na estreia do novo longa de Brad Pitt, Guerra Mundial Z, apenas 34% dos ingressos comprados eram para sessões em 3D, resultado pouco melhor que o de O Grande Gatsby, com 33%.

Se a tecnologia começou a dar sinais de cansaço em 2012, com longas como Madagascar 3: Os Procurados e sua fatia 45% para o 3D, 2013 parece ser o ano da debacle.

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Avatar (2009)

O filme dirigido por James Cameron pode ser considerado o ponto de virada dos filmes em 3D. O longa, que foi filmado utilizando-se do recurso, ganhou em qualidade de imagem e criou um ambiente imersivo para o telespectador: ele realmente se sentia em Pandora, o local fictício onde se passava a história. Com a repercussão que Avatar ganhou na época de sua estreia, tanto as sessões 3D como as 2D no cinema ganharam visibilidade e, não à toa, o filme continua no topo da lista de maiores bilheterias de todos os tempos, com arrecadação de 2,7 bilhões de dólares no mundo todo. No fim de semana de estreia nos Estados Unidos, 71% da bilheteria de 77 milhões de dólares foi resultado das sessões 3D, segundo o site Box Office Mojo. 

A Invenção de Hugo Cabret (2011)

O filme de Martin Scorsese foi filmado em 3D e a técnica não deixou a desejar, dando profundidade e criando uma imersão do espectador nas cenas, em sua maioria passadas dentro de uma estação de trem em Paris. Na estreia do filme nos Estados Unidos, o 75% da arrecadação do longa no fim de semana, 15,4 milhões de dólares, foi resultado das sessões em 3D, de acordo com o site Box Office Mojo. 

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Pina (2011)

O documentário-tributo de Wim Wenders à dançarina e coreógrafa alemã Pina Bausch foi filmado em 3D e, ao contrário das produções hollywoodianas que se utilizam do recurso para fazer objetos “voarem” em direção à plateia, o efeito deu profundidade às belas cenas de dança do longa. Na primeira semana de exibição nos Estados Unidos, o filme arrecadou no total 88.399 dólares, número impressionante, já que foi exibido em apenas três cinemas em Nova York, segundo a Agência Reuters. Com a estreia ampliada, o longa arrecadou no total 3,5 milhões de dólares, de acordo com o site Box Office Mojo.   

Madagascar 3: Os Procurados (2012)

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O terceiro filme da franquia Madagascar, dirigida pela dupla Eric Darnell e Tom McGrath, foi o primeiro a ser lançado em 3D. As cenas coloridas, passadas em sua maioria em um circo, ganharam profundidade, tornando a animação ainda mais divertida. No fim de semana de estreia do longa nos Estados Unidos, as sessões 3D corresponderam a 45% da arrecadação total do período, de 60,3 milhões de dólares, de acordo com o site Box Office Mojo.  

As Aventuras de Pi (2012)

O diretor Ang Lee acertou ao filmar As Aventuras de Pi em 3D: o recurso potencializou a beleza das cenas da viagem épica de Pi Patel (Suraj Sharma) em alto mar, quando o rapaz fica sozinho com alguns animais após o naufrágio do navio em que estavam. No primeiro fim de semana de exibição do longa nos Estados Unidos, as sessões 3D foram responsáveis por 68% da arrecadação do período, 22,5 milhões de dólares, segundo o site Box Office Mojo.

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​Causas da queda – A obrigação de usar óculos nem sempre limpos ou confortáveis, a qualidade por vezes suspeita do 3D e, como consequência, o nem sempre compensador investimento nas sessões com a tecnologia, mais caras, são alguns dos fatores que vêm jogando contra a tecnologia.

A má utilização do 3D se dá pelo que o diretor James Cameron, o criador do fenômeno Avatar, chama de automatismo dos estúdios. Em busca de um caminho fácil para fazer dinheiro, muitas produtoras apostam na conversão pura e simples de filmes feitos em 2D para longas em três dimensões. A técnica de Cameron, ao contrário, consiste em filmar toda a produção em 3D, o que dá uma sensação maior de profundidade ao longa. E custa mais.

Além de um efeito superficial, o processo de conversão, utilizado em filmes como Fúria de Titãs (2010) e O Último Mestre do Ar (2010), pode causar uma piora significativa na qualidade das imagens, uma vez que o material gravado em duas dimensões nem sempre se adequa ao formato de três. “O motivo por que digo que Hollywood não está fazendo direito é que o processo se tornou automático”, disse James Cameron, citando outros dois exemplos da criticada conversão, durante o fórum americano de tecnologia TagDF, no começo de julho. “O Homem de Aço e Homem de Ferro 3 não precisavam estar em 3D. Se você gastar 150 milhões de dólares em efeitos visuais, seu filme já vai ser espetacular.”

O 3D mal feito afugenta espectadores, para quem o boca a boca ainda é a melhor forma de publicidade, de acordo com Humberto Neiva, professor de distribuição e exibição do curso de Cinema da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). “O público se sente ludibriado por pagar a mais para ver um filme em três dimensões sem qualidade”, diz.

Segundo o professor, o baixo faturamento de animações como Meu Malvado Favorito 2 e Universidade Monstros também pode estar relacionado ao público que esses filmes atingem, o infantil. “Para crianças é mais difícil a utilização dos óculos 3D, elas são mais inquietas”, disse. De olho nesse problema, pesquisadores vêm tentando desenvolver um sistema que dispense a utilização do acessório.

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O eterno retorno – Anunciada por muitos como definitiva ao surgir, alguns anos atrás, a onda do 3D no cinema iniciada por Avatar não é a primeira e não será a última. A mais antiga moda da tecnologia de que se tem notícia aconteceu na década de 1950, quando até Alfred Hitchcock aderiu ao recurso – ele o empregou em Disque M para Matar (1954). Na época, porém, a tecnologia era incipiente e apresentava dificuldades técnicas, segundo Pedro Butcher, editor do site especializado FilmeB. Rodados em películas de 35 milímetros, os longas eram instáveis e causavam desconforto ao espectador quando se acrescentava o 3D.

Com a digitalização dos filmes, o problema foi resolvido e os estúdios aprenderam a gerrenciar melhor o recurso. “No começo do 3D, havia uma euforia, um pensamento de que o recurso seria usado para filmes de todos os gêneros, até comédias românticas. Hoje, se sabe que ele funciona melhor em produções de ação, fantasia e animações”, diz Butcher.

Fúria de Titãs (2010)

Dirigido por Louis Leterrier, o remake do filme de 1981 foi idealizado e filmado como um longa comum, mas convertido às pressas para o 3D pela Warner Bros, o estúdio do filme, antes de seu lançamento. Em entrevista ao site The Huffington Post em maio de 2013, Leterrier confirmou que o procedimento não recebeu tanto cuidado pela Warner e que o resultado foi uma versão “horrível” de sua produção. “Foi conhecidamente feito às pressas e horrível. Foi completamente horrível, o 3D. Nada estava funcionando, foi só um artifício para roubar dinheiro do público. Fúria de Titãs não é um filme meu”, declarou ao site. Apesar de o recurso não ter feito muita diferença nas imagens do longa, tornando-se dispensável, 52% da arrecadação de 33,6 milhões de dólares em seu fim de semana de estreia nos Estados Unidos foram provenientes de sessões 3D, segundo estudo da consultoria PwC. 

https://youtube.com/watch?v=K0Xl9xJt9T0

O Último Mestre do Ar (2010)

Dirigido por M. Night Shyamalan, o filme foi convertido para 3D em sua pós-produção, mas foi mais um caso em que o efeito não era necessário e passava despercebido na maior parte do tempo. Na época do lançamento do longa, durante o debate 3D Entertainment Summit, nos Estados Unidos, o diretor lamentou não ter decidido pelo recurso antes, ainda durante a produção. “Você não pode fazer o mínimo de tudo, porque vai sair um resultado ruim. Há uma arte para usar a profundidade”, disse. Nos Estados Unidos, 56% do faturamento do filme, de 40,3 milhões de dólares, em seu fim de semana de estreia foi resultado das sessões em 3D, segundo estudo da consultoria PwC.

Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas (2011)

O quarto filme da franquia Piratas do Caribe foi dirigido por Rob Marshall, substituto do diretor dos três longas anteriores, Gore Verbinski. Apesar de ter sido filmado em 3D, o efeito não acrescentou e só piorou a visibilidade das cenas, escurecidas pelos óculos utilizados para se perceber o recurso. No final de semana de estreia do filme dos Estados Unidos, as sessões 3D foram responsáveis por 46% da arrecadação total do filme, 90,2 milhões de dólares, de acordo com o site Box Office Mojo. 

O Grande Gatsby (2013)

O longa de Baz Luhrmann, ao contrário de outros tantos que foram convertidos depois para o 3D, foi idealizado e filmado utilizando o recurso. As imagens ganharam em qualidade, mas, ainda assim, o efeito não faria falta à história do romance dramático de Jay Gatsby (Leonardo DiCaprio), que não esbanjavam cenas de ação. Segundo o site Box Office Mojo, apenas 33% da arrecadação de 50,1 milhões de dólares no primeiro fim de semana de exibição nos Estados Unidos vieram de sessões 3D. 

O Homem de Aço (2013)

Dirigido por Zack Snyder e produzido por Christopher Nolan, o novo longa sobre o Super-Homem foi filmado em 2D e convertido para 3D em sua pós-produção. O procedimento, apesar de bem feito, foi considerado desnecessário, uma vez que não proporcionou nenhuma experiência imagética nova nas cenas. No primeiro fim de semana de exibição do longa nos EUA, a arrecadação das sessões em 3D correspondeu a 41% da bilheteria total, de 125,2 milhões de dólares, segundo o site da revista americana Variety

Brasil ainda curte – As dificuldades que o mercado exibidor americano enfrenta com o 3D não se repetem por aqui — o que não impede os estúdios americanos de reverem a estratégia de investimento no recurso. Segundo dados da empresa de pesquisas Rentrak Brasil, os melhores resultados de três dimensões no ano passado foram os de Os Vingadores (56,1% da receita total) e A Era do Gelo 4 (48,2%), ambos superados pelo melhor resultado deste ano. O Homem de Ferro teve 64% da sua arrecadação proveniente de sessões com a tecnologia. O aumento foi percebido pela rede Kinoplex, cujas salas 3D foram responsáveis por 24% do público no primeiro semestre, ante 22% no mesmo período de 2012, segundo Patricia Cotta, gerente de marketing da rede.

Para o professor Humberto Neiva, isso se deve ao sentimento de novidade que o 3D traz ao público brasileiro, ao contrário do americano, que está acostumado com o recurso. O maior investimento em salas 3D também influencia, uma vez que amplia a oferta. Oferta que ainda não chegou ao seu limite. Segundo Pedro Butcher, ainda há espaço para o cinema 3D crescer no país. Apenas 747 das mais de 2.500 salas brasileiras estão equipadas para exibir filmes em três dimensões, mas até o final de 2015 o circuito estará completamente digitalizado.

O reduzido número de salas 3D foi apontado por Mariana Caltabiano, diretora e produtora de Brasil Animado (2011), a primeira produção brasileira em 3D, como um dos maiores entraves para a decolagem de longas tupiniquins que se utilizem do recurso. Ela lembra que Brasil Animado, um passeio nas telas por diversos pontos turísticos brasileiros, ficou apenas seis semanas em cartaz no grande circuito porque logo precisava ser substituído por outros filmes.

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