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Série ‘Pátria’ evidencia a força da teledramaturgia vinda da Espanha

Na bela produção da HBO, duas famílias lidam com as dores causadas pelo terrorismo

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 28 set 2020, 09h58 - Publicado em 25 set 2020, 06h00

Em um apartamento à beira-­mar em San Sebastián, no País Basco, Bittori (Elena Irureta) assiste a um comunicado do grupo terrorista ETA pela televisão. Na cena tensa, os homens encapuzados anunciam o fim da luta armada, defendem suas ações até ali, e garantem que não cometerão mais atentados. Bittori, que acabara de voltar do cemitério, onde adiantou a mesma notícia ao marido lá sepultado, sente repulsa: a perda familiar causada pelo ETA não será revertida. “Será que a mãe dele reconhece a sua voz?”, questiona, enojada, sobre o jovem que lê o comunicado. Reação oposta se dá com Miren (Ane Gabarain), que vê o mesmo vídeo e se revolta por outra razão: para ela, os rebeldes separatistas deveriam terminar o que começaram. “E os que estão presos, que apodreçam na cadeia?”, pergunta, pensando em seu filho encarcerado, Joxe Mari (Jon Olivares) . “Reconhece a voz de quem está lendo?”, diz ela à filha, orgulhosa de sua familiaridade com os membros do grupo que produziu tanta dor e violência na Espanha.

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Protagonistas da série Pátria, que estreia na HBO no domingo 27, às 21 horas, Bittori e Miren eram amigas inseparáveis antes de a ascensão do ETA, nos anos 60, polarizar o pacato vilarejo onde viviam. O grupo de origem nacionalista arrasta com ele, em uma espiral de destruição, o cotidiano de famílias comuns, alheias ao extremismo político que se alastrou pela região. Adaptação do provocativo livro de mesmo nome do autor basco Fernando Aramburu, Pátria é um exemplar elevado da ampla e tradicional produção espanhola, que cruzou fronteiras recentemente, impulsionada pelo streaming e por seu produto de maior popularidade (mas não de qualidade), a rocambolesca La Casa de Papel, de 2017. Entre os ladrões mascarados da Casa da Moeda e a nova série da HBO há inúmeras camadas de opções de títulos vindos do país de Cervantes e Picasso. São produções que vão desde dramas sobre o tráfico de drogas na Galícia até cientistas na gélida Antártica (veja o quadro na próxima página). Com variedade de cenários, além de uma história riquíssima que vai da monarquia à ditadura franquista, passando por movimentos separatistas, a Espanha ainda conquista com seu tom folhetinesco. Apreciado pelos brasileiros, esse tempero caracteriza-se pela forte carga melodramática e um gosto por observar pessoas comuns. São histórias de famílias em sua intimidade, de lutas com dilemas e hipocrisias.

LADOS OPOSTOS – Miren e Bittori: amizade minada pelas disputas políticas – ((David Herranz/2020 HBO Nordic AB/.)

Pátria parte de um doloroso passado do país para narrar as idiossincrasias de duas famílias em lados opostos do conflito. “É a perspectiva das vítimas”, diz o criador da série, o também basco Aitor Gabilondo, que testemunhou fatos parecidos com os das protagonistas. “Não existe dor maior que outra. Para quem sente, ela é absoluta. A dor e o luto não têm lado político.”

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Criado em 1959, o ETA (sigla em basco de Pátria Basca e Liberdade) surgiu inspirado em movimentos de libertação nacional, como a guerrilha castrista de Cuba, e paramilitares nacionalistas, como o IRA, que buscava a independência da Irlanda do Norte católica do domínio inglês protestante. Inicialmente pacífico, o ETA pedia a emancipação do País Basco, região entre a Espanha e a França que conserva traços culturais próprios, incluindo o idioma. O movimento estudantil se tornou violento no fim dos anos 60, em resposta à ditadura de Francisco Franco e sua polícia abusiva. A falácia da bandeira libertária se revelou durante a transição democrática, quando viria a explodir o número de atentados dos terroristas — que extorquiam, sequestravam, matavam seus opositores e, mesmo após a anistia para seus presos nos anos 70 e a instauração de um autogoverno Basco, continuaram a agir com crueldade. O rastro de sangue deixado pelo ETA soma 853 mortos e 300 membros presos. O grupo perde força nos anos 80, anuncia várias vezes que abandonará a luta armada, até fazê-lo de vez em 2011, e encerrar atividades em 2018.

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Tantos detalhes, datas e números são irrelevantes para Pátria, que transita por três décadas de história sem ordem cronológica, acompanhando os anseios de duas mães. Bittori quer saber quem, de fato, apertou o gatilho contra seu marido, um empresário que se recusou a pagar as absurdas quantias cobradas pelo ETA. Ser vítima de uma entidade, e não de um assassino específico, a perturba. Bittori retorna ao vilarejo onde tudo aconteceu, em busca de respostas. Já Miren, agarrada à memória de seu filho dócil, antes de sua entrada para o ETA, espera que ele seja libertado da prisão, para que a família possa retomar a vida pacata. Com a distância geográfica e temporal, é tentador eleger qual das mulheres é a certa e qual é a errada. O roteiro sensível, e com um inesperado humor atenuando o drama, destrincha com primor as nuances de cada lado, desde os terrores políticos da ditadura franquista até o discurso sedutor do nacionalismo. “Quem vai rezar em basco se não defendermos nossa língua?”, questiona o padre do vilarejo, pedindo que Miren apoie seu filho e o ETA em seus anos iniciais.

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Primeira série europeia da HBO a ter estreia mundial, Pátria tem potencial para puxar o interesse por conteúdos espanhóis mais robustos. Quantidade não vai faltar. Além do canal pago, que produz por lá a todo vapor, a Netflix se instalou no país com o intuito de lançar cerca de dez séries por ano. Sedutora, a Espanha tem oferecido incentivo fiscal para atrair produtores estrangeiros. Apelidada recentemente de “Califórnia da Europa”, a nação, pelo jeito, não tem planos de sair das telas da TV tão cedo.

Muito além de La Casa de Papel

Do tráfico de drogas ao regime franquista, quatro exemplos do vigor das séries espanholas

‘O Sucessor’ – (./Divulgação)

O Sucessor

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Misto de Narcos com Succession, a série da Netflix mostra as agruras de um veterano chefão do tráfico. Diagnosticado com Alzheimer, ele busca um substituto entre seus filhos, alheios ao negócio — que, na fachada, atua como exportadora de commodities na bela costa da Galícia

‘Vis a Vis’ – (./Divulgação)

Vis a Vis

Antes de La Casa de Papel, o produtor Álex Pina lançou, em 2015, a série ambientada em uma prisão feminina. Uma jovem comete fraude induzida pelo amante e vai presa. Reviravoltas mirabolantes típicas do roteirista surgem no caminho, enquanto ela encara as colegas de cela

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‘The Head’ – (./Divulgação)

The Head

Cientistas de diferentes países se revezam em uma isolada estação na Antártica. Quando um grupo retorna ao local, descobre que os membros do time anterior estão quase todos mortos. À la Agatha Christie, o suspense disponível no Globoplay se concentra na busca por respostas

‘O Dia de Amanhã’ – (./Divulgação)

O Dia de Amanhã

A série da HBO se passa no final da ditadura de Francisco Franco (1892-1975), nos anos 60. Em busca de dinheiro para cuidar da mãe doente, um jovem se envolve com a elite de Barcelona e dá um golpe. Para se safar, vira informante da polícia infiltrado num grupo antifranquista

Publicado em VEJA de 30 de setembro de 2020, edição nº 2706

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Pátria, de Fernando Aramburu

La Casa de Papel,o Diário do professor

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