Rosto, voz e destino
Mesmo longe do público, Doris Day, morta na segunda 13, aos 97 anos, continuou sempre jovem e jovial na lembrança dele
Para um ator, o rosto às vezes é destino. E Doris Day, morta na segunda-feira 13, aos 97 anos, no norte da Califórnia, encontrou seu destino no instante em que seu rosto alegre e sereno, de olhos azuis emoldurados por cabelos loiríssimos (de nascença), surgiu na tela, em 1948, em Romance em Alto-Mar: famosa como cantora de afinação perfeita e timbre cristalino, ela só se tornou inteira ao abraçar a nova carreira e ser igualmente abraçada por ela. Consta que o húngaro Michael Curtiz, diretor dessa estreia (e de nada menos que Casablanca), irrompeu em lamentos quando soube que a aplicada Doris começara a tomar aulas de interpretação — ela era única, era especial, tinha “uma coisa” que nenhuma interferência deveria alterar.
Gosto de alegria e de ser alegre. É tudo o que eu quero, fazer as pessoas felizes.
Doris Day (1922-2019)
Curtiz não tropeçava nos julgamentos. O grande feito de Doris em seus 25 anos como atriz foi ouvi-lo e preservar esse quê especial — uma mistura de castidade e fibra, bom-senso e jovialidade — apesar da fama, da engrenagem dos estúdios, das mudanças nos costumes e da tumultuada vida pessoal, com divórcios, viuvez e falência. Sempre, no rosto da mais bem paga estrela americana dos anos 50 e 60, foi possível adivinhar a presença resoluta de Doris May Ann Kappelhoff, a filha de imigrantes alemães nascida em Ohio. É ela quem conquista Rock Hudson em Confidências à Meia-Noite (1959) e nos dois filmes seguintes que fez com ele; foi ela quem se retirou de cena em 1973, quando julgou que a imagem de virgem salutar já nada tinha a ver com sua idade e com o mundo da liberação sexual. Doris foi se dedicar aos animais, com sua fundação. E, longe dos olhos do público, continuou sempre jovem e jovial na lembrança dele.
Publicado em VEJA de 22 de maio de 2019, edição nº 2635
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