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Ronaldo Fraga relembra tragédia de Mariana em desfile

'A moda tem que ter propósito, assim como a vida', diz o estilista sobre a coleção apresentada na SPFW

Por Estadão Conteúdo 26 abr 2018, 20h46

A roupa de Ronaldo Fraga nunca é só roupa. O estilista mineiro traz sempre significados ora políticos, ora sociais às suas criações, transformando os desfiles em manifestos. Desta vez, Ronaldo jogou luz à maior tragédia ambiental da história do Brasil: o rompimento da barragem de Mariana, Minas Gerais, em novembro de 2015. Com uma mensagem de reconstrução e resistência, ele se uniu a bordadeiras da região de Barra Longa, devastada pelo acidente, para desenvolver as peças da coleção apresentada na São Paulo Fashion Week (SPFW).

O estilista falou sobre a inspiração para a coleção e a importância da moda como instrumento de fala. Confira destaques:

“Essa história nasceu quando fui convidado para ir até lá conhecer um grupo de bordadeiras. Cheguei, dei o nome ao projeto, que se chama Meninas de Barra Longa (a gente fala meninas, mas tem bordadeiras de 80 e poucos anos ali). No primeiro encontro, pedi que elas trouxessem bordados que caíram em desuso, que elas guardavam de forma preciosa, e uma delas, que é a mestra e está com princípio de Alzheimer levou uma camisolinha de batismo que todos os primos dela tinham usado. Em Minas tem muito disso, de uma peça passar de uma pessoa para a outra na família. ‘Mas a minha era muito mais bonita’, ela disse. E eu perguntei ‘Cadê a sua?’. ‘A lama levou’, ela respondeu. ‘Então vamos bordar outra para a próxima geração’, eu falei. Acho que é isso o que tem ser feito agora. Já se falou muito da tragédia pela tragédia. Agora a gente corre um risco de viver uma tragédia cultural também, além da ambiental. É um saber que está se perdendo por vários motivos. Um deles é que, por serem estigmatizadas pela história, as pessoas estão recebendo suas indenizações e indo embora. Acho que isso merece uma vitrine.”

“A gente não quer mais coisas mudas, tudo tem que ter uma fala, um suspiro que seja. A moda tem que ter propósito, assim como a vida.”

“Logo quando aconteceu a tragédia, eu vi na televisão o Seu Antonio, lá em Bento, que por oito meses ficou cavando o lugar onde estava a casa dele à procura de uma foto das duas filhas gêmeas que morreram. A única coisa que ele tinha era essa foto. ‘Eu posso ter perdido tudo, a casa, a criação, mas a foto não, porque é a única imagem que eu tenho delas’, ele contou. Quando eu comecei a fazer a coleção, coloquei fotos nos tecidos, e escrevi também os nomes nas fotos, que é um hábito comum entre famílias grandes.”

Modelo apresenta criação de Ronaldo Fraga, durante desfile na São Paulo Fashion Week, em São Paulo (SP) - 26/04/2018
Modelo apresenta criação de Ronaldo Fraga, durante desfile na São Paulo Fashion Week, em São Paulo (SP) – 26/04/2018 (Nelson Almeida/AFP)

“Hoje quando você chega a cidade está reconstruída. Ela está melhor do que era antes até. O rio está assoreado, o que é um grande problema, porque pode ter uma nova enchente. É foco de febre amarela, que é uma coisa muito séria. Mas as plantas já tomaram conta do lugar. Eu falo que é uma lição de resistência para a gente, porque são as primeiras que rompem a terra seca.”

Modelos apresentam criação de Ronaldo Fraga, durante desfile na São Paulo Fashion Week, em São Paulo (SP) - 26/04/2018
Modelos apresentam criação de Ronaldo Fraga, durante desfile na São Paulo Fashion Week, em São Paulo (SP) – 26/04/2018 (Paulo Whitaker/Reuters)

“O mundo mudou, eu procuro ser otimista nesse sentido. Ele mudou rápido, envelheceu rápido e a gente tá querendo sentidos novos para velhas coisas. São tempos de resistência, e isso é no mundo inteiro, não é um problema do Brasil. Quando você se pergunta qual é seu propósito, qual é seu lugar. Hoje, por exemplo, não me interessa o que você faz, mas por que você faz. Por que você faz roupa? Por que você planta?”

Modelo apresenta criação de Ronaldo Fraga, durante desfile na São Paulo Fashion Week, em São Paulo (SP) - 26/04/2018
Modelo apresenta criação de Ronaldo Fraga, durante desfile na São Paulo Fashion Week, em São Paulo (SP) – 26/04/2018 (Paulo Whitaker/Reuters)

“A roupa é o meu canal de comunicação. O mais importante para mim é o comunicar, não a roupa. Alguém já me disse ‘Nossa, você é tão apaixonado pela moda’. Não sou apaixonado pela moda, a moda é só o veículo que eu tenho. Se eu tivesse que fazer outra coisa, faria do mesmo jeito. Quando eu chego num lugar como esse como estilista, se um dia foi difícil, hoje é mais fácil, porque esse lugar do vestir, do corpo como suporte para mídia, é muito bacana. Estão vindo 12 meninas de lá para ver o trabalho delas nesse lugar, a maioria que nunca saiu dali, isso é transformador. A moda, quando faz isso, tem esse poder. É impossível tirar a postura política disso. Não dá para esconder essa tragédia debaixo do papel. As barragens continuam rompendo no Brasil. Mas eu não queria reforçar a tristeza. Queria que de alguma forma fosse um alento.”

Modelo apresenta criação de Ronaldo Fraga, durante desfile na São Paulo Fashion Week, em São Paulo (SP) - 26/04/2018
Modelo apresenta criação de Ronaldo Fraga, durante desfile na São Paulo Fashion Week, em São Paulo (SP) – 26/04/2018 (Nelson Almeida/AFP)
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