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‘Reencontrei meu passado ao escrever’, diz sobrevivente do Holocausto

Louis Frankenberg, 85, viveu a tragédia na infância — e só mais tarde, no Brasil, desvendou sua história

Por Gabriela Caputo 24 set 2022, 08h00
Louis Frankenberg -
Louis Frankenberg – (Roberto Frankenberg/.)

Nasci em 8 de outubro de 1936 em Alkmaar, na Holanda, em uma família judia de ascendência alemã. Eu era uma criança bastante travessa. Tenho lembranças vagas da mais tenra idade, parte delas registrada em fotografias e gravações deixadas pelo meu pai. Éramos uma família unida e feliz, até sermos afetados pelos desdobramentos da II Guerra Mundial. Foi somente em meados da década de 80 que embarquei em uma jornada investigativa do meu próprio passado como sobrevivente do Holocausto. Já residia em São Paulo, estava casado com Helena e tínhamos três filhos crescidos. Foram décadas até que essa busca tomasse forma no livro Cinco Vezes Vivo (Editora Terceiro Nome), escrito com a ajuda de meu genro, o jornalista Ricardo Garcia, e publicado neste ano.

A Holanda foi invadida pela Alemanha em 1940 e, em 1942, com o avanço do nazismo, meus pais enviaram eu e minha irmã, Eva — tínhamos então 5 e 8 anos —, para um internato na cidade de Hilversum. Na época, as famílias judias preferiam se separar de seus filhos para que os riscos de ser encontrados diminuíssem. Nunca mais vi meus pais. Eles foram descobertos num esconderijo em 20 julho de 1943 e, depois de presos, mortos três dias mais tarde nas câmaras de gás do campo de extermínio de Sobibor, na Polônia, junto com minha avó paterna. Em fevereiro de 1944, fui encontrado pela Polícia Civil holandesa e, junto com outras crianças judias, acabei preso. Minha irmã conseguiu escapar. Passei a me sentir ainda mais sozinho. Àquela altura com 7 anos, passei por dois campos de concentração. O primeiro foi Westerbork, na própria Holanda — onde fiquei numa espécie de orfanato. Depois, fui encaminhado para Theresienstadt, na então Checoslováquia. A viagem durou três dias e foi feita em um trem de gado, sem janelas, lotado de pessoas. Havia pouquíssima comida e as necessidades eram feitas num canto. Eu não compreendia direito o que estava acontecendo, mas sabia que era algo terrível. No novo campo, a situação era pior do que em Westerbork, mas tive a sorte de ser acolhido por um casal, René e Mor Obstfeld. Separados de seus filhos, assim como eu fui de meus pais, eles me protegeram naquele período assustador.

Em 1945, um acordo permitiu que um único transporte levasse 1 200 judeus à liberdade na Suíça. Entre as cerca de 4 000 pessoas que se candidataram, eu e meus tios postiços fomos selecionados. Esse já era um trem de verdade, para mostrar para o mundo que os nazistas não eram tão ruins assim. Mas não sabíamos se de fato iríamos para a liberdade ou para um campo de extermínio, podia ser uma mentira. Senti que realmente tinha acabado quando chegamos à fronteira e vimos que estávamos livres. A sensação foi de alegria. Reencontrei minha irmã em 1946, ao retornar para a Holanda. Órfãos, chegamos ao Brasil em 1947, quando eu tinha 10 anos. Nos estabelecemos em Porto Alegre, onde minha avó, Anna, e meus tios Kurt e Hilde viviam e nos acolheram. Aqui, já adulto, fiz carreira no ramo do planejamento financeiro pessoal e construí minha família.

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Depois de décadas de uma investigação profunda, em que viajei, conheci pessoas e encontrei documentos, além de mergulhar em leituras, pude traçar a história de minha família, entrelaçada à da guerra. Hoje, não sinto nada pungente em relação ao que vivi. É apenas uma memória, e reencontrei meu passado ao escrever. Ainda há pessoas que negam que os horrores da guerra tenham acontecido. Tentamos mostrar que era, sim, verdade. Por mais otimista que eu queira ser, sei que coisas negativas do passado podem voltar. O ser humano é assim, não aprende com seus erros. Espero não ter de me confrontar com novas guerras — é por isso que eu vim para o Brasil. Gosto de morar aqui.

Louis Frankenberg em depoimento dado a Gabriela Caputo

Publicado em VEJA de 28 de setembro de 2022, edição nº 2808

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