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Para maquiador de ‘Guerra ao Terror’, profissão pode ser ingrata

Um dos grandes profissionais de Hollywood na área, o britânico Daniel Parker, de longas como 'A Viagem' e 'A Hora Mais Escura', diz que os melhores trabalhos são os que o espectador não percebe e costumam não ser premiados

Por Rafael Costa
14 out 2013, 06h48

Além do diretor, do roteirista e do produtor, muitos filmes precisam também de um bom maquiador. Menos badalado, mas não menos importante – afinal, seu erro pode colocar um longa em risco -, o profissional da maquiagem artística tem nas mãos a responsabilidade de cuidar da apresentação que os personagens terão nos filmes. De passagem pelo Brasil nas últimas duas semanas para comandar um workshop no Rio Content, evento multimídia baseado no Rio de Janeiro, o maquiador britânico Daniel Parker falou ao site de VEJA sobre a importância da função no cinema e o trabalho que é feito nos bastidores, como o de participar da criação dos personagens. “É absolutamente necessário que o maquiador trabalhe com o designer para desenvolver os personagens”, afirma Daniel, que tem no currículo longas como A Viagem (Cloud Atlas), de 2012, Guerra ao Terror (The Hurt Locker), grande vencedor do Oscar 2009, e A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty), que reconstitui a caça ao líder terrorista Osama bin Laden. “Eu não toco no rosto do ator até conversarmos bastante a respeito do que iremos fazer com o personagem. Todas as maquiagens que faço são baseadas nessas discussões.”

Daniel Parker
Daniel Parker (VEJA)

Filho do maquiador Charles E. Parker (Ben-Hur e Lawrence da Arábia), Daniel está inserido no meio desde a adolescência. Apesar de ter iniciado no mundo do cinema como assistente de produção de Steven Spielberg, foi no departamento de maquiagem artística que ele acabou se destacando, muito por influência do pai. Seu primeiro trabalho foi em Star Wars, Episódio VI – O Retorno do Jedi (1983). Onze anos depois, ele seria indicado ao Oscar por Frankenstein de Mary Shelley.

Um de seus últimos trabalhos, o filme A Viagem, conta com uma intensa e diversificada caracterização dos personagens. Cada protagonista recebe, pelo menos, cinco feições diferentes. O disfarce feito com próteses é tão bem feito que, ao final dos créditos, são destacados os papéis que cada ator interpretou no longa, e alguns deles serão uma surpresa, porque dificilmente terão sido identificados pelo espectador no decorrer da história. No entanto, apesar da tarefa árdua, que exige que o profissional trabalhe de 40 minutos a três horas, em média, para modificar a aparência dos atores, Daniel destaca que as melhores maquiagens são aquelas que acabam passando despercebidas, e que por isso, infelizmente, não são reconhecidas nas grandes premiações do cinema. “Nove dos dez filmes com melhor maquiagem são aqueles em que você não as consegue ver, mas eles não são premiados”, afirma o maquiador. Confira abaixo a entrevista de Daniel Parker:

Quando e como você começou na profissão de maquiador? É uma longa história (risos). Meu pai foi um maquiador muito famoso, ele fez filmes como Lawrence da Arábia (1962) e Ben-Hur (1959). Comecei como maquiador ainda jovem e quase sempre fiz isso. Tentei ir para a área de produção, mas meus pais queriam que eu fosse para o departamento de maquiagem. Então, comecei a trabalhar na parte de produção da 20th Century Fox como assistente de Steven Spielberg, mas acabei me consolidando como maquiador. Meu primeiro trabalho profissional foi em Star Wars, Episódio VI – O Retorno do Jedi (1983).

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Em A Viagem, os mesmos atores ganham, pelo menos, cinco feições diferentes ao longo do filme. Foi o seu melhor trabalho, o mais desafiador? Nós não tivemos tempo e dinheiro suficiente para fazer muitas coisas que gostaríamos. A Viagem conta seis histórias diferentes que se encontram, é um roteiro complexo, e o fato de a produção ter limite de dinheiro e tempo acabou prejudicando. Nós estávamos com dois diretores de cenário, dois diretores de fotografia, dois designers de figurino e dois maquiadores. Cada uma dessas duplas ficou responsável por três das seis histórias. Na maquiagem, os responsáveis foram eu e Jeremy Woodhead, um grande amigo meu, excelente maquiador. Nós trabalhamos juntos muitas vezes, então conhecíamos bem o trabalho um do outro. Apesar do pouco tempo que tínhamos, conseguimos um belo resultado. Foi um dos projetos mais desafiadores, mas não necessariamente o meu melhor trabalho. Outros que eu considero tão bons quanto são Richard III (1995) e Frankenstein de Mary Shelley (1994) (que chegou a ser indicado ao Oscar).

Como é a relação com o designer de personagens? O maquiador tem alguma influência na criação dos personagens? É absolutamente necessário que o maquiador trabalhe com o designer para desenvolver os personagens, é uma das suas tarefas. Aliás, é uma parte do trabalho de que eu gosto muito e um dos motivos para ter entrado no departamento de maquiagem. A primeira coisa que pergunto a um ator é: ‘Como você vê esse personagem?’. E então começamos a discutir. Eu não toco no rosto do ator até conversarmos bastante a respeito do que iremos fazer com o personagem. Todas as maquiagens que faço são baseadas nessas discussões.

E a relação com o diretor de arte do filme, como é? Eu me relaciono pouco com o diretor de arte, eu desenho as maquiagens, os cabelos, a aparência e o corpo, enquanto ele cuida do cenário.

Quanto tempo demora para fazer uma maquiagem trabalhosa como a de A Viagem? Muito tempo. Elas chegam a demorar de quarenta minutos a três horas.

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Quantas pessoas trabalham nesse processo? Em A Viagem, foram poucas. Eu tenho um conceito próprio quando estou fazendo a maquiagem e tenho pessoas próximas que me ajudam nesse processo. Se eu preciso de próteses ou perucas, entro em contato com o meu escultor de próteses e meu fabricante de perucas, além dos fabricantes de lentes de contatos e dentes. Digo para essas pessoas o que quero e então realizo um teste, faço alterações aonde quero e elas são refeitas, se necessário. E eventualmente acabo ficando satisfeito (risos).

Qual é a técnica para manter a padronização das próteses e das maquiagens durante os vários dias de filmagem? Os continuístas ajudam nesse processo? Continuidade nas próteses é algo bem simples, pois elas são esculpidas, logo, nunca mudam. Já a pintura e o acabamento sofrem mudanças, então você tem que ter muito cuidado com eles. Eu não costumo trabalhar muito com próteses, sempre preferi tinta, cujo uso é mais rápido e mais barato e o resultado final fica melhor. Para manter o padrão, eu simplesmente pinto. Pinto todos os dias e faço sempre a mesma coisa.

Em filmes em que a caracterização não é tão fantasiosa, como A Hora Mais Escura ou Guerra ao Terror, o trabalho é relativamente mais simples? Não. Por exemplo, em A Hora Mais Escura a maquiagem que eu fiz na Jessica Chastain tinha que acompanhá-la durante muitos anos, diferentes períodos da vida da personagem. O trabalho é tão sutil e realista que você mal percebe que está usando maquiagem. São peças muito pequenas, cuidadosamente desenhadas para alcançar um determinado propósito.

Quanto por cento do sucesso de um filme se pode atribuir à maquiagem? Depende do filme. Em filmes como A Viagem e Frankenstein de Mary Shelley, a porcentagem é enorme. Mas em filmes como A Hora Mais Escura a porcentagem é menor, pois você não consegue ver a maquiagem – e essa é a intenção. Um dos problemas das premiações dessa categoria é que os troféus vão apenas para aqueles filmes em que você consegue ver a maquiagem. Nove dos dez filmes com melhor maquiagem são aqueles em que você não as consegue ver, mas eles não são premiados.

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