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O resgate dos anos 90 na moda, no cinema, na música, na TV…

A influência nostálgica de três décadas atrás — um período de vastas transformações mundiais e imensa variedade estética — ganhou força na quarentena

Por Paula Pacheco
Atualizado em 4 jun 2024, 15h41 - Publicado em 14 ago 2020, 06h00
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MACACÃO – A modelo americana Gigi Hadid: passado que inspira – (Reprodução/Instagram)

A década de 90 talvez seja uma das mais injustiçadas da história. Embora tenha sido palco de eventos extraordinários, ela não é lembrada com a mesma paixão concedida a outros períodos. Os anos 1960 têm uma aura de magia inquestionável, atrelada à luta pelos direitos civis e ao movimento hippie. Nos anos 1980, foi a cultura pop, na voz de Michael Jackson e na de Madonna, que construiu a sua merecida fama. Os anos 2000, com o surgimento das redes sociais, levam o devido crédito pela maneira como mudaram a sociedade. Os anos 1990, contudo, foram injustamente diminuídos por não ter uma única marca registrada, mas isso não reduz o seu valor. De certa forma, houve, naquele tempo, uma grande e apimentada salada em diversos campos. Em 1991, deu-se a última sessão do Soviete Supremo, marco do fim da União Soviética. Três anos depois, em 1994, o presidente Itamar Franco daria a largada para o Plano Real. Na cultura, a onda grunge conquistaria uma legião de fãs e, na ciência, a clonagem da ovelha Dolly abriria inimagináveis frentes na genética. Agora, com a onda nostálgica que ganhou força na pandemia, os 90 estão de volta — um justo resgate para um período marcado por grandes transformações.

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VELHO VISUAL – A celebridade americana Kendall Jenner (à esq) e a atriz brasileira Grazi Massafera: calça rasgada e pochete como símbolos da era inspirada em antigas tendências – (Reprodução/Instagram)

A moda é o carro-chefe do revival. Kim Kardashian e Grazi Massafera, por exemplo, têm mais em comum do que os milhões de fãs nas redes sociais. Ambas incorporaram a moda de três décadas atrás. A celebridade americana abraçou as marcantes criações de Jean-Paul Gaultier e trouxe para seu guarda-roupa várias peças com tela estampada, ou printed mesh. Por sua vez, Grazi foi vista em diversas ocasiões com uma pochete da Givenchy pendurada no ombro. Peça de gosto controverso bastante difundida no século passado, ela renasceu depois que Karl Lagerfield, o ex-todo-poderoso da Chanel, levou a bolsinha para a passarela. Com a adesão de celebridades e influenciadoras, agora pode ser encontrada tanto nas lojas de artigos de luxo quanto nas redes varejistas de moda.

O mesmo movimento nostálgico inspirou outros itens do guarda-roupa. É o caso da calça baggy, das presilhas e fru-frus e das bandanas — peça que era obrigatória no visual do casal Britney Spears e Justin Timberlake —, além dos lenços, resgatados por grifes como Dior e Missoni. Os pés não foram excluídos do movimento revival. A marca Steve Madden relançou os tamancos com salto plataforma e tiras largas que viraram febre nos anos 90. Para a especialista em semiótica da Universidade de São Paulo Clotilde Perez, o resgate do passado tem a ver com as incertezas sobre o futuro. “Se o presente está insuportável, buscamos conforto nas referências já conhecidas”, diz.

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Revisitar o passado tem sido relevante (e lucrativo) para as redes de varejo. As marcas dão destaque às linhas de licenciamento, que já respondem por uma parcela significativa das vendas. Na Renner, as licenças de séries, ícones e cartoons que fizeram sucesso nas TVs da década de 90 incluem Mortal Kombat, Beavis and Butt-­Head, MTV, Friends, Guns N’Roses e Nirvana, entre outros. Já a rede de lojas C&A, além das produções internacionais, adicionou recentemente numa coleção, feita em parceria com a Ambev, peças inspiradas na campanha Pipoca com Guaraná, da Antarctica, uma das referências da publicidade nos anos 90. A indústria da moda, de fato, mergulhou na onda nostálgica. “Começamos estudando quais eram os hábitos e para quais fins aquela moda era usada”, explica Fernanda Feijó, diretora de estilo da Lojas Renner. “Em seguida, transportamos essa indumentária para os tempos atuais e percebemos ali quais são as características que cabem para os dias de hoje.” O apelo saudosista tem aderência porque a moda é, historicamente, uma forma de conexão com outras épocas — arrasta-se para o presente todo um pacote de ideias, sensações e produtos, como ocorre com os 90, ou apenas meros detalhes, como as miçangas do tempo de flower plower sessentista e setentista que retornaram de outro jeito (leia na pág. 74). “Busca-se alguma conexão com parte do passado, por causa da pandemia”, afirma Mariana Moraes, gerente sênior de marketing da C&A.

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NA TV – Resgate: clássico da década de 90, a série Anos Incríveis será refilmada – (-/Reprodução)
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Os anos 90 também foram marcados por grandes mudanças na tecnologia. Se hoje em dia o que se vê na indústria é uma disputa voltada para novas funções para os displays dos smartphones e atribuições alinhadas ao que o 5G pode oferecer, naquele tempo as demandas dos consumidores eram outras. Os dispositivos móveis funcionavam apenas para chamadas telefônicas. Em 1996 chegava ao mercado o Nokia 9000 Communicator, o primeiro celular com acesso à internet — mas só para quem vivia na Finlândia, país de origem da marca. A Motorola teve como uma das alavancas de vendas o Startac, lançado em 1996 e que tinha como atrativo o design clamshell (ou concha). O modelo evoluiu para o V3, base para o novo Razr, smartphone com tela dobrável que aportou no mercado brasileiro em fevereiro passado.

No Brasil, a década de 90 teve dois fatos marcantes. Em 1992, Fernando Collor de Mello, envolvido em denúncias de corrupção, renunciou à Presidência. Em 1994 entrava em vigor o Plano Real. No mesmo período, o Brasil ouvia sem parar hits como O Canto da Cidade, de Daniela Mercury, e Borbulhas de Amor, de Fagner. A década, contudo, foi bem mais eclética na área musical, com sucessos dos Mamonas Assassinas, bandas de grunge, grupos de Axé, o avanço do sertanejo e o surgimento de vários representantes do pagode — ritmo retomado hoje em dia com a projeção de nomes como Ferrugem e Dilsinho.

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TÚNEL DO TEMPO - Loja Blockbuster: aluguel para quem quer assistir a filmes (-/Divulgação)
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Assim como na música, os anos 90 inspiram recriações também no cinema e na TV. Recentemente, Larry Houston, diretor da série animada X-Men, admitiu estar em negociação com a Disney, dona da Marvel, para novas produções com Wolverine e companhia. Também faz parte das apostas da onda revival a nova versão da série Anos Incríveis, sucesso na década de 90. A produção, protagonizada por uma família dos anos 60, ganhará no remake atores negros, uma adequação importante em uma época marcada pelas discussões raciais.

Essa homenagem aos anos 90 e a busca por segurança, por aquilo que conhecemos e nos conforta, vem se desdobrando até em negócios que promoveram uma ruptura em seus setores. A tentativa de resgatar lembranças singelas do passado levou, por exemplo, a inovadora Airbnb a colocar em sua plataforma o anúncio do aluguel, por uma noite, da última loja Blockbuster nos Estados Unidos. Ela fica em Bend, no Oregon, e está decorada com todos os adereços que fizeram a fama da rede, além de sofás-cama para que os interessados se acomodem para ver clássicos do cinema dos anos 90. Ou seja: se vir alguém de pochete e calça baggy por aí comentando filmes e séries do passado, saiba que quem está fora de moda é você.

Publicado em VEJA de 19 de agosto de 2020, edição nº 2700

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