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‘O Jovem Hitler’ vai da formação política à vida sexual do nazista

O livro do australiano Paul Ham ilumina fatos como a atuação do ditador na I Guerra e mostra como suas ideias vingaram na Alemanha em crise

Por Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 mar 2020, 10h55 - Publicado em 6 mar 2020, 06h00

Na juventude, Adolf Hitler viveu situações de atração e repulsa pelo sexo oposto. Transcorria a primavera de 1906 quando o então adolescente da cidade austríaca de Linz anunciou a um amigo que estava apaixonado. A escolhida era uma garota mais velha, alta e loira. O fato de Stefanie Isak ter sobrenome judeu mostra que, aos 17 anos, o futuro condutor das atrocidades nazistas ainda não exibia nem sinal do ódio que ceifaria 6 milhões de vidas no Holocausto. Ao contrário: por quatro anos, Hitler escreveu róseas cartas de amor para sua paixão judia. Nunca, no entanto, chegou a enviá-las nem a se declarar a Stefanie: o encanto platônico se quebrou quando ela se casou com outro. Mais tarde, nos anos conturbados da I Guerra Mundial (1914-1918), o combatente Hitler revelou-se incomodado com a ideia de fazer sexo com mulheres. Na reta final da fragorosa derrota alemã, aos 29 anos, ele usou de um argumento já bem próximo de suas infames teses racistas para rechaçar o convite para uma noite de prazer em companhia de belas francesas. Deitar-se com estrangeiras no front seria, em sua visão distorcida da realidade, trair a “nacionalidade” alemã.

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Enquanto os colegas arrasados pela experiência da guerra buscavam válvulas de escape na bebida e nas farras, Hitler era objeto de chacota por manter-se crente na vitória e inquebrantável na vontade de lutar. “Vocês ainda vão ouvir muito sobre mim”, vociferava. Os trechos de O Jovem Hitler, do jornalista e historiador australiano Paul Ham, demonstram que já era possível vislumbrar o homem que o mundo tristemente viria a conhecer nas histórias frugais sobre a descoberta do amor ou nas suas dificuldades em se iniciar sexualmente.

NO FRONT – Hitler (à dir.), um colega e seu cão: a guerra como escola do ódio (AKG/Fotoarena)

Poucas figuras históricas tiveram a vida tão esquadrinhada quanto o líder nazista. Além das biografias monumentais de autores como o alemão Joachim Fest e o inglês Ian Kershaw, há um sem-número de livros que abordam desde a saúde do ditador da Alemanha até a suposta influência de drogas sobre seu comportamento cruel. Quem precisa, enfim, de mais uma biografia de Hitler? Paul Ham prova que vale insistir na investigação do personagem. Seu livro ilumina fatos obscuros, como a paixonite de Hitler pela moça judia. Com lances desenterrados de sua atuação na I Guerra, põe ainda em evidência uma fase bastante estudada, mas pouco valorizada: os anos de formação do político Hitler. “Nenhum biógrafo até hoje deu a merecida ênfase a seus tempos como soldado no conflito que ele próprio definia como essencial para forjar quem era”, diz Ham.

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Para traçar um retrato de Hitler quando jovem, o autor navega em águas turvas: é preciso separar os fatos de fake news nos relatos de gente disposta a bajular ou difamar o líder nazista. A disposição feroz do Führer em dourar lances de seu passado e apagar detalhes inconvenientes — o que incluía a eliminação de testemunhas e antigos companheiros — é outro complicador. Remando nesse mar de contradições, Ham consegue extrair uma visão palpável do garoto que adorava a mãe, mas temia e desprezava os modos “cosmopolitas” do pai violento; do adolescente que sonhava em ser pintor, mas sobrevivia da venda de cartões-postais de paisagens junto com um amigo trambiqueiro; e dos obscuros dias de juventude em que Hitler, no fundo do poço, vivia como mendigo nas ruas de Viena.

O JOVEM HITLER,  
de Paul Ham (tradução de Leonardo Alves; Objetiva; 304 páginas; 64,90 reais e 39,90 reais na
versão digital) (./.)

Ainda que “sujo e maltrapilho”, o jovem Hitler dava pistas sugestivas de seu futuro por meio da personalidade irascível, do gosto por debates acalorados e da intolerância agressiva com que defendia seus preconceitos arraigados — embalados com teorias conspiratórias vindas de uma profusão de pseudopensadores que foram equivalentes d’antanho de um Olavo de Carvalho. Mesmo nesses rompantes de fúria, porém, era visto só como um pobre-diabo ou louco. Foi a participação na I Guerra que mudou tudo — não no sentido de moldar a personalidade de Hitler, como muitos erroneamente o disseram, mas por criar condições para que o populista autoritário afinal desse vazão a suas ideias. Hitler revelou-se um soldado de bravura, sem medo de se colocar em risco extremo ao atravessar os campos abertos em meio a trincheiras para atuar como mensageiro. Recebeu duas condecorações como herói — uma das quais mais tarde recusaria por ter sido concedida por um oficial judeu.

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Mais que a ação na guerra, foi o gosto amargo da derrota que fez nascer o Hitler que se conhece. Cegado momentaneamente por um ataque de gás de mostarda, ele estava de olhos vendados no hospital ao receber a notícia da humilhante queda alemã. Dali em diante, combinaria sua revolta e a capacidade atroz de iludir as massas para inflamar o ódio em discursos teatrais que atraíam hordas de alemães da classe média devastada pela guerra a eventos em praças e cervejarias de Munique. Políticos e intelectuais da época viam-no como uma criatura bizarra — e deu no que deu. Conhecer de perto O Jovem Hitler traz uma lição valiosa: é fácil enxergá-lo como um monstro, mas bem mais realista (e perturbador) percebê-lo como porta-­voz de monstruosidades que cidadãos ilibados não hesitaram em abraçar durante o caos social e econômico. “Hitler não ascendeu à posição de líder: a sociedade alemã se rebaixou a seu nível”, diz Ham. Numa era em que ideias fascistas voltaram a vicejar, não custa prestar atenção nesse alerta.

Publicado em VEJA de 11 de março de 2020, edição nº 2677

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O Jovem Hitler, de Paul Ham

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Hitler, de Ian Kershaw

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