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O indelével legado de Elza, Gil e outros excluídos pela Fundação Palmares

Artistas serão retirados da lista de homenageados da entidade — apagar a admiração conquistada por gente de tanto talento é que será difícil

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 16 nov 2020, 17h04 - Publicado em 12 nov 2020, 18h06

Pouco mais de uma semana antes do Dia da Consciência Negra, celebrado no dia 20 de novembro, o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, publicou uma portaria no Diário Oficial da União estabelecendo as regras para a seleção das pessoas negras que devem ter uma biografia no site da entidade. A principal regra, que passa a valer a partir de 1º de dezembro, diz que apenas homenagens póstumas poderão fazer parte do site. Com isso, os textos sobre algumas personalidades fundamentais para a cultura brasileira (e que ainda estão vivos) serão excluídos, como Elza Soares, Gilberto Gil, Sandra de Sá, Leci Brandão, Martinho da Vila, Milton Nascimento e Zezé Motta.

Ao todo, o site conta com apenas 92 biografias, não só de brasileiros, como também de estrangeiros, como Malcolm X e Martin Luther King. O que se esperaria da Fundação Palmares seria justamente o contrário. Em vez de cortar nomes, que expandisse essa lista. Quer um exemplo? Pelé não tem uma biografia por lá. Por enquanto, os textos das personalidades vivas continuam no ar.

Um rápido resumo não seria suficiente para dar conta da quantidade de realizações que esses artistas fizeram para a cultura do país. Como apagar a contribuição que Elza Soares teve para o samba em seus 90 anos de idade e 70 de uma irrepreensível carreira musical? Nascida em uma favela carioca, ela sempre sofreu preconceito e, entre os anos 60 e 80, sofreu também violência doméstica ao ser agredida várias vezes pelo marido (o jogador de futebol Garrincha). Nem por isso ela desistiu, se reinventando inúmeras vezes. Na mais recente delas, Elza surgiu como uma importante voz contra o racismo e o feminicídio e lançou o elogiadíssimo álbum Mulher do Fim do Mundo. Além, obviamente, de nunca ter deixado de ser uma baita cantora. Martinho da Vila é outro exemplo. Não à toa, ele será tema do samba de enredo da Vila Isabel no Carnaval de 2021 (quando a pandemia permitir). Martinho é autor de divertidos sambas como O Pequeno Burguês, de 1969, que continua mais atual do que nunca. Nela, ele celebra ter passado no vestibular, mas como a faculdade é particular, lamenta não conseguir pagar.

Nada disso, porém, parece se relevante para Sérgio Camargo. Ainda de acordo com a portaria assinada por ele, os outros critérios para inclusão na lista de homenageados são: “relevante contribuição histórica no âmbito de sua área de conhecimento ou atuação”, “os princípios defendidos pelo Estado brasileiro” e “outros critérios que poderão ser avaliados, de forma motivada, no momento da indicação”. Para bom entendedor, o critério que prevalece é: “vai entrar quem o presidente da Fundação Palmares quiser que entre”. Afinal, o que quer dizer “princípios defendidos pelo Estado brasileiro?” A portaria não explica.

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O próprio texto dos biografados vivos no site da fundação contém justificativas mais do que suficientes para que eles estejam ali. Por exemplo, o título da biografia de Gilberto Gil o considera “sinônimo de música brasileira”. Exilado pela ditadura e autor de Aquele Abraço, Gil não teria, portanto, defendido os princípios do Estado brasileiro? Já no texto de Leci Brandão diz que ela é uma das intérpretes mais importantes de samba do Brasil. Ela não teria, então, uma “relevante contribuição histórica”?

Ao incluir o critério de só fazer biografias póstumas, Camargo encontrou a desculpa perfeita para excluir nomes de personalidades que estão mais alinhadas a esquerda do espectro político — logo, a maioria dos homenageados no site. Gil foi Ministro da Cultura no governo de Lula, Leci Brandão é deputada estadual por São Paulo pelo Partido Comunista do Brasil, bem como Martinho da Vila, também é filiado ao PCdoB.

Falta a Camargo entender que o legado desses artistas vai muito além de um simples botão de “delete” no site da fundação: Gil, Elza, Leci e companhia são patrimônios culturais do Brasil. E isso não pode ser apagado por meras desavenças políticas.

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