Rodrigo Zuleta.
Berlim, 15 nov (EFE).- A relativa proximidade do centenário da morte de Karl May, que será lembrado no dia 30 de março de 2012, já é motivo suficiente para o lançamento de duas biografias sobre o autor de ‘Winnetou’ e ‘Old Surehand’, além de mais uma série de homenagens e publicações.
A obra do escritor alemão Karl May, composta exclusivamente por romances de aventuras, é uma das mais vendidas na história da literatura. No total, May vendeu mais de 200 milhões de livros no mundo inteiro, número que só é superado por Agatha Christie e J.K.Rowling.
No entanto, a grande recepção do público esteve geralmente acompanhada de certo desprezo por parte da crítica especializada, já que as fronteiras entre literatura culta e a popular foram mais rígidas na Alemanha que em outros países europeus.
Helmut Schmiedt, atualmente professor de Filologia Germânica na Universidade de Koblenz, foi uma exceção neste aspecto. Desde o começo de sua carreira, o acadêmico se ocupou em analisar tanto a obra do pensador Johann Wolfgang von Goethe como os romances de Karl May com a mesma proposta.
Sua tese de doutorado, apresentada na Universidade de Bonn no final dos anos 1970, comprova sua vocação logo no título: ‘Karl May: Estudos sobre a vida, a obra e a repercussão de um escritor de sucesso’.
Agora, próximo ao centenário da morte do autor, o mesmo Schmiedt acaba de publicar a biografia ‘Karl May e o Poder da Fantasia’.
O título mostra certa ambiguidade, já que a fantasia citada pode estar relacionada à criação literária, mas também à condição de impostor do autor, que em um dado momento de sua carreira apresentava as aventuras de seus personagens como se ele mesmo as tivesse presenciado.
Em sua tese, Schmiedt mostra que essa atitude de May era um reflexo de sua personalidade narcisista, atitude que o impossibilitava de distinguir o que era realidade e o que era ficção.
Já a segunda biografia, escrita pelo jornalista Rüdiger Schapper, deixa claro já no título sua condição de impostor: ‘Karl May: Súdito, Impostor e Super-Homem’, publicada pela editora Siedler de Munique.
Ambas as biografias descrevem a evolução de May, que nasceu em uma família pobre e acabou entrando em um mundo de pequenos crimes na juventude, fato que o levou à prisão e fez com que começasse a escrever.
Os dois livros também mostram que a obra de May foi absorvida por diferentes ideologias. Os nazistas, por exemplo, tiveram uma atitude ambivalente perante May.
Embora o próprio Adolf Hitler tivesse ‘Winnetou’ como um modelo para a juventude alemã, muitos de seus aliados viam nos livros do escritor uma glorificação da mistura de raças.
Na esquerda, houve quem acusou May de ser propagandista do imperialismo. Porém, outros viam suas obras como um elemento libertador, relacionado com o mito do bom selvagem de Jean-Jacques Rousseau.
O filósofo Ernst Bloch – cuja obra serviu de inspiração para a Escola de Frankfurt e o movimento estudantil dos anos 1960 e 1970 -, dizia que em matéria de cultura só existiam ‘Karl May e Hegel, já que tudo que há no meio é uma mistura impura’. EFE