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Marisa Monte: ‘Não acho que eu tenha um estilo musical’

Dez anos depois de seu último disco de inéditas, cantora lança 'Portas', um álbum-conceito com parcerias novas e antigas

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 16 jul 2021, 11h17 - Publicado em 6 jul 2021, 11h00

Desde o álbum O Que Você Quer Saber de Verdade, há dez anos, Marisa Monte não lançava um disco solo de inéditas — porém, não parou de trabalhar. De lá para cá fez gravações ao vivo e lançou coletâneas, fez um novo álbum com os Tribalistas e caiu na estrada com eles antes de embarcar em uma turnê com Paulinho da Viola. Na última quinta-feira, 1º, Marisa satisfez os fãs e finalmente lançou um disco de inéditas, Portas, com parceiros de velha data, como Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes, e outros mais novatos como Silva, Marcelo Camelo e Chico Brown, filho de Carlinhos, que assina com ela cinco faixas inéditas.

Em entrevista a VEJA, feita por Zoom, a cantora falou de seu processo de composição, da criação de um álbum-conceito e das parcerias. Leia a seguir:

Você é uma artista bastante discreta. Como é o assédio dos fãs nas ruas? Geralmente, quando eu sou abordada, é com muito carinho. É sempre muito bem-vindo. Acho que as pessoas associam a minha imagem a uma coisa positiva. Mas eu vou nos lugares que eu quero ir. Ando muito sozinha. Eu acho que dá uma certa agilidade e não abro mão. Vou à farmácia, padaria, shopping, supermercado. Nunca deixei de fazer nada por ser conhecida. Eu não posso terceirizar a vida. Sou eu mesma que tenho que viver. 

Arnaldo Antunes está presente em várias composições deste álbum. Como é sua relação com ele hoje? O Arnaldo é meu amigo. A primeira vez que trabalhamos juntos foi em 1990. Antes disso, eu já era fã dos Titãs. Eu ia em todos em shows aqui no Rio. Era louca por eles. Quando comecei a compor para o meu segundo álbum, a primeira pessoa que eu quis me aproximar e fazer uma parceria foi o Arnaldo. Fui à casa dele e levei uma fita K7 com duas músicas. Nesse mesmo dia, ele me deu Volte Para o Seu Lar, que é dele e eu gravei no disco Mais. Compomos juntos com o Arto Lindsay a música Beija Eu. Ao longo dos anos, ganhamos intimidade. Hoje em dia, é uma relação muito fluida e criativa. Nos falamos sempre. Não imagino meu cancioneiro sem a presença do Arnaldo e sem o Carlinhos Brown. 

A música Portas pode ser interpretada com o sentido de que há uma saída da pandemia? Essa música já estava pronta antes mesmo do retorno dos Tribalistas, em 2019. Ela fala de oportunidades, de escolhas e de decisões. Ela era uma música boa há cinco anos e ela é boa hoje. É um assunto que está sempre presente na vida da gente. Todo mundo sempre tem que decidir, escolher, tomar coragem, optar.

Quando você fala de escolhas, Portas também pode ser entendida como uma metáfora política? Sempre vai caber metáforas pessoais e coletivas. Para um jovem que está decidindo qual faculdade fazer, vai caber na vida dele também. A obra é impactada pelo momento em que ela vem ao mundo. Por exemplo, a música Calma também é de três anos atrás. É uma música que eu fiz com o Chico Brown. Não é uma música sobre o momento. É uma música sobre o relacionamento de duas pessoas. É meio uma “DR”. E ela também, nesse momento, pode ter outra leitura. Está muito além do nosso controle. Não poderia imaginar aquelas músicas no contexto de hoje. 

Por falar em Chico Brown, filho de Carlinhos Brown e neto de Chico Buarque, neste álbum é ele seu grande parceiro. Como foi compor com ele? Eu vi o Chico Brown nascer. Eu ia à casa do Carlinhos e da Helena em Salvador e o Chiquinho tocava o dia inteiro. Com um ou dois anos, ele ficava com um tamborzinho batucando pela casa. E cada ano que eu ia lá, ele estava com um instrumento novo. Ele tem ouvido absoluto. É um assombro. O Chiquinho sempre esteve por perto. Foi muito natural. Agora ele mora no Rio e a gente começou a se encontrar, independentemente do Carlinhos. As músicas começaram a surgir. É um encanto na vida poder ver uma pessoa nascer e estar viva para ver ele se tornar o seu parceiro. E um parceiro incrível!

Todos os seus discos e shows têm a sua assinatura e são embrulhados em um conceito que vai além da música. Como é seu processo de composição? Primeiro, eu faço as músicas e eu preciso gostar delas o suficiente, porque eu vou me relacionar com elas pelo resto da minha vida. Quando eu gravo algo, eu estou me comprometendo com aquilo. Tem que ser uma relação de amor de longo prazo. Não acho que eu tenha um estilo musical. O que une tudo é a minha voz. Depois, eu começo a pensar no álbum visual. Aí, entrou a Marcela Cantuária. Ela é uma pintora jovem, uma artista plástica em ascensão. Ela fez uma série de pinturas chamadas Portas enquanto ouvia as minhas músicas. Ela criou todo esse universo pictórico cheio de detalhes. No final, tem que ter a minha assinatura. Eu preciso estar confortável com tudo.

Marisa Monte em frente a Escola de Música da UFRJ -
Marisa Monte em frente a Escola de Música da UFRJ – (Leo Aversa/Divulgação)

Um álbum como o seu vai na contramão do que é feito na música pop hoje, com lançamentos esporádicos de singles no streaming . Como vê isso? A música deixou de ser um produto que você compra. Ela deixou de ser um objeto: um LP ou CD que levamos para casa e escutamos, para se tornar um serviço que você acessa. Esse formato de álbum, remete um pouco ainda ao formato físico. Mas as pessoas podem fazer como elas quiserem. Eu não tenho absolutamente nada contra singles. Eu acho que alguns álbuns são álbuns. Como o álbum dos Tribalistas. Ele era um corpo de trabalho que tinha uma conexão entre si: todas as músicas são dos três. Posso, um dia, querer lançar um single. Mas para este álbum, não tinha como soltar um bando de singles. É uma coisa que tem a ver com um contexto específico. 

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Na faixa Elegante Amanhecer, mais uma vez, você homenageia a Portela. Virou uma tradição cantar para a escola de samba em todos os seus discos? A Portela é uma história de família. Nasci numa casa portelense. Essa música foi feita com o Pretinho da Serrinha, que é da Império Serrano. Ele me procurou dizendo que o desfile da escola em 2020 foi lindo e disse que queria fazer um samba comigo sobre a Portela. Eu não tinha visto o desfile. E ele foi me contando como foi e a letra foi saindo. Fizemos esse samba em um dia. Eu disse que, agora, ele tinha que virar o Pretinho da Portela. Ele respondeu que era para eu falar nas entrevistas que a letra é toda minha (risos)

Raramente você tenta se reinventar. Gal Gosta, por exemplo, flertou com o rock, com a dance music. Adriana Calcanhotto gravou funks, raps e música pop. Você não se vê caminhando por essa área, de repente, uma parceria com Anitta ou Pabllo Vittar? Eu sou muito aberta. Eu me identifico com a tradição da canção. Eu acho que eu sou muito melódica. Sou uma cantora de palavras cantadas. Não vejo limites. Eu posso gostar da música, mas ela tem que gostar de mim. Procuro as músicas que gostam de mim. Desde que a música goste de mim, está tudo certo. 

Como você se relaciona com seus grandes hits do passado, como Ainda Lembro, Bem que Se Quis, Amor I Love You? Essas músicas já não são mais minhas. Elas fazem parte da vida das pessoas. Eu fico muito feliz de poder cantar músicas que fazem parte da vida das pessoas. Sempre acho que ainda existem muitas músicas novas no futuro. Mas eu não abro mão da minha história. As músicas estão aí e são patrimônio coletivo. Eu amo ouvir o coral dos fãs nos shows cantando as músicas em uníssono. Todo coral é sempre afinado e isso me dá fé que a humanidade está em harmonia. A música me dá esse exemplo.

Na música, quem você chama de professores? São os mestres: Dorival Caymmi, Paulinho da Viola, João Gilberto, Caetano, Gil, Djavan e Erasmo. Os Beatles, Bob Marley, Stevie Wonder, Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Maria Callas e Carmen Miranda. Essa que é a minha base e foi o que me formou. Tenho escutado muito Angela Ro Ro também. Ela é incrível.

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