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Lori Gottlieb: ‘A pandemia nos fez dar mais atenção para a saúde mental’

Em conversa a VEJA, psicóloga por trás do best-seller 'Talvez Você Deva Conversar Com Alguém' fala sobre o impacto do isolamento no emocional humano

Por Tamara Nassif
15 jun 2021, 17h12

Dentre os muitos vocábulos que a pandemia colocou na boca do povo, um deles virou assunto de ordem: saúde mental. O isolamento, combinado a um noticiário cada vez mais assombroso, elevou em 90% os casos de depressão no país, segundo estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) ainda no ano passado. Um outro dado – este, mais leve – correu em paralelo: desde agosto de 2020, o best-seller Talvez Você Deva Conversar Com Alguém, da psicóloga americana Lori Gottlieb, vendeu mais de 40.000 cópias em solo nacional e é recorrente na lista de mais vendidos de VEJA. No livro, a autora discorre sobre quatro pacientes que passam por seu consultório, enquanto ela mesma relata suas próprias consultas quando se vê na necessidade de cuidados terapêuticos.

Em entrevista a VEJA, Lori Gottlieb reflete sobre a prática da terapia, incluindo tabus e mitos, e o impacto que a pandemia pode ter na saúde mental – mesmo quando emergirmos dela. Confira a entrevista abaixo:

Por que decidiu escrever esse livro? Em Talvez Você Deva Conversar Com Alguém, eu conto sobre como eu estava escrevendo um livro diferente que falava sobre felicidade – e estava miserável. Sentia como se houvesse uma desconexão tremenda entre o que eu escrevia e o que eu via todos os dias no meu consultório, e descobri que, na minha rotina de trabalho, estava vendo algo muito mais esperançoso e inspirador do que qualquer coisa que eu pudesse escrever sobre o tema. No fundo, ser feliz não é o objetivo final, mas um subproduto do viver de maneira significativa. É isso que eu faço enquanto terapeuta: ajudo meus pacientes a se encontrarem em todos os espectros de suas humanidades. Percebi que tinha uma experiência única de ouvir relatos e ter conversas muito abertas e vulneráveis, e decidi relatar a vida de quatro pacientes muito diferentes. Mas, como a minha maior credencial é ser uma humana neste planeta, percebi como a minha própria história, fazendo terapia, poderia ser acrescentada ao livro – e aí, virei o quinto paciente. 

Antes de ser psicóloga, você era produtora na rede de televisão NBC e até trabalhou em séries como Friends e Plantão Médico. O que te fez mudar de profissão? Enquanto eu trabalhava lá, uma das séries que acompanhava seguia o dia a dia de uma sala de emergência em um hospital, e, como parte da rotina de trabalho, eu mesma passava uma boa quantidade de tempo nos hospitais para pescar alguns detalhes e trazer mais veracidade à trama. Ao lado de um médico, que trabalhava como consultor na série, descobri que estava muito mais interessada no que acontecia lá do que no que eu faria com aquele material. Eram histórias humanas reais, que contam sobre o que acontece com as nossas vidas frente ao inesperado – afinal, o que é mais inesperado do que ter que ir a uma sala de emergência? Então o médico me disse: “Você parece mais interessada aqui do que no seu trabalho. Por que não faz medicina?” E decidi seguir o conselho dele. Fiz aulas preparatórias, me demiti da NBC e entrei na escola de medicina de Stanford. Lá, enquanto descobria as entranhas do sistema de saúde dos Estados Unidos, percebi que queria acompanhar meus pacientes de forma mais atenta, contínua, e saí da faculdade para ser jornalista. Achei que o exercício de contar histórias me bastaria, mas, quando tive um filho, senti falta de ter conversas mais adultas. Liguei para a reitora de Stanford e voltei a estudar, dessa vez psicologia, e foi assim que virei terapeuta. Sinto que deixei de contar as histórias de pessoas, enquanto jornalista, para ajudar a editarem suas histórias, como terapeuta.

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Por que a terapia continua sendo um tabu? Acho que boa parte das pessoas tem medo. Em primeiro lugar, existem  mitos que rondam a prática terapêutica, em especial sobre como conversar com alguém pode ajudar. No livro, e em um podcast que lancei recentemente, isso se clareia, porque eu relato o dia a dia do consultório e o que exatamente acontece lá. Não é um bicho de sete cabeças. Outro motivo é que existe uma espécie de hierarquização da dor: muitos pensam que precisam estar em uma grande crise, ou no fundo do poço, para fazer terapia. Ouço sempre um “tenho comida e um teto, então meus problemas não são tão ruins assim”. Não é preciso estar em uma situação dramática e assombrosa para conversar com um psicólogo, porque terapia é ter uma boa segunda opinião sobre a sua vida, dada por quem não tem um vínculo afetivo com você. Quando quebramos um braço, ou sentimos uma dor no peito, não pensamos em não ir para o hospital porque “existem pessoas no estágio 4 do câncer”. O mesmo tem que ser feito em relação a nossa saúde emocional: não espere sua tristeza aumentar para procurar um terapeuta, porque você terá sofrido desnecessariamente e, quem sabe, seu tratamento pode ser até mais difícil por não ter sido iniciado quando os sintomas despontaram primeiro. 

A pandemia tornou a saúde mental um assunto de ordem. Na volta ao “velho normal”, acha que o estigma sobre a terapia pode mudar? Com certeza. No livro, temos a personagem Julie, que começa a fazer terapia por causa de um diagnóstico de câncer. Para muitas pessoas, foi assim com a Covid-19. Antes da quarentena, era normal priorizar a saúde física e renegar a mental, usando tempo, dinheiro e disposição como desculpas. A pandemia nos fez dar mais atenção para a saúde mental, em vez de olhar para ela como um luxo. A saúde mental é um fator que influencia todos os outros na nossa vida. O fato das sessões serem online com certeza ajudou também, porque mostrou que não era preciso se deslocar para ter a ajuda necessária. Muitas das barreiras foram derrubadas, e é bem provável que essa atenção especial para a mente perdure. 

De traumas a aprendizados, que tipo de legado a pandemia pode deixar na sociedade quando finalmente acabar? Acho que, como qualquer outro tipo de trauma, temos de ser sensíveis a quanta exposição teremos de uma vez. Muitas pessoas terão ansiedade ao andar na rua e verão todo outro humano como um patógeno em potencial, enquanto outras não estarão preparadas para tirar máscaras em espaços públicos ou visitar eventos apinhados de gente. Nós não convivemos com pessoas há bastante tempo – especialmente as crianças, que podem não estar prontas para voltar para a escola depois de dois anos em confinamento. Nossas habilidades sociais certamente decaíram. Mas, ao mesmo tempo, a pandemia nos ensinou como a vida é preciosa e tem uma taxa de 100% de mortalidade. Em meio a tanto sofrimento e devastação, pudemos perceber o que realmente importa individualmente, e poderemos pôr em prática hobbies e outras atividades que percebemos serem de fato significativas. Existe até um impasse: algumas pessoas estão com medo de falar sobre as coisas positivas que vivenciaram nesses tempos sombrios. Eu digo que um não impede o outro. É possível reconhecer o saldo positivo de uma situação terrível sem minimizá-la. 

O que pensa sobre quem usa a saúde mental como justificativa para desrespeitar protocolos de segurança para a Covid-19, por exemplo ao ir em festas clandestinas e visitar bares lotados? A pandemia coloca na mesa alguns fatores que dificultam, e muito, o contato direto, olho no olho. Isso pode ser complicado para quem depende desse tipo de interação para ficar bem, mas existem formas seguras de encontrar essa conexão sem que se crie uma situação sanitariamente insegura. É muito importante cuidar da saúde emocional, mas não existe desculpa para se expor ao perigo, ou expor outros ao perigo. Se não estar seguro é a opção menos pior, comparada a se manter em isolamento ou encontrar formas diferentes de se conectar com outras pessoas, provavelmente a melhor solução é o título do meu livro: talvez você deva conversar com alguém. 

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