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Karen Jonz e o sucesso como comentarista na TV: ‘Sou rápida no gatilho’

Em entrevista a VEJA, tetracampeã mundial de skate fala sobre o aumento do interesse pelo esporte e a fama nas redes com narração das Olimpíadas

Por Amanda Capuano Atualizado em 5 ago 2021, 12h30 - Publicado em 5 ago 2021, 12h04

Estreante na Olimpíada de Tóquio, o skate conquistou os espectadores brasileiros e movimentou as redes sociais. Nomes como Rayssa Leal, Letícia Bufoni e Pâmela Rosa ganharam uma dimensão até então inédita entre os que não acompanhavam com afinco o esporte. Mas longe de Tóquio, outra skatista ganhou visibilidade e viralizou na internet com seus comentários afiados sobre as competições, pelo canal SporTV: Karen Jonz.

Aos 35 anos, a santista é tetracampeã mundial da modalidade skate vertical — que não entrou nos jogos olímpicos. Karen foi a primeira brasileira a trazer o caneco para o país, em 2006. Quando começou, no final dos anos 1990, a simples ação de subir em um skate já era um desafio quase olímpico para as mulheres. Em entrevista a VEJA, ela conta que, apesar de seus feitos terem sido fundamentais para o skate feminino, muitos passaram a conhecê-la apenas agora, pelo seu jeito divertido e sem filtros como comentarista durante a transmissão das provas de skate. Isso porque, a falta de visibilidade era tanta que os seus títulos sequer foram televisionados. Confira a conversa:

Como tem sido a experiência de ser uma comentarista? É tudo novo, e está sendo muito legal. Eu aceitei o convite porque sou entusiasta do skate feminino e queria levar a melhor informação para o público, porque eu conheço todo mundo e sempre estive muito envolvida na cena. Mas eu não imaginava que ia fluir tão bem e que eu ia levar também entretenimento.

Você viralizou agora na internet, mas tem uma carreira consolidada no skate. Como era o cenário para as mulheres quando começou? Eu era uma das poucas meninas que andavam de skate, a gente não tinha apoio nenhum, éramos muito excluídas. Toda menina que tentasse andar de skate era chamada de “poser”, não tinha espaço na mídia, não tinha espaço em campeonato. Todos os campeonatos que eu ganhei, e até o último X-Games que participei, em 2010, não tiveram transmissão na TV. A única mídia que cobria era a ESPN Brasil, que fazia uma matéria depois do campeonato, então era muito difícil as pessoas ficarem sabendo. Meus títulos mundiais foram grandes conquistas, mas tem gente que está me conhecendo agora como narradora, porque na época não havia a divulgação e a exposição que teremos a partir de agora. 

Karen Jonz
Karen Jonz (à direita) durante campeonato mundial de 2005, quando ficou com o terceiro lugar. A americana Adams Hawkins, ao lado dela, venceu naquele ano. (Elsa/Getty Images)

O que mudou no meio do caminho para que o skate virasse um fenômeno também entre as mulheres? Não foi uma coisa do dia pra noite, foi uma construção. Foram gerações e gerações derrubando barreiras. Quando eu comecei, não havia sequer banheiro feminino em campeonato, nós tivemos que reivindicar até isso. Também não havia premiação igualitária para homens e mulheres. Isso foi uma discussão até recente aqui no Brasil, antes das Olimpíadas, porque as  mulheres não tinham uma premiação igual à masculina. A gente se posicionou e conseguimos igualar, então realmente foi uma construção. 

Por que o skate tem feito tanto sucesso hoje em dia? Eu acho que era só uma questão de tempo até que todo mundo conhecesse esse lado superlegal do skate, porque, para a gente, isso era óbvio. É muito difícil não se apaixonar de alguma maneira pelo esporte. E tem uma questão de diversidade muito forte. Todo mundo consegue se identificar ali. Você pode se identificar com a Rayssa, que é uma criança, comigo, que sou mãe, e sigo derrubando barreiras, com o Kelvin, que é introspectivo e tímido, com Lana Smith, que é não-binário e gorda. Essa pluralidade faz com que o skate seja popular porque, diferente de outros esportes e atividade, ele acaba sendo para todo mundo. É democrático. 

Falando em diversidade, você trouxe isso para a transmissão usando a linguagem neutra durante a participação de Lana Smith. Como foi essa experiência? Eu conheço Lana desde criança, acompanhei essa transição, não tão de perto, então até tenho dúvidas algumas vezes na forma de falar. Mas eu achei importante falar sobre isso na televisão e respeitar a escolha dos pronomes. As pessoas se sentiram representadas na internet, mas tudo tem dois lados. Teve gente que não gostou e veio com a história de que pronome neutro não existe. Eu acho que isso é o equivalente a pessoas falarem, há anos atrás, que mulher não pode votar. Daqui a dez, quinze anos, a gente vai olhar para trás e ver o quão absurdo é isso.

Karen Jonz
Karen Jonz durante transmissão do skate SporTV (SporTV/Reprodução)

Outro comentário seu que acabou viralizando foi sobre a paternidade não ser uma questão para os skatistas como é a maternidade. Trazer essa discussão foi proposital? Nada ali foi planejado, foi tudo sem roteiro. Eu nem sei como, mas aparentemente sou rápida no gatilho na hora de responder. É engraçado porque eu sempre me achei meio lerda, e tem várias coisas que passam batido. Mas essa questão da paternidade no skate faz parte do meu universo. Eu sou mulher e skatista e sei que muitas meninas amam o skate, mas ainda convivo mais com homens. A maioria deles é pai e eu vejo a forma como eles lidam com a paternidade: deixando o filho em casa com a mãe, que fica sobrecarregada.

A gente viu a Rayssa supernovinha ganhando medalha, a Sky Brown é seis meses mais nova que ela e também é um fenômeno. É comum começar tão jovem? Sempre foi normal para os homens, mas não para as meninas. A primeira geração de skate feminino, que surgiu na Califórnia, era de mulheres mais velhas, não de menininhas. Aqui no Brasil, a gente tem até relatos de meninas que começaram a andar na rua com os amigos, mas não se profissionalizaram. Isso começou a acontecer no final dos anos 90 e 2000, que foram as meninas que formaram a cena do Brasil e levaram o skate para a vida inteira, não só como uma brincadeira de criança. Hoje, as nossas meninas vão poder levar isso como uma brincadeira de criança, porque esse é o objetivo. Mas nos anos 90, como tinha todo esse estigma, elas não eram incentivadas a andar de skate.

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E como você começou? Comecei pra valer em 1999. Eu lembro que entre 1994 e 1995 o meu primo tinha um skate e não me emprestava. Eu pedia um skate para andar e ninguém queria me dar, porque eles não entendiam. Naquela época, não era algo “de menina”, não era natural. Isso só foi naturalizado mais pra frente, depois que eu ganhei o mundial, depois que a Letícia [Bufoni] já estava na cena. Foi quando começaram a construir mais pistas, escolinhas, e os pais passaram a ver o skate como um ambiente mais convidativo para as meninas. Mas isso é algo bem recente, de 2006 para cá, mais forte nos últimos três, quatro anos. 

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As pessoas brincam muito na internet com o Charlie Brown e o Chorão, isso teve alguma influência real no skate? Teve, com certeza. Muita gente começou a andar de skate por causa do Charlie Borwn, da Avril Lavigne. Eu andei com o Chorão, cheguei a fazer tour de skate com ele. O Charlie Brown fazia shows e levava pista de skate. O Chorão era um cara que andava mesmo, ele era bom e fazia questão de levar o skate pra todo lugar. Eu sou de Santos, andei com ele nas praças de lá, fui muito influenciada pelo Charlie Brown, era super fã. Mas todas as figuras que mostraram o skate de alguma maneira, mesmo as que não eram skatistas, incentivaram muita gente a andar.

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