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Juntos até o fim

Na onda das séries fantásticas, 'Good Omens', criada por Neil Gaiman, torna difusa a linha entre o bem e o mal e subverte arquétipos bíblicos

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 17 jul 2019, 18h09 - Publicado em 31 Maio 2019, 07h00

No princípio, criou Deus os céus e a Terra — seguidos por plantas, animais, o homem e a mulher. No Jardim do Éden, assistiam de camarote ao nascimento e à queda da humanidade o anjo Aziraphale (Michael Sheen) e o demônio Crowley (David Tennant). O discípulo de Satã foi a infame serpente que causou a expulsão do casal do Paraíso. O ser angelical, em segredo, deu uma mãozinha aos banidos com a invenção do fogo. Os opostos imortais continuaram no plano terreno cumprindo ordens e aprenderam a apreciar as idiossincrasias locais. Crowley é fã de carrões potentes e bandas de rock (especialmente o Queen). Aziraphale é um bibliófilo apaixonado e, embora não precise comer, adora um bom sushi. Previsivelmente, os dois se transtornam com a desagradável notícia: o fim do mundo se aproxima.

A presença do Anticristo, ainda um fofo bebê, desestabiliza os atípicos amigos em Good Omens, nova série da Amazon Prime Video, e acentua as divergências que ambos alimentam em relação ao modo como céu e inferno administram o mundo. Mas, como avisa a atriz Frances McDormand, voz do Criador — ou melhor, Criadora —, Deus não joga dados com o universo (conhecida frase do físico Albert Einstein): ela prefere um entretenimento mais hermético, parecido com um pôquer no escuro. Nesse confuso cassino sobrenatural desenrolam-se os seis episódios da fiel adaptação de Belas Maldições (Bertrand), o primeiro romance do escritor e roteirista de quadrinhos Neil Gaiman, lançado em parceria com Terry Pratchett, em 1990. Mais experiente e cumprindo uma promessa feita ao parceiro de pena (Pratchett morreu em 2015), Gaiman entrega um roteiro que, levado à tela, supera o livro original. Sai a comédia de soluções fáceis e entra a ironia britânica, embalada por sacadas filosóficas e uma enxurrada dinâmica de referências históricas e bíblicas, subvertidas em uma espécie de teologia da cultura pop. Em uma passagem, Crowley se impressiona com a destruição causada pelo dilúvio. “Parece algo que meu chefe faria”, diz. Em outro episódio, anjo e demônio se embaralham ao discutir qual deles influenciou os jacobinos na Revolução Francesa. A linha entre o bem e o mal fica ainda mais tênue com a proximidade do Armagedon, evento que a dupla está disposta a sabotar. Paralelamente, outros núcleos somam-se à irreverência da trama. O arcanjo Gabriel (Jon Hamm) age como um CEO antipático. Os Cavaleiros do Apocalipse preferem andar de moto. Uma bruxa millennial tem planos de avacalhar o Apocalipse. E crianças adoráveis brincam no subúrbio, à moda da série Stranger Things — descontado o fato de uma delas ser o Anticristo. Mas a força motriz do elenco reside na química celestial-infernal da dupla de protagonistas. “Os dois acabam ficando parecidos. É a dinâmica das relações humanas. O mundo está literalmente acabando, mas dá para enfrentar tudo em boa companhia”, diz Tennant a VEJA.

Bom praticante da literatura fantástica, Neil Gaiman passou boa parte das três últimas décadas nos rincões da cultura nerd. Deixou esse nicho quando duas outras criações suas ganharam o streaming — American ­Gods, no Prime Video, e Lúcifer, na Netflix. Em comum, todas mostram seres mitológicos que, em essência, são muito humanos.

Publicado em VEJA de 5 de junho de 2019, edição nº 2637

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