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Incertezas protegem Woody Allen de acusação da filha

Após 25 anos de acusações e desmentidos, escândalo que envolve o diretor e seus filhos segue sem definição

Por Alex Xavier
18 jan 2018, 22h15

Em meio a tantas denúncias de assédio e abuso sexual envolvendo homens poderosos de Hollywood, mais uma vez a filha adotiva do cineasta Woody Allen com a atriz Mia Farrow vem a público para acusá-lo de molestá-la na infância. Desta vez, não por cartas abertas publicadas em jornais, mas na frente das câmeras. Na manhã desta quinta-feira, no programa CBS This Morning, Dylan Farrow reafirmou, muito emocionada, toda a história, que teria ocorrido em agosto de 1992, quando tinha 7 anos. Mesmo assim, enquanto Harvey Weinstein, Kevin Spacey e outros figurões acumulam processos, Allen nunca foi incriminado. Por quê?

Hoje com 32 anos, casada há quase oito e mãe de uma bebê, Dylan se emocionou bastante na TV. “Eu fui levada pelo meu pai a um cômodo pequeno na casa de campo da minha mãe, em Connecticut”, disse. “Ele me instruiu a deitar de bruços e a brincar com o trenzinho do meu irmão, que estava montado. Então, sentou-se atrás de mim e, enquanto eu brincava, fui abusada sexualmente”. Quase as mesmas palavras que ela usou nos textos enviados ao The New York Times, em 2014, e ao Los Angeles Times, em dezembro do ano passado.

Allen logo enviou uma nota aos jornais negando tudo. Como há 25 anos, voltou a acusar sua ex-mulher de ter plantado a ideia na menina. “Moses, o irmão mais velho de Dylan, já disse que testemunhou a mãe deles fazendo exatamente isso – implacavelmente orientando Dylan, tentando incutir nela a imagem de que seu pai era um perigoso predador sexual”, Allen atesta. “Parece que isso funcionou e, infelizmente, tenho certeza de que Dylan acredita no que ela diz.”

Em 1992, Mia e Allen, que nunca foram oficialmente casados nem moravam juntos, haviam rompido. Após 13 anos de relacionamento, ela descobriu fotos de Soon-Yi Previn, sua outra filha adotiva, nua no apartamento dele. O cineasta estava se encontrando escondido com a jovem de 19 anos, notícia que virou uma obsessão para os tabloides. Logo depois, ele foi visitar os filhos e surgiu a denúncia de pedofilia com Dylan. A menina teria contado à mãe e repetiu tudo a um médico.

Na época, já era difícil saber em quem acreditar. Por um lado, o envolvimento de um cinquentão com a filha adotiva de sua mulher, apesar de maior de idade, não ajudava a afastar dele a imagem de pedófilo. Por outro, havia discrepâncias nos testemunhos. Uma babá que estava presente na casa de Connecticut no dia do suposto crime negou que a menina ficou mais de cinco minutos longe de sua vista e colocou em dúvida a alegação de que Dylan apareceu sem calcinha após a visita do pai. O vídeo que Mia gravou nos dias seguintes com a filha contando o que teria acontecido também foi contestado, por ter muitos cortes.

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Uma equipe de médicos e psicólogos do Hospital Yale-New Haven, acionada pelos investigadores do New York State Child Welfare (responsável por investigar crimes dessa natureza), concluiu que não houve abuso. Então, o promotor do caso decidiu não levar a acusação adiante, apesar de declarar mais tarde que haveria razões para levar Allen aos tribunais. Tanto que depois ele perdeu o direito de visitar os três filhos.

As crianças, aliás, tomaram, aos poucos, caminhos opostos. Ronan ficou ao lado de Mia e de Dylan e hoje é conhecido como o jornalista da revista The New Yorker que investigou as denúncias contra o produtor Harvey Weinstein, envolvendo assédio e abuso sexuais em Hollywood. Já Moses ficou em silêncio até a irmã publicar a primeira carta, em 2014. Como resposta, acusou a mãe de passar seu ódio pelo ex-companheiro aos filhos e de condenar Dylan a repetir para sempre o roteiro que teria ensinado a menina em 1992.

Lavagem cerebral?

Seria possível que as memórias de Dylan fossem falsas? Segundo reportagem de VEJA de 2016, desde os anos 1980, juristas e psicólogos perceberam que um dos recursos usados em litígios conjugais é a implantação de memórias falsas de abuso sexual nos filhos. No século XX, estudos como o do psicólogo francês Alfred Binet, considerado pioneiro em testes de inteligência, indicavam que a memória é formada por distorções. Desde então, pesquisas apontam que grande parte das nossas lembranças é forjada.

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Normalmente, o cérebro combina eventos, fatos, sons, imagens – nossos ou alheios, o que nos possibilita viver o dia a dia. A flexibilidade das recordações permite que o ser humano aprenda coisas novas, raciocine, tenha criatividade para enfrentar as situações do presente e inteligência para compreender o passado. Uma falsa recordação auxilia a conectar episódios vividos. Tempo e influências externas tingem a memória, tornando-as adequadas ao momento vivido. Estar ansioso, triste, alegre ou apressado pode embaralhar a memória.

“Recordações dependem do que esperamos delas. Ao contrário de uma foto ou de um documento com começo e fim, trata-se de sistemas dinâmicos, com um conteúdo que se modifica ao longo do tempo”, diz o neurocientista Martín Cammarota na reportagem. “Memórias não são estáticas no tempo nem no cérebro”.

Dylan já respondeu também à afirmação do pai de que ela teria sofrido uma “lavagem cerebral”. Ao CBS This Morning, voltou a fazê-lo. “O que eu não entendo é como essa história de eu ter passado por uma lavagem cerebral é mais fácil de se acreditar do que eu dizer que fui abusada sexualmente pelo meu pai”, indagou.

Muitos atores que trabalharam com Allen têm doado seus cachês para o movimento Time’s Up, que combate o assédio em Hollywood – entre eles, Timothée Chalamet e Selena Gomez, do inédito A Rainy Day in New York. O diretor também tem sido alvo de grupos feministas, como a Plataforma Feminista de Astúrias, da Espanha, que pediu a retirada de uma estátua que representa Allen do centro de Oviedo.

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