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Holanda vai devolver Kandinsky saqueado por nazistas a herdeiros judeus

Obra foi adquirida durante II Guerra Mundial e desencadeou batalha judicial tida como a "prova de fogo" das políticas de restituição do país

Por Amanda Capuano 31 ago 2021, 10h16

A cidade de Amsterdã resolveu devolver o quadro Painting with Houses, do russo Wassily Kandinsky (1866-1944), aos herdeiros de Emanuel Lewenstein, um comerciante judeu que comprou a pintura em 1923. O Museu Stedelijk, onde o quadro ficava exposto, adquiriu a obra durante a II Guerra Mundial, em uma compra que a família alega ter sido motivada pela perseguição nazista. A batalha judicial entre o Comitê de Restituição e os herdeiros foi tida como uma espécie de “prova de fogo” para as políticas de restituição holandesas, criadas para auxiliar os cidadãos que tiveram bens saqueados pelos nazistas.

“Temos uma história como cidade e com ela vem a grande responsabilidade de lidar com a injustiça e o sofrimento irreparável infligido à população judaica durante a II Guerra”, disse Femke Halsema, prefeita de Amsterdã, em comunicado divulgado pela publicação especializada Art Newspaper. “A cidade defende uma política de restituição justa e clara, devolvendo o máximo possível de artes saqueadas aos legítimos proprietários ou herdeiros dos proprietários”, complementou Touria Meliani, vice-prefeita e responsável pelas áreas de arte e cultura.

Apesar do discurso bonito, a devolução não veio sem uma boa dose de pressão: em 2018, o Comitê de Restituição rejeitou o pedido para a retomada da posse alegando que as motivações da venda não haviam sido claras e que era preciso pesar a importância da obra para o museu e para a família. Os herdeiros recorreram da decisão e, no final de 2020, um júri de Amsterdã decidiu por manter a obra no Museu Stedelijk, o que provocou críticas de que o comitê estaria colocando os interesses das instituições locais acima da justiça às vítimas.

A repercussão foi tão negativa que o governo holandês ordenou uma revisão das políticas do Comitê de Restituição por uma equipe independente, liderada pelo ex-político Jacob Kohnstamm, que determinou o encerramento da política de “equilíbrio de interesses” que fundamentou a decisão contrária aos herdeiros no caso Lewenstein, e estipulou que “a expropriação involuntária será presumida se a expropriação ocorreu na Holanda depois de 10 de maio de 1940” – caso do Kandinsky dos Lewenstein, vendido em outubro de 1940, provavelmente de maneira forçada. Diante das novas regras, a prefeita de Amsterdã disse não haver necessidade de retomar a disputa judicial, e ordenou a devolução do Kandinsky à família.

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A decisão é um passo importante para a retomada de confiança no comitê holandês, mas o caso é apenas uma peça de uma discussão que ganha cada vez mais corpo na Europa. Entre 1933 e 1945, os nazistas operaram um elaborado sistema de aquisição de arte saqueada, com uso de uma série de regulamentações legais, decretos de autoridades e até instituições criadas especificamente para esse fim. Os judeus foram as principais vítimas – segundo um relatório de 2000 do historiador Jonathan Petropulos, tiveram cerca de 600 000 obras roubadas ou compradas de maneira forçada por valores simbólicos – durante a II Guerra nas áreas de domínio alemão. As peças eram destinadas às coleções de figuras influentes do regime nazista, incluindo o próprio Adolf Hitler, que se dizia um patrono das artes.

Em 1998, os 44 países signatários da Declaração de Washington concordaram em encontrar “soluções justas” para os descendentes e herdeiros daqueles que tiveram propriedades saqueadas pelos nazistas. A Alemanha prometeu vasculhar as coleções de museus estatais em busca de bens culturais apreendidos e devolver as obras de arte encontradas aos proprietários, mas não há um legislação específica para isso, o que deixa os casos à mercê de uma comissão especial. Mais de duas décadas depois, em entrevista à emissora alemã DW, o pesquisador Hannes Hartung estimou que até 10 000 obras de arte saqueadas ainda estejam espalhadas em coleções públicas e privadas em todo o mundo.

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No museu do Louvre, 1 700 itens expropriados pelos nazistas durante a II Guerra Mundial, e devolvidos à França ao fim do conflito, podem ser acessados virtualmente desde março, como parte do acervo virtual da instituição. Apesar de as propriedades não terem sido reclamadas por herdeiros, reter as peças no país tem gerado mal-estar à França, e o Louvre tem sido procurado pelos descendentes dos verdadeiros donos das preciosidades com o auxílio da historiadora de arte Emmanuelle Pollack, contratada especialmente para isso.

Na outra ponta da história, a Polônia aprovou no início do mês uma lei que coloca um limite máximo de 30 anos para qualquer reclamação de propriedade, o que inclui obras saqueadas durante a guerra e confiscadas posteriormente pelo governo polonês – o que, na prática, impede que os descendentes busquem retomar a posse de bens tomados pelos nazistas, já que o conflito se encerrou em 1945, há 76 anos, e o regime comunista no país foi derrubado em 1989, há 32 anos.

O presidente polonês Andrzej Duda alegou que a nova lei é um instrumento para prevenir falsas alegações, e que ela “vai pôr fim a uma era de caos jurídico” no país. Já o primeiro-ministro israelense, Naftali Bennett, declarou que a decisão polonesa representa um “desprezo vergonhoso pela memória do Holocausto.”

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