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Han Kang, Nobel de Literatura, a VEJA: ‘Nosso mundo é cheio de violência e piedade’

Autora Laureada pela Academia Sueca concedeu, em 2018, entrevista em que discute sobre as contradições humanas e a luta por dignidade

Por Amanda Capuano Atualizado em 10 out 2024, 09h02 - Publicado em 10 out 2024, 08h34

A escritora sul-coreana Han Kang foi laureada com o Nobel de Literatura nesta quinta-feira, 10. Escolhida pela Academia Sueca por sua “prosa poética que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana”, Kan é autora de livros como A Vegetariana, Atos Humanos e O Livro Branco, publicados no Brasil pela editora Todavia. Em entrevista concedida a VEJA em 2018, a autora colocou o dedo na ferida ao falar sobre a humanidade. “ Seres humanos são seres muito complicados. Eles podem fazer coisas tão horríveis, como Auschwitz, e você vê isso todos os dias nos jornais. Mas algumas vezes pessoas arriscam suas próprias vidas para salvar a vida de outros”, ponderou ela, destacando também a importância da fé e dignidade. “Temos consciência, nascemos com dignidade. Algumas situações nos fazem esquecer disso. Quero acreditar que o ser humano é digno e que a fé pode nos ajudar a seguir em frente”, disse a autora.

Confira a entrevista completa:

No livro A Vegetariana você apresenta a protagonista Yeonghye, uma jovem mulher que tem que lidar com uma grande carga de violência velada ao seu redor. Como escolheu esse tema? Eu escrevi um conto chamado The Fruit of My Wife (“O Fruto de Minha Mulher”, em tradução livre), sobre uma mulher que literalmente se transforma em uma planta. Então, seu marido começa a cuidar dela, a coloca em um vaso. Ela se transforma em uma árvore. Senti que algo estava inacabado na história e resolvi retomá-la depois de muitos anos. Imaginei essa história em que a mulher primeiro se recusa a comer, depois começa a recusar qualquer forma de violência, e por fim quer se tornar uma planta. E ela acredita realmente nisso e não ingere nada além de água. De alguma forma, é a maneira que ela encontra de se salvar. Ela não quer cometer nenhum tipo de violência.

Para você, tornar-se uma planta como alternativa à violência diz algo sobre o que é ser humano? Temos que continuar vivendo sem nos tornar uma planta, é claro (risos). Nosso mundo é cheio de violência e piedade, e a violência está em toda a história. Yeonghye não é fraca, ela é tão determinada… Queria que o leitor pudesse sentir a sinceridade de seus gestos. Queria ponderar a posição dela nesse mundo.

O que é ser humano, para você?  É uma pergunta difícil. Seres humanos são seres muito complicados. Eles podem fazer coisas tão horríveis, como Auschwitz, e você vê isso todos os dias nos jornais. Mas algumas vezes pessoas arriscam suas próprias vidas para salvar a vida de outros. Eu penso que o espectro humano é tão amplo e existem tantas pessoas cheias de dignidade. Acho que Yeonghye sofre por questionar esse espectro da humanidade, e eu também sofro por isso. Recentemente, eu quis focar na dignidade humana, vendo pelo lado mais sombrio. Eu acredito que humanos são mais que isso. Eu acredito na vida. Esta é minha opinião pessoal.

Como você se aproximou da literatura? Minha primeira identidade é como leitora, porque meu pai é um escritor. Nos mudamos muito, mas eu sempre estava cercada de livros. Mesmo se você não consegue escrever muito bem, você consegue ler. Quando eu era criança, era uma verdadeira alegria ler. Quando era adolescente, tinha muitas questões e procurava respostas nos livros, algumas vezes não encontrava. Eu gostava de entender o que o escritores estavam se debatendo para tentar descobrir. São tantas perguntas procurando respostas. Além disso, uma pessoa pode carregar muitos livros. É como carregar pessoas consigo, é como estar junto dos autores. Minha experiência me levou a fluir pelo mundo junto com os livros.

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Algum autor a marcou em especial? É difícil pensar em um escritor específico, eu amo os livros em si… difícil escolher um nome. Quando estava na universidade, gostava muito de autores latino-americanos, como Jorge Luis Borges e Octavio Paz. Mas, no geral, não consigo escolher um.

Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, você disse que sofre com enxaquecas desde criança e que não teria se tornado escritora se fosse 100% saudável. Em que momento você se deu conta disso? Não teve um momento especificamente… Não é que eu tenha me tornado escritora por causa das enxaquecas, mas acho que por causa dela aprendi a ter certa humildade ante a vida. É um fato da minha história de que não posso me esquivar, ou fazer ir embora. Talvez isso tenha me ajudado a ser mais sensível em relação aos outros: porque experimento dor física de tempos em tempos… Não quero exagerar isso também, pois não me mata.

Como é a sua relação com o seu país, a Coreia do Sul? Eu amo minha língua materna. Eu nasci em Hangul e me mudei para Seul quando tinha 9 anos. Como uma escritora, acho importante viver com o fluxo de sua língua-mãe. Para mim, é importante viver no meu país. Nasci aqui, fui educada aqui. Quando comecei a escrever, escrevia poesias… Meu país é minha língua, é meu centro mais importante. A Coreia do Sul mudou muito, e morar aqui significa ter tanto a ponderar, tanto a questionar. É muito complicado, mas é o papel dos escritores, então acho que é bom.

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Qual de seus livros você mais gostou de ter escrito? Escrevo muitos contos, mas gosto de escrever romances porque é meu jeito de me fazer questões e superá-las, seguir em frente. Sinto que eles me levam para frente, me fazem progredir. Acho que escritores sempre se sentem muito próximos aos seus livros mais recentes, então me sinto conectada a O Livro Branco (Todavia). Enquanto escrevia o livro, eu pensava em coisas muito sólidas, que não poderiam ser feridas ou destruídas, acho que estava olhando para essa parte em mim mesma. Ele me deu muita força.

Dignidade humana é uma questão cada vez mais pungente no Brasil, com escaladas de violência contra minorias durante o recente processo eleitoral. O que você diria às pessoas que receiam ter sua dignidade humana violada? Algumas vezes, temos fé ainda que não tenhamos motivos para isso. É o que somos, nascemos para ter fé. O que eu quero dizer é que temos consciência, nascemos com dignidade. Algumas situações nos fazem esquecer disso. Quero acreditar que o ser humano é digno e que a fé pode nos ajudar a seguir em frente.

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