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Exposição em SP traça linha do íntimo ao ‘surrealismo’ de Frida

Para a curadora, a historiadora de arte mexicana Teresa Arcq, Frida se ligou ao surrealismo por sua amizade com André Breton, que a levou a Paris e a apresentou a outras artistas, mais tarde influenciadas por ela – e reunidas na mostra

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 28 set 2015, 09h09

Conhecida por seus autorretratos dolorosos, sua representação da cultura mexicana e suas naturezas-mortas sensuais, Frida Khalo não é propriamente uma surrealista. Mas a sua amizade com artistas que seguiam o movimento, a começar por André Breton, seu fundador, fez com que o seu estilo único ecoasse sobre o trabalho outras pessoas. Foi daí que partiu a historiadora de arte mexicana Teresa Arcq para o recorte de Frida Kahlo – Conexões entre Mulheres Surrealistas no México, exposição aberta neste domingo, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, oferecendo uma abordagem nova para a obra da artista.

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“Muitas mostras apresentaram o trabalho de Frida entre o de outras mulheres, mas esta é a primeira exposição que explora especificamente as conexões entre Frida Kahlo e outras artistas relacionadas ao movimento surrealista”, diz Teresa, que reuniu vinte das 143 pinturas de Frida e treze de suas obras sobre papel (nove desenhos, duas colagens e duas litografias), além de fotografias de Frida feitas por Nickolas Muray, Bernard Silberstein, Martin Munkácsi e Hector García e peças de outras quinze artistas, como Leonora Carrington, Remedios Varo e Maria Izquierdo. Ao todo, a exposição tem cerca de cem obras.

Segundo a curadora, é possível fazer muitas associações entre Frida e as pintoras selecionadas para a mostra, como o pendor para o autorretrato. “É impressionante a quantidade de autorretratos que as mulheres produziram e que não necessariamente as mostravam como artistas no estúdio, como os homens costumavam se retratar. Elas exploravam o seu interior, os seus corpos. A representação do corpo feminino também é algo completamente diferente.”

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Além de seus autorretratos, Frida exerceu forte influência sobre outras artistas com suas naturezas-mortas, onde inseria elementos sexuais que não podia retratar de maneira explícita no México do começo do século XX, um país marcado pelo catolicismo e pelo conservadorismo. “Então, Frida usou a imaginação para driblar essa situação, pintando frutas que pareciam genitálias”, exemplifica Teresa.

Frida Kahlo – Conexões entre Mulheres Surrealistas no México fica em cartaz no Tomie Ohtake até 10 de janeiro de 2016, depois segue para a Caixa Cultural do Rio (de 2 de fevereiro a 27 de março) e para a Caixa Cultural de Brasília (de 12 de abril a 12 de junho). O ingresso custa 10 reais e pode ser adquirido na bilheteria do instituto (de terça a domingo, das 10h às 19h) ou pelo site Ingresse.com. Até 10 anos, a entrada é grátis.

Confira abaixo a entrevista da curadora Teresa Arcq ao site de VEJA:

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É possível dissociar a vida e a obra de Frida Kahlo? De jeito nenhum. O trabalho dela é uma narrativa autobiográfica. Mesmo as pinturas encomendadas refletem a sua visão da vida, do mundo. Esta é a razão por que é fundamental dar ênfase à sua contribuição para as artes e à influência que teve sobre outras artistas, em vez de focar tanto o drama da sua vida.

De que maneira a mostra do Instituto Tomie Ohtake vai mostrar essa relação entre a vida e a obra de Frida? O conceito curatorial é o de mostrar as diferentes conexões entre Frida e outras artistas, todas ligadas ao surrealismo de uma maneira ou de outra. Ainda que a relação entre Frida e o surrealismo seja controversa, não há dúvida de que André Breton influenciou a sua carreira e foi graças ao relacionamento deles que Frida expôs em Paris e conheceu outras artistas, que mais tarde se exilariam no México. A ideia é mostrar Frida como uma figura universal que teve uma forte influência sobre outras artistas e focar na diversidade do seu trabalho e na maneira como os diferentes temas representados por ela dialogaram com a obra de outras pessoas. A mostra começa com uma pintura que retrata o amor de Frida pelo México e por seus animais de estimação, Autorretrato com os Macacos, mas que também é carregada de um erotismo simbólico. É uma celebração da vida, mais do que um retrato da dor.

Frida hoje parece mais popular que o marido, Diego Rivera. Na sua opinião, por que isso acontece? Não acredito que a pintura mural seja menos valorizada, as obras que Diego fez no México e fora dele são muito importantes para a história mexicana, mesmo que sejam muito específicas, no sentido de fazerem parte de um momento particular, a Revolução Mexicana (1910-20), e que nem todos se sintam tocados por ela, embora muitos apreciem o seu valor artístico e histórico. As pinturas de Frida são sobre a sua vida interior, seus sentimentos, suas alegrias e dores, temas que são universais e com os quais todos podem se identificar. Ela cruzou a linha entre o público e o privado e criou uma conexão íntima com o espectador. Além disso, foi uma mulher independente, um espírito livre que criou sua própria identidade, o que era pouco usual no México e mesmo em outros países no começo do século XX. E é claro que o filme de 2002 (com a atriz mexicana Salma Hayek) ajudou a tornar a sua vida e trabalho mais conhecidos.

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A apropriação de Frida pela cultura pop não pode diminuir a sua obra? Acho que não. Seria um risco se os trabalhos feitos sobre ela não fossem sérios. Mas há muitos experts, acadêmicos e curadores que estudam a sua obra com seriedade e encontram novas maneiras de apresentá-la ao público, com foco em suas colaborações artísticas.

De tempos em tempos, a crítica passa por revisões. Como são vistos hoje, aos olhos dos críticos, Frida Kahlo e Diego Rivera? Não há um único ponto de vista. Como você diz, há revisões todo o tempo, mas os acadêmicos focam em elementos diferentes em cada leitura. No último verão, houve uma exposição no Detroit Institute of Art, focada somente na relação entre Frida e Diego durante a estadia do casal em Detroit e uma mostra no Jardim Botânico de Nova York que enfatizou o conhecimento que Frida tinha de plantas e como ela as representava, uma nova e interessante abordagem, pois ela cultivava as próprias plantas e as flores que usava para decorar o cabelo e que retratava nas pinturas.

Em tempo de selfies, como podem ser lidos os inúmeros autorretratos de Frida? Essa é uma pergunta difícil, porque selfies são usados para diferentes fins. Muitos são enviados para pessoas conhecidas para dizer onde estamos ou quem está conosco, por exemplo, outros servem para comunicar um estado emocional. E eles são rápidos, instantâneos, e podem falsos, no sentido de não revelar as verdadeiras e profundas emoções de quem os tira. Frida adotou a pintura como uma forma de catarse. Ela explorava a própria realidade e ficou surpresa quando as pessoas quiseram comprar as suas telas. Para ela, a pintura era um esforço muito íntimo e levou tempo para se desenvolver. Foi um processo de auto-observação.

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Por que as artistas reunidas na mostra investiam tanto em autorretratos? Esse é um aspecto interessante que separa a arte criada por mulheres daquela feita por suas contrapartes masculinas. O trabalho feminino tende a ser mais pessoal. É impressionante a quantidade de autorretratos que as mulheres produziram e que não necessariamente as mostravam como artistas no estúdio, como os homens costumavam se retratar. Elas exploravam o seu interior, os seus corpos. A representação do corpo feminino também é algo completamente diferente. Para os surrealistas, por exemplo, as mulheres eram musas, figuras inspiradoras, e seus corpos eram geralmente pintados com carga erótica. Já as mulheres pintam seus corpos de outra maneira, elas focam na possibilidade ou no impedimento de conceber a vida (caso de Frida) e às vezes usam o corpo para projetar sentimentos de desespero, aprisionamento, dor.

Por que a ideia de trazer outras artistas para essa mostra de Frida Kahlo? De que maneira essas outras artistas estabelecem diálogo com Frida? Muitas mostras apresentaram o trabalho de Frida entre o de outras mulheres, mas esta é a primeira exposição que explora especificamente as conexões entre Frida Kahlo e outras artistas relacionadas ao movimento surrealista, assim como demonstra como Frida foi útil não apenas para o exílio daquelas que se abrigaram no México, caso de Alice Rahon, mas também para desenvolver seu interesse pela cultura mexicana, a arte pré-hispânica e a arte popular. Frida foi uma referência importante no campo da autorrepresentação e da representação do corpo. A mostra é dividida em uma série de temas que apresentam o diálogo entre Frida e outras artistas (como ‘A natureza-morta simbólica’, ‘O corpo feminino’ e ‘O surrealismo e o inconsciente’). O conceito curatorial foi desenvolvido baseado em documentos do arquivo secreto da pintora.

Que espaço tinham as mulheres na cena cultural do México no início do século XX? A cena artística era dominada por homens, a maioria deles muralistas encarregados de redefinir a identidade mexicana através da Revolução de 1910. As mulheres não eram autorizadas a tomar parte disso. Quando Maria Izquierdo, uma das artistas presentes na mostra, foi contratada para fazer um mural em um edifício público, mesmo quando ela já tinha assinado um contrato e tinha todos os trabalhos preliminares feitos, o acordo foi cancelado por pressão de Diego Rivera e Siqueiros, que argumentaram que uma mulher não era capaz de fazer murais. Não havia galerias comerciais, a maior parte dos artistas vendia seu trabalho diretamente em seus ateliês ou em clubes e restaurantes. Foram realmente as mulheres que mudaram isso. Ines Amor criou a primeira galeria comercial na Cidade do México, a Galeria de Arte Mexicano, que sediou a Exposição Surrealista Internacional em 1940, e deu espaço às mulheres, que passaram a fazer individuais.

Por que Frida embutia erotismo em naturezas-mortas? Os quadros são inspirados nos amantes que teve? O México era extremamente conservador e católico. Pinturas eróticas nunca haviam sido exibidas publicamente. Em alguns lares burgueses, havia um espaço especial para acomodar essas telas, a maioria assinada por mestres europeus – um espaço em que apenas os homens podiam entrar. Então, Frida usou a imaginação para driblar essa situação, pintando frutas que pareciam genitálias e as inserindo em composições bem planejadas. Às vezes, essas pinturas tinham inspiração em seus amantes. A tela The Bride that Gets Scared when She Sees Life Open, por exemplo, é fruto da sua relação com Jacqueline Lamba.

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