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Estreia de ‘Bingo’ reacende mito sobre a maldição do Bozo

Filme inspirado em Arlindo Barreto, que enfrentou dramas e conflitos pessoais enquanto o personagem estourava na TV, traz à tona a face trágica do palhaço

Por Leandro Nomura
Atualizado em 7 ago 2017, 11h57 - Publicado em 7 ago 2017, 00h09

Na manhã de 10 de novembro de 1991, o extinto Diário Popular chegou às bancas com a manchete “A maldição do Bozo”. A reportagem de capa do jornal enumerava uma série de doenças, problemas e acidentes sofridos por atores que, na década de 1980, deram corpo ao palhaço mais famoso do Brasil. Vestir a fantasia do Bozo, que teve seu picadeiro armado no SBT, parecia promessa de desastre. Quase 16 anos depois, a aura de revés que ronda a figura do palhaço colorido será resgatada por Bingo – O Rei das Manhãs, filme que estreia dia 24 de agosto e tem como inspiração a história de Arlindo Barreto, talvez o mais conhecido dos intérpretes de Bozo na TV.

A troca de nome no título do longa, dirigido pelo estreante Daniel Rezende (da série O Homem da Sua Vida, da HBO Brasil), é uma questão de direitos autorais. Mas Bingo é mesmo Bozo – com toda a tragédia que isso possa encerrar.

No trailer para maiores de 18 anos, o protagonista, interpretado por Vladimir Brichta, enfrenta conflitos familiares e também o embate entre viver no anonimato como ator e testemunhar a enorme fama alcançada pelo seu personagem, imerso em um universo em que crianças, festas, drogas e sexo se misturam. Há cenas de uso de cocaína e frases como “70% é inspiração, 30% é uísque” e “Até audiência, para subir, tem que ter tesão”, além do figurino, da peruca e da maquiagem que caracterizaram o Bozo, um personagem da TV americana importado em 1980 por Silvio Santos ainda na TVS, emissora que mais tarde seria rebatizada como SBT.

Hoje Silvio, que manteve o palhaço no ar até 1991, não dispõe da licença para usar o personagem. Em 2013, ele chegou a reavê-la e relançar o Bozo no Brasil, mas o palhaço não pegou.

Já nos Estados Unidos, de acordo com a empresa que detém os direitos do personagem, Bozo passou incríveis 47 anos no ar, até sair de cena em 2001.

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De ‘loko’ a pastor

Arlindo Barreto, intérprete do palhaço Bozo (//Divulgação)

“O filme corresponde bastante à realidade”, diz Arlindo Barreto, hoje com 65 anos e pastor evangélico. Ele acompanhou parte das filmagens e assistiu a uma versão preliminar do longa no começo de junho.

Barreto era o próprio Bozo junkie. Ele começou a usar cocaína e maconha nos anos 80, após a morte da mãe, a atriz Márcia de Windsor, e a separação da mãe de seu filho. O consumo, segundo ele, era uma tentativa de superar as dificuldades. “Eu havia alcançado o topo, muito sucesso, mas tudo isso perdeu o significado. Quando dei por mim, era um dependente químico.”

O ator só parou com o álcool, o cigarro e as drogas depois de sofrer um grave acidente de carro, em 1989, e se ver entre a vida e a morte. “O médico perguntou se eu acredito em Deus. Eu disse: ‘Não’. Ele respondeu, ‘Que pena, seria o único capaz de tirar você daqui’.”

Barreto parece ter seguido a receita médica. Após o susto, se espiritualizou e pediu demissão da TV. Há 20 anos, comanda cultos da Igreja Batista. “A palavra de Deus foi penetrando no meu coração. Aos pouquinhos, eu fui sendo transformado. Aquele homem agressivo, violento, arrogante e prepotente que eu era foi desaparecendo”, conta o pastor, que viaja dando palestras sobre a sua história de superação.

Trajetória semelhante teve Wanderley Tribeck, 66 anos, o primeiro brasileiro a viver o Bozo, de 1980 a 82 – Arlindo Barreto assumiu o nariz vermelho do palhaço de 82 a 87, quando foi substituído de vez por Luís Ricardo, o mais longevo na função, que executou de 1983, no início para cobrir as folgas e ausências de Barreto, até 1990; em sua reta final, Bozo foi vivido por Décio Roberto, também ele um reserva que se tornou titular.

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Em 2000, anos depois de se afastar do personagem, Tribeck foi deixado pela mulher, a quem conheceu nas gravações do programa. Por cinco meses, afundou no álcool e nas drogas e só superou a fossa ao passar a frequentar a Assembleia de Deus dos Gideões Missionários da Última Hora. “Me pegaram na rua, me levaram para a igreja”, conta. Convertido, parou de beber, fumar e se drogar, reconquistou a família e, há cinco anos, se tornou pastor. Narra a própria história como exemplo de superação nas pregações que faz pelo país, nas quais entoa o slogan “Trocou as palmas por almas”.

 

Bozo x Bozo

Wanderley Tribeck, intérprete do palhaço Bozo (Ricardo Matsukawa/VEJA.com)

Tribeck se nega a ver Bingo e promete uma campanha contra o filme, que, na sua opinião, vai denegrir a sua imagem e a do personagem infantil. “O longa é do Bozo e todo mundo sabe que o Bozo fui eu. Até eu explicar tudo para as pessoas…”, diz, em referência ao fato de o roteiro se basear na vida de Arlindo Barreto, e não na sua.

Esse trabalho de explicar, aliás, já começou. Na igreja que frequenta, em Balneário Camboriú (SC), Tribeck tem sido constantemente parado por fiéis que querem entender se é ele mesmo revivido no trailer do filme.

“Espero que as pessoas façam isso comigo também”, afirma Barreto, que tem posição oposta à de Tribeck. Barreto quer dar publicidade ao drama – e à lama – em que viveu. “É exatamente essa a intenção do filme: criar uma oportunidade para que as pessoas possam ver a transformação e saber que é possível uma solução para o problema das drogas, da compulsão por atingir o topo e ser um sucesso.”

Para ele, o público saberá distinguir ator e personagem. “O Bozo não tem nada a ver com isso. As pessoas é que são responsáveis pelo que acontece de ruim a elas”, opina. Segundo ele, no entanto, o filme conta com certos “exageros” que servem para dar maior dramaticidade e ritmo à história. A frase sobre o álcool ter papel preponderante na carreira, por exemplo, nunca teria sido dita pelo intérprete do Bozo. “O que eu dizia era que, para ter sucesso, é preciso 90% de transpiração, 5% de fé e inspiração e 5% de sabedoria para aproveitar as boas oportunidades”, conta. “Consumir drogas dentro da televisão isso é coisa que nunca fiz.”

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Pó no camarim

Já Marcos Goés, conhecido como Marcos Pagé, um dos cinco Bozos exclusivamente de reserva que atuaram no SBT de 1984 a 1987 – os outros quatro são Nani de Souza, Charles Myara, Edilson Oliveira e Evandro Antunes –, admite ter cheirado cocaína no camarim antes de gravar. “Para entrar no personagem”, diz.

Pagé, hoje com 55 anos, conta que usava maconha e bebia desde a adolescência, mas só foi conhecer a cocaína na televisão. “Eu usava com uma turma da pesada da TV, diretores, redatores, produtores.”

Marcos Góes, intérprete do palhaço Bozo, na TV com Luciana Gimenez e Sônia Abrão (//Divulgação)

O vício durou anos e, após o ator deixar de viver o palhaço, passou a consumir drogas mais pesadas, como crack, e a morar em uma favela. Ele também abandonou as drogas ao se converter, o que fez na Assembleia de Deus Madureira, na cidade de Itupeva (SP). Pagé é evangélico há quatro anos e, por isso, adota novo nome artístico. Hoje, o ator, que dá seu testemunho de vida em igrejas pelo Brasi, assina Marcos Fiel.

Para ele, não há uma maldição do palhaço ou uma influência do personagem no envolvimento dos atores com as drogas. “Eu não creio nisso. Cada um agiu por vontade própria”, diz, frisando que o filme é inspirado na história de Arlindo Barreto, e não na sua. Pagé diz que vai ver o longa de Daniel Rezende, que considera “positivo”. “É um filme que relata a vitória do bem contra o mal.”

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Pagé pode não crer, mas, que há tragédias na vida dos ex-Bozos, isso há. Décio Roberto teve um derrame cerebral e morreu prematuramente de toxoplasmose cerebral, aos 33 anos. Já Luís Ricardo sofreu um acidente automobilístico e fraturou três costelas, além de pegar fogo ao vivo, em um programa do Ratinho. Mas sobreviveu.

 

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