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Especialista em pandemias critica Bolsonaro: “Completamente equivocado”

O historiador americano John M. Barry, autor de 'A Grande Gripe', falou a VEJA sobre a crise do passado e a atual

Por Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 abr 2020, 19h43 - Publicado em 30 abr 2020, 19h00

O que a pandemia de 1918 pode ensinar hoje? A gripe nos mostrou que o governo deve ter coragem de dizer a verdade à população nessas horas. Bons líderes agem com transparência, sem minimizar a gravidade da doença. Na gripe de 1918, não só os governos como a imprensa e os cidadãos comuns pagaram um preço alto por não levar a epidemia a sério. Na aflição, nada é mais libertador que a verdade. As pessoas encontram mais forças para vencer o medo e se proteger se têm uma noção real do que está em jogo. Mesmo que sofram um baque ao saber disso.

Quais as diferenças entre a gripe célebre e o coronavírus? O novo vírus pode não ser tão letal quanto o da gripe, mas é muito contagioso e deve infectar até mais pessoas. O coronavírus também é mais insidioso. A influenza de 1918 explodia em uma comunidade de forma terrível, mas os surtos duravam de seis a dez semanas e depois sumiam. Isso não acontece na Covid-19. A doença tende a permanecer ativa por um período bem mais longo, e sua presença no corpo dura semanas. Certamente produzirá mortes na casa dos milhões no mundo.

Essa evolução não seria evitável? Sabemos que é preciso adotar medidas que limitem a exposição das pessoas ao vírus e amenizem o stress nos sistemas de saúde, enquanto esperamos por uma vacina. Muitas pessoas e governantes, contudo, ainda resistem a aceitá-las. Obviamente, no Brasil vocês têm um presidente com ideias e atitudes que representam um sério problema.

O presidente Jair Bolsonaro proclamou que o vírus é só uma “gripezinha”. O que pensa da declaração? Gostaria muito que fosse verdade. Infelizmente, cada informação científica que vai se somando ao que já sabemos sobre o coronavírus desmente a possibilidade de forma categórica. Os fatos provam que Bolsonaro está completamente equivocado e vem colocando os brasileiros em risco.

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A tragédia de 1918 teria sido menor se os governos houvessem investido em medidas de isolamento social, como as que são defendidas hoje? Na verdade, a experiência da grande gripe comprova a necessidade do isolamento. Ao me debruçar sobre as medidas tomadas na época, constatei que as cidades americanas que adotaram táticas de quarentena preventiva, às vezes antes até de a gripe chegar à comunidade, tiveram destinos muito menos trágicos que as cidades que demoraram a agir. Além disso, levantaram-se economicamente antes.

A defesa da cloroquina no tratamento da Covid-19, de efeitos não comprovados, virou um mantra de Donald Trump e Bolsonaro. Misturar pandemia com política é razoável? É um absurdo políticos quererem tomar decisões no lugar dos médicos. Imagine Trump ou Bolsonaro numa sala de operação dando ordens aos cirurgiões sobre seu trabalho. Alguém se arriscaria a passar por isso?

O peruano Mario Vargas Llosa defendeu a ideia de que o coronavírus não teria se tornado uma ameaça global se a China, onde o surto começou, fosse uma democracia. Faz sentido? A China acobertou informações importantes no início da epidemia, mas não é possível quantificar o peso disso na propagação mundial do vírus. A atitude do governo chinês pode ter provocado mais mortes no país, mas possivelmente nada teria impedido que a Covid-19 se espalhasse pelo mundo. A questão é reconhecer a força do inimigo e se armar para combatê-lo, como a China fez depois — e também, com igual sucesso, países livres como a Coreia do Sul e a Alemanha.

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Como evitar que outras ameaças assim saiam da natureza para atingir a humanidade? Esse é um desafio complexo. Há muitos outros vírus e bactérias tão ou mais letais que o influenza e o coronavírus circulando em silêncio na natureza. Virologistas estão mapeando essas potenciais doenças em lugares como a Floresta Amazônica e o interior da Ásia, mas ainda é muito difícil impedir que elas venham a nos atingir.

Quando as pessoas poderão deixar a quarentena e voltar a andar pelas ruas? Isso será diferente em cada parte do mundo, dependendo do estágio da epidemia e do sucesso das medidas tomadas. Diria que teremos meses pela frente.

Publicado em VEJA de 6 de maio de 2020, edição nº 2685

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