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Entrevista: Tom Hiddleston, Hugh Laurie e os dramas de ‘The Night Manager’

Em entrevista ao site de VEJA, atores falam sobre a nova série da AMC que tem sido comparada às tramas de James Bond

Por Mariane Morisawa, de Berlim
29 fev 2016, 14h12

Um homem corre pelo Cairo em uma noite turbulenta, desviando de pessoas e bombas que tomam as ruas da capital egípcia na noite em que o ditador Hosni Mubarak renuncia à presidência do país, em 2011. O homem é Jonathan Pine, que chega a um hotel de luxo para assumir seu posto como gerente noturno quando uma das hóspedes, Sophie Alekan (Aure Atika), amante de um membro de uma das famílias mais poderosas do Cairo, pede a ele que a ajude a tirar cópias de alguns documentos sigilosos. A cena inicial da minissérie The Night Manager, que estreou no Brasil na última semana e pode ser vista às segundas-feiras pelo canal pago AMC, diz muito sobre o ritmo que os demais episódios prometem ter.

Pine (Tom Hiddleston, de Thor e Os Vingadores) descobre, nos documentos, que Richard Roper (Hugh Laurie, o eterno Dr. House), um famoso empresário britânico, vendeu um enorme arsenal de bombas e armas à família Hamid. Ele manda uma cópia desses papéis à embaixada britânica no Egito e, sem querer, transforma Sophie em alvo dos Hamid. Ela é assassinada e Pine, cheio de culpa, deixa o Cairo, indo atuar como gerente noturno de um hotel em Zermatt, na Suíça. Lá, no entanto, seu passado volta a assombrá-lo quando ele recebe um de seus novos hóspedes, ninguém menos do que Roper. Pine, então, é recrutado pela agente da inteligência britânica Angela Burr (Olivia Colman, da série inglesa Broadchurch) para se infiltrar na organização de Roper e assim conseguir provas contra ele, no maior estilo 007.

A produção, adaptada do romance de John Le Carré, o mestre dos thrillers de espionagem, é dirigida pela dinamarquesa Susanne Bier, vencedora do Oscar de produção em língua estrangeira em 2011 por Em um Mundo Melhor. Por anos, houve tentativas de transformar The Night Manager, publicado em 1993, num longa-metragem, mas o projeto foi parar na televisão, com atualizações e um elenco estrelado – uma das mudanças do livro para a série é que originalmente a agente Burr era um homem. A principal vantagem da adaptação para a televisão é que há mais tempo para desenvolver os personagens. Pine, por exemplo, sofre uma grande mudança do primeiro para o segundo episódio, que vai ao ar nesta segunda, e tudo faz sentido.

Site de VEJA conversou com os atores Tom Hiddleston e Hugh Laurie em Berlim, onde a série estreou. Confira:

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Tom Hiddleston

Quem é o verdadeiro Jonathan Pine? Acho que ele é muito solitário e triste. Mas ainda tem uma certeza moral sobre o que é certo e errado.

Como treinou para ser o gerente da noite de um hotel? Fiquei uma noite no hotel Rosewood, em Londres. Foi fascinante. É um teatro: há o palco e os bastidores. Tudo é performance, o que envolve um planejamento sofisticado e atenção.

Qual sua relação com a obra de John Le Carré? Eu peguei uma cópia de O Espião que Sabia Demais da biblioteca do meu pai quando tinha 17 anos. Meu entusiasmo por seu trabalho cresceu conforme ficava mais velho, só então fui percebendo as sutilezas. Ele é um mestre do thriller de espionagem. Não há ninguém melhor. Mas para mim um motivo extra é sua análise da psique britânica e as contradições de ser cidadão britânico.

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O mundo que John Le Carré descreve em seus livros, o da Guerra Fria, não existe mais. Por que continua tão fascinante? Não sei se esse mundo não existe mais. O inimigo tomou outra forma. O cenário da maior parte de suas obras é a Guerra Fria, e hoje não existe mais esse medo persistente de uma guerra nuclear entre leste e oeste. Mas há outras causas de medo e inimizade, que são mais difíceis de rastrear e mais invisíveis. Seu entendimento das redes por trás desses problemas, de como rastrear, ainda é muito relevante. E Le Carré ainda está em contato com esse mundo da espionagem. Ele é tão eloquente, e sua raiva é extremamente justa. Tem uma decência extraordinária, e dá para sentir isso no seu trabalho.

Nesta era de mídias sociais, acha que a espionagem perdeu um pouco o sentido, já que as pessoas se encarregam de fazer isso? Sim, elas fazem isso. O fascinante é que vivemos numa época de vigilância constante, todos ouvimos e vemos os outros, mas ainda acredito que algumas conversas se dão atrás de portas fechadas, especialmente as que envolvem a segurança nacional. Há quem nos observe em plena luz do dia, sem que nos demos conta.

Acha seu personagem parecido com Edward Snowden? Snowden tem outro tipo de coragem. Pelo que eu sei, é alguém que veio do sistema de vigilância americano, um cara comum. Achou que a intrusão do serviço de segurança de seu país estava ficando grande demais e decidiu denunciar e mostrar como os poderosos sabem de todos os aspectos de nossa vida. Meu personagem é diferente, porque é alguém, por sua experiência como soldado e pela vergonha de seu passado, que decide se tornar um agente de campo. Roper (Hugh Laurie) é alguém que lucra com a morte. Como um ex-soldado, Pine entende os efeitos das armas que Roper vende.

Originalmente, The Night Manager era um filme. De que forma o projeto se beneficiou de sua transformação em uma série de televisão? Acho que existe uma costura minuciosa na escrita e nas tramas de John Le Carré que faz com que seis horas de televisão sejam úteis, permitindo ao público entender os relacionamentos complexos e aumentando a tensão entre Roper e Pine, o que é empolgante numa história de espiões como esta.

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A série é mais do que entretenimento. Isso era importante para você? Eu acho que a arte pode inspirar as pessoas. Me lembro de ficar extremamente tocado com Segredos e Mentiras, de Mike Leigh. Percebi que o mundo era muito mais complexo assistindo a O Jardineiro Fiel, de Fernando Meirelles (também baseado numa obra de John Le Carré). Conheci um cirurgião do Médico sem Fronteiras que decidiu pela carreira depois de ver Os Gritos do Silêncio, de Roland Joffé. A arte é uma porta de entrada emocional num determinado tema. Claro que, no fim das contas, quem pode mudar o mundo são as pessoas, todos nós juntos. Mas certas coisas podem mudar a direção que as pessoas estão seguindo.

É bom alternar um vilão como Loki com heróis? De verdade, não enxergo o mundo assim. Vilões tomam decisões ruins, e heróis tomam decisões boas. Mas, no fundo, são o mesmo material humano. Não vejo as pessoas nem os personagens em termos tão divisores. Tenho uma atitude ambivalente em relação à maior parte das coisas. Genuinamente acho que os seres humanos são complexos e contraditórios.

Você seria o James Bond perfeito. Já pensou no assunto? (risos) Se o telefone tocasse, seria um dia feliz para mim, sou um grande fã de Bond. Mas, como saber, há tantos candidatos…

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Hugh Laurie

Seu personagem é descrito como a pior pessoa do mundo. Como é ser o pior? Estou só fingindo, você sabe. Ou será que não? (risos) Ele é um personagem satânico. Nunca tive coragem de falar com John Le Carré sobre isso, mas para mim é uma de suas criações mais raivosas. Le Carré foi motivado pela raiva.

Sendo fã do livro, foi difícil trabalhar numa adaptação? É mais fácil de certas maneiras, porque sentia que o conhecia bem. Li muitas, muitas vezes. Amei desde a primeira. Tentei comprar os direitos quando tinha lido uns três capítulos apenas. Mal sabia o que significava comprar os direitos. Mas já tinham sido vendidos. Ao mesmo tempo é difícil, porque, quando você ama alguma coisa, fica mais ansioso com o resultado. Em qualquer coisa, só é difícil se houver preocupação com o resultado. Cirurgia no cérebro é bem fácil, se você não se importa se o paciente morre (risos). E eu me importava com o livro, então fiquei mais obcecado em fazer jus a ele.

Achou boa a chance de fazer uma série, para poder ficar mais tempo com esse personagem? Certamente. Le Carré escreve com uma densidade e tantos detalhes que servem mais para uma série do que para um filme. Claro que houve boas adaptações de sua obra para o cinema. O longa-metragem é uma duração meio artificial. Como dizia Alfred Hitchcock, a duração de um filme depende da capacidade de uma bexiga humana. A vida não acontece em pedaços de 90 minutos. Sua vida não vira do avesso em 90 minutos, em geral, a não ser que aconteça um acidente de carro, algo assim. A vida é um negócio lento.

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Verdade que você foi ao aniversário de John Le Carré como acompanhante do ator Stephen Fry? Como eles se conhecem? Não sei, não me lembro. Só sei que Stephen Fry aparentemente nasceu conhecendo todo o mundo! (risos) Não entendi como aconteceu. Foi muito empolgante estar no meio de todos aqueles espiões, apesar de eu me sentir como o acompanhante. Não sei nem como me deixaram entrar.

Quando leu o livro pela primeira vez, imaginou fazer o papel de Jonathan Pine? Com certeza. E é bem duro assistir a Tom Hiddleston interpretar esse papel agora, só por ser mais jovem (risos). É a vida. É preciso aceitar. É maravilhoso ver alguém se comprometer tanto com o papel. Acho que ele tem uma ideia romântica sobre a jornada do herói. Há algo de cavaleiro medieval em Jonathan Pine. Ele está procurando por uma causa ou uma bandeira por que lutar – ou talvez, mais importante, por que morrer. Não consigo pensar em ninguém que poderia ocupar essa posição com tanto comprometimento quanto Tom.

Estudar antropologia ajudou na sua carreira de ator? Não. Simplesmente porque não estudei o suficiente nem para ser antropólogo. Minha mente estava em outros lugares, por exemplo, no remo e em interpretação. Meus estudos acadêmicos ficavam para trás e não tenho orgulho disso.

Sua carreira como ator ajudou a entender melhor os seres humanos? Em geral é o contrário. Gente que estuda pessoas fica mais interessada em interpretação. Se bem que tenho dúvidas se os atores observam as pessoas hoje em dia, ou só outros atores. Talvez tenha acontecido com a atuação o mesmo que houve com o jazz, em que os músicos começaram a tocar um para o outro em vez de para o público.

A diretora Susanne Bier disse que você pode ter um lado aterrorizante. Ela disse? Que coisa, está me colocando numa saia-justa (risos). Uma das coisas que me chamaram a atenção foi a raiva de Le Carré. Não é só contra o personagem, é contra a classe. É o cinismo e a maldade de uma classe que não tem por que ser cínica. Que foi extremamente abençoada e bem afortunada. Nós temos de olhar ao redor do mundo para saber que a vida de europeus brancos de classe média e alta é bem confortável e não podemos tratar o resto do mundo com maldade e cinismo, algo que Roper certamente faz. Posso ver que Le Carré está enraivecido com a atitude de Roper. Ele no fundo é um ingrato, que não preza sua boa sorte. Ou talvez sim, mas apenas não liga.

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