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Entrevista – Joseph Gordon-Levitt: ‘‘A Travessia’ é uma homenagem às Torres Gêmeas’

No longa de Robert Zemeckis, ator interpreta Philippe Petit, francês que andou sobre um cabo esticado entre os dois prédios, a 400 metros do chão, em 1974

Por Mariane Morisawa, de Nova York
10 out 2015, 09h08

Como todo o mundo, Joseph Gordon-Levitt se lembrava do 11 de Setembro quando pensava nas Torres Gêmeas, em Nova York. Ele assistia a uma aula sobre a peça Titus Andronicus, do bardo William Shakespeare, quando os ataques aconteceram, em uma manhã de 2001. Tentou andar para o sul de Manhattan, onde estavam os prédios, mas foi impedido pela multidão desesperada, que fazia o caminho inverso. “Claro que precisamos lembrar a tragédia. Mas acho que, em qualquer perda trágica, é preciso lembrar as coisas positivas, as experiências bonitas que você teve com o que perdeu”, disse em entrevista a VEJA, em Nova York.

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Essa foi uma das razões pelas quais Gordon-Levitt, um ator de escolhas acertadas dentro e fora do cinema – como a criação de um negócio próprio, o Hit Record, para bancar qualquer tipo de projeto artístico que venha a ter – quis fazer A Travessia, de Robert Zemeckis. O filme mostra a caminhada que o artista performático francês Philippe Petit empreendeu para cruzar a distância entre as Torres Gêmeas, em 1974 – cruzar pelo ar, sobre um cabo de aço, a 110 andares de altura ou 400 metros do chão. Petit, hoje com 66 anos, tinha apenas 17 quando teve a ideia de atravessar o céu de Nova York, ao ver, em uma revista, o monumental projeto arquitetônico que abriria com o nome de World Trade Center, em 1966. Artista de rua que se virava bem no malabarismo e como equilibrista, o francês acreditou que conseguiria o feito sem nenhum aparato de segurança para socorrê-lo. Treinou – no primeiro “ensaio”, caiu em um lago, na França – e, ao se sentir preparado, se mudou para Manhattan, onde deixou a polícia de cabelo em pé por extensos 45 minutos, tempo que durou a sua amalucada façanha.

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A história foi contada no documentário O Equilibrista (2008), de James Marsh, vencedor do Oscar da categoria. Zemeckis, diretor de filmes como De Volta para o Futuro (1985), Forrest Gump – O Contador de Histórias (1994) e Náufrago (2000), coloca o espectador lá no alto, junto com o Petit interpretado por Gordon-Levitt, em cenas espetaculares em 3D, que compensam a peruquinha falsa e as lentes usadas pelo ator.

Confira abaixo a entrevista de Joseph Gordon-Levitt:

Como descreveria o dia em que recebeu a oferta? Zemeckis pediu para me encontrar, o que foi empolgante para mim porque amo seus filmes desde que era criança. Ele foi ao meu escritório em Los Angeles. Estava desenvolvendo esse projeto havia muitos anos, bem antes do documentário O Equilibrista. Me contou que estava procurando uma história em que o 3D realmente fosse necessário. Logo depois, alguém deu o livro The Man Who Walked Between the Towers a seu filho. E a imagem da capa é a do pé de Philippe no cabo, com Nova York de pano de fundo. Ele ficou inspirado e viu que era uma história para contar em 3D. Eu tinha visto o documentário. Para ser sincero, nas mãos de um cineasta menos talentoso, não sei se acreditaria. Mas, vindo de Bob, um mestre do visual e da construção de personagens, achei que ia ser um filme especial. Fiquei honrado de conseguir o papel.

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Foi uma preparação difícil? Sim. Mas eu amo um desafio. Gosto de trabalhar duro. Houve a parte física, de aprender a andar no cabo. Estudei com o próprio Philippe Petit. Ele insistiu em ser meu treinador e bolou um workshop elaborado em que me ensinou várias coisas, não apenas como andar no cabo. Falou sobre música, filosofia da arte, mágica, como fazer nós. Ele me disse: ao final desses oito dias, você vai andar no cabo sozinho. Pareceu ambicioso para mim, mas ele é tão otimista que aconteceu. Claro que dividi o trabalho com um dublê.

Sentiu medo? Sim! Não é natural estar em cima de um cabo, fora do chão. Claro que nunca estive tão no alto quanto Philippe. Mas, mesmo assim, seu corpo fica tenso de medo. É instintivo. Eu tinha um cabo de segurança – e deixe-me esclarecer, para o bem do meu orgulho próprio, que o cabo de segurança não ajuda nada no equilíbrio, pelo contrário, e ele só está lá para te pegar caso você caia. Eu não caí. Mas engraçado que, mesmo sabendo que tinha o cabo de segurança, sua mente não entende. Seu corpo se comporta num nível animalesco e primitivo dizendo que você não deveria estar naquela altura. Então dá medo.

Como reproduzir o sentimento de estar num cabo entre as Torres Gêmeas? Bem, só ele sabe exatamente como se sentiu, porque é a única pessoa a ter feito isso no mundo. Jamais vou declarar que sei exatamente como foi. É preciso usar sua imaginação. Todos enfrentamos algum dia a vontade de fazer algo que parece impossível. Uma parte da gente não quer nem tentar. Mas é recompensador quando você não deixa a impossibilidade te desencorajar. Acho que todos podemos nos identificar com isso. Sei que eu me identifico.

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Você disse que gosta do desafio. O que significa se arriscar para um ator? Acho que é parecido com quem anda na corda-bamba. No cabo, você não pode pensar: e se eu cair? Porque, no momento em que seu estado mental é esse, é o que vai acontecer. É o mesmo com interpretação. Você não pode ficar pensando que não vai dar certo, que vai esquecer os diálogos, que vai estragar tudo, que ninguém vai gostar. É inútil. É preciso focar apenas na sua performance.

Então, em que pensa quando está no cabo? Você olha para a frente e foca no fim. No objetivo, onde o cabo termina. Não tira seus olhos dali, não vê nada em volta, não pensa em nada mais. Foca seus olhos ali e pensa em como mover seus pés, posicionar seu corpo e estar presente naquilo que está fazendo.

Tem um sonho tão grande quanto o de Philippe? Meu projeto Hit Record, algo que iniciei anos atrás, bem pequeno, e cresceu muito. Fazemos todo o tipo de coisa, curtas, livros, música, programa de televisão. Pela internet, todo o mundo pode se juntar à nossa comunidade e contribuir nesses projetos colaborativos. É algo muito pessoal e que amo muito. Cinco anos atrás, quando estávamos pensando em tentar lançá-lo como uma produtora profissional, nosso maior sonho era criar um programa de televisão feito por gente do mundo todo. Na época, parecia impossível. Mas trabalhamos muito e conseguimos. Agora fizemos o programa e queremos um Emmy! (risos)

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A arte de Philippe Petit traz um certo antagonismo, há algo desafiador. Concorda que essa é uma prerrogativa da arte? Discutiu com ele? Tive uma conversa interessante com ele sobre o contexto da travessia em 1974. Era uma época turbulenta na história americana, com os movimentos pelos direitos civis, feministas, anti-guerra. Richard Nixon renunciou poucos dias depois da travessia. Perguntei se ele via sua caminhada como um símbolo dentro desse contexto social, como uma prova de que tudo o que pensávamos ser impossível na verdade era possível. Que as pessoas podiam abrir suas mentes para novas ideias e mudar. Sua resposta foi: de jeito nenhum. Que isso não estava na sua cabeça. Ele afirmou que não é seu papel porque há gente que sabe muito mais sobre essas coisas que ele. Philippe tinha tido essa ideia que era de pura beleza e sabia que ia ter de fazer. Mas as interpretações dessa ideia estão fora de seu controle. Achei uma visão bem humilde de sua arte.

Diria que, de certa forma, ele é um pouco louco? Qual a diferença entre um maluco e um sonhador? Ele mesmo admite que era louco quando tinha 24 anos. E tenha na cabeça que eu o conheci 40 anos mais tarde. Ele mudou e cresceu muito desde aquela época. Foi isso que adorei no filme. Muitas vezes, quando você faz uma produção espetacular de ação, os personagens muitas vezes são chatos, mal desenvolvidos, simplistas. Porque o objetivo é só o visual, sem uma história humana. Neste filme, fiz essas sequências espetaculares de ação, mas também tinha um personagem apetitoso como ator. Zemeckis e eu conversamos sobre filmes como Patton – Rebelde ou Herói? (1970), de Franklin J. Schaffner, e Amadeus (1984), de Milos Forman. Longas sobre indivíduos brilhantes e simultaneamente fora de si. E é isso que faz dele um personagem fascinante.

O que roubou de Philippe, além de aprender a andar no cabo? Muita coisa! Primeiro, a maneira como ele fala. Queria falar como ele, embora não desejasse fazer uma imitação. Mas também sua atitude, sua empolgação, alegria, positividade, otimismo. Sempre falo disso porque ele é tão otimista! E é necessário, se você tem uma ideia louca e quer colocar em prática. Eu admiro muito seu otimismo. Sem ele, nada acontece.

Como foi ver as Torres Gêmeas recriadas no filme? Ficou emocionado? Sim, muito. Acho que nossa cabeça sempre vai para este dia trágico, 11 de setembro de 2001. Mas há razões para celebrar outras memórias daquele lugar. Este filme é uma homenagem às Torres Gêmeas.

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