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Documentário sobre Taylor Swift mostra a tristeza por trás da fama

Em 'Miss Americana', a cantora desce do pedestal para expor seus distúrbios alimentares, adicionando sinceridade aos filmes que humanizam pop stars

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 7 fev 2020, 10h12 - Publicado em 7 fev 2020, 06h00

A multidão se aglomera em frente a um prédio em Nova York. A porta se abre e por ela sai Taylor Swift. Gritos histéricos são acompanhados de flashes dos paparazzi, até a cantora americana de 30 anos entrar num carro. Dentro do veículo, outra câmera a flagra. “Esta é a frente da minha casa. E tenho consciência de que isso não é nada normal”, diz Taylor à sua observadora, a cineasta Lana Wilson. Na sequência, a artista conta que evita ver fotos suas. Ao analisar uma imagem, ela aponta o detalhe que a incomoda: uma ínfima saliência na barriga. As duas cenas resumem por que Miss Americana, disponível na Netflix desde 31 de janeiro, é um documentário excepcionalmente honesto e revelador.

Taylor Swift, a pop star que começou ainda criança no mundo do country e hoje reina nas paradas, é uma figura certinha — e, por isso mesmo, uma pedreira para qualquer documentarista decifrar. Mas Lana, com jeitinho e sagacidade, vai desnudando a estrela camada por camada, até atingir a alma triste que há por baixo de tanta previsibilidade. Taylor é insegura e ressente-se da superexposição. Admite pela primeira vez que teve distúrbios alimentares. A súmula do jogo não poderia ser mais surpreendente: Taylor sai-se bem, quase purificada, no retrato sem filtros. E isso, claro, será extremamente benéfico para sua carreira.

Os documentários que exploram a biografia e o trabalho das cantoras pop são uma valorosa ferramenta de lapidação da imagem. Seu formato moderno nasceu em 1991, com Na Cama com Madonna, que trazia a cantora de Like a Virgin em momentos “íntimos”. Aquela produção, de um passado não muito distante, resumia uma era em que pop stars gostavam de se vender como seres dotados de infalibilidade divina. Madonna fazia troça do ator Kevin Costner, revelava a homossexualidade de seus bailarinos e aparecia poderosa no palco.

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De lá até aqui, contudo, a maré mudou: vieram os reality shows e as redes sociais, e com eles um clamor do público para que as pop stars provassem ter sangue mortal correndo nas veias. Katy Perry mostrou às câmeras o fim de seu casamento em Part of Me (2012). Lady Gaga chorou as dores da fibromialgia em Five Foot Two (2017). E Beyoncé abriu a cortina que a separa da “gente comum” em Home­coming, no qual usa os bastidores de seu show no festival Coachella em 2018 para falar das inseguranças sobre seu corpão e expor os desgastes de ser mãe de bebês gêmeos. É uma abertura controlada — mas saborosa o suficiente para os fãs se sentirem saciados com as pílulas de sua intimidade.

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A colombiana Shakira acaba de somar-se à corrente. Em Shakira in Concert: El Dorado World Tour, lançado em 31 de janeiro pela HBO, ela escancara o medo que teve de não mais poder cantar após uma hemorragia nas cordas vocais, em 2017. Desesperada, visitou especialistas variados e até apelou para a fé: chegou a recorrer à água abençoada de Nossa Senhora de Lourdes para salvar a potência de sua voz. Shakira se recuperou, mas o documentário ainda garimpa outras fragilidades para polir sua imagem de santa. A cantora surge em cena lidando com a culpa mundana de ser mãe de duas crianças e não ter tempo para elas. E ganha uma força do maridão, o jogador espanhol Gerard Piqué. “Não quero que fique amargurada por não estar trabalhando”, diz ele, a certa altura.

EXPOSIÇÃO – Shakira (à esq.) e Billie Eilish: dramas pessoais para lembrar que são gente como a gente (HBO; Emma McIntyre/Getty Images)

Há um tanto de cálculo no desejo de estrelas da música de se expor às lentes de documentaristas. Mas o fascinante no caso de Taylor é que a exposição arranca a estrela, verdadeiramente, da zona de conforto. Abrir-se de forma tão contundente, sobretudo para uma artista jovem como ela, requer coragem. A extração de sua sinceridade deve-se muito à perícia de Lana Wilson. Antes de Miss Americana, a cineasta era conhecida em um círculo bem específico pelo documentário After Tiller (2013), sobre o assassinato do médico George Tiller, diretor de uma clínica de aborto. Taylor só aceitou que alguém dirigisse um documentário sobre sua vida depois de ver o trabalho de Lana.

Ao selar a parceria, a cantora abriu caminho para uma nova fase em sua relação com o público. Até recentemente, Taylor se recusava a tocar em temas controversos. Evidenciar angústias e fragilidades estava mais fora de questão ainda. Apesar do excesso de exposição e do investimento em músicas autorais sobre experiências pessoais, Taylor era uma caixa-preta disfarçada de boneca Barbie. Criada em moldes que exigiam a perfeição, a cantora acabou presa a uma imagem que não condiz com as expectativas dos fãs da geração atual, que esperam ídolos acessíveis. Tome-se o exemplo da jovem prodígio Billie Eilish, 18 anos, que recentemente desbancou a própria Taylor como artista mais jovem a levar o Grammy de melhor álbum. Billie mal começou a cantar, mas já anunciou ter depressão — e em breve fará um documentário para chamar de seu. Descer do pedestal se tornou um imperativo para manter a relevância.

As partes mais reveladoras de Miss Americana são aquelas em que Taylor narra o impacto dos distúrbios alimentares em sua vida. A obses­são pela aparência começou aos 18 anos, pouco depois de ser apresentada ao mundo com o disco que leva seu nome, de 2006. À época, a capa de um tabloide exibiu a tal barriguinha vista com a ajuda de lupa, acompanhada da interrogação: grávida? Devastada pela manchete, Taylor se jogou na malhação e praticamente deixou de comer. Quase desmaiava após os shows. O distúrbio alimentar hoje é controlado. Quando pensa em fechar a boca de forma exagerada, ela diz ao próprio corpo: “Não fazemos mais isso, lembra? É melhor pensarem que sou gorda do que doente”. Com 1,78 metro de altura, Taylor saiu do esquálido manequim 34 e chegou ao saudável 40.

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A carreira edulcorada de Taylor desandou com um empurrão de Kanye West. Em 2009, o rapper tirou o microfone das mãos da jovem numa premiação da MTV americana para dizer que Beyoncé era quem merecia a honraria que Taylor havia ganho ali. West foi vaiado, mas a moça pensou que as vaias eram para ela. Um primeiro baque para sua autoestima. E o inferno astral se prolongou. Em casa, a mãe descobriu um câncer. No trabalho, o mediano disco Reputation desagradou à crítica — e ela acabou esnobada no Gram­my. No documentário, nota-se a consternação de Taylor ao descobrir que não fora indicada nas principais categorias. Raramente vista sem maquiagem e salto alto, no filme ela se abre sobre as agruras da pressão pela beleza jovem feminina e sobre a ansiedade causada pela opinião alheia na internet. A angústia de boa moça do pop — que no Brasil bem poderia se chamar “complexo de Sandy” — é algo que Taylor luta para superar. “É muito bom não me sentir mais amordaçada”, diz. A estrela é complicada, mas perfeitinha.

Publicado em VEJA de 12 de fevereiro de 2020, edição nº 2673

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