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‘Doctor Who’ chega aos 50 anos e faz história na TV

Série de ficção científica há mais tempo na televisão ganha homenagem do Google e sessões especiais com fãs aferrados

Por Juliana Zambelo
Atualizado em 9 nov 2017, 17h11 - Publicado em 23 nov 2013, 10h39

Ele é um extraterrestre com centenas de anos de idade, tem aparência humana e é capaz de viajar no tempo e no espaço – para qualquer época ou galáxia que desejar. Nunca revelou seu nome e é chamado apenas de “o Doutor” (o tal “doctor” que dá nome à série). Sua única arma é uma chave de fenda sônica com poderes incríveis. Foi ao redor dessa premissa fantasiosa, amparada num personagem complexo e carismático, que a série Doctor Who estreou na TV britânica há exatos 50 anos e se tornou um fenômeno cultural que atravessa gerações.

Teste o que você sabe sobre a série ‘Doctor Who’, 50

Lançada pela BBC em 23 de novembro de 1963, Doctor Who é, segundo o Guinness Book, o livro dos recordes, a série de ficção científica exibida por mais tempo na história da televisão. Esses 50 anos, no entanto, não são ininterruptos. Em 1989, a série foi suspensa pela BBC devido à baixa audiência. Nas quatro temporadas antes do hiato, apenas dois episódios haviam ultrapassado a marca de seis milhões de espectadores no Reino Unido. A suspensão, porém, se restringiu ao formato padrão da saga, que por mais de uma década continuou viva em reprises e produções paralelas para TV, como o filme da BBC em parceria com produtoras canadenses e americanas, quadrinhos, contos e novelas, até que uma nova equipe abraçou o legado e ressuscitou o seriado em 2005, dando início à sua segunda fase, a atual. Hoje, o programa tem, segundo a BBC, uma audiência global de 77 milhões de espectadores por episódio, mantendo-se acima dos seis milhões no Reino Unido.

Para coroar a história da série, que também trafega ao longo do tempo e do espaço, o aniversário será comemorado em grande estilo, com uma iniciativa inédita. Um episódio especial, chamado The Day of the Doctor (O Dia do Doutor), será exibido simultaneamente na TV e em salas de cinema ao redor do mundo. Na sala escura, a experiência será em 3D. No Brasil, o episódio será transmitido pelo canal pago BBC HD e pela rede Cinemark em mais de 20 cidades. Para suprir a demanda, foram anunciadas sessões extras no domingo.

No episódio comemorativo, três diferentes encarnações do Doctor se encontrarão para enfrentar a Guerra do Tempo, que resultou na devastação de Gallifrey e quase extinção dos Time Lords. Ficou confuso? Natural, são mais de 34 temporadas de bagagem, é preciso uma breve apresentação.

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Doutor quem? – O Doctor é um Time Lord (senhor do tempo), nome dado aos habitantes do planeta Gallifrey, que são donos de uma tecnologia avançada e da capacidade de mudar de corpo sempre que se aproximam da morte, o que permite a esses seres estender a vida por centenas de anos. Quando se transforma, o Doctor assume uma nova aparência – é a deixa para um novo ator entrar em cena. Desde 2010, ele está em sua décima primeira encarnação, na pele do jovem ator Matt Smith, hoje com 31 anos. No especial de Natal deste ano, que será exibido em 25 de dezembro, trocará novamente de rosto: Smith será substituído pelo veterano Peter Capaldi, de 55 anos.

Doctor viaja com a Tardis, uma mistura de máquina do tempo e nave espacial capaz de levá-lo a qualquer ponto do universo e do tempo, passado ou futuro. Por fora, parece uma cabine policial inglesa do tamanho de um banheiro público. Por dentro, é muito maior – algo como a mala de Mary Poppins ou a casa do Snoopy. Sua única arma é a tal chave de fenda sônica, cujos poderes se adaptam às necessidades do momento, e ele sempre viaja acompanhado. Suas companhias mudam com o passar dos anos, mas são, em geral, mulheres humanas.

​Para Fabio M. Barreto, autor do romance de ficção científica Filhos do Fim do Mundo e fã inveterado da série, seu longo histórico pode ser um obstáculo para novos fãs – afinal, já se contam às centenas as civilizações visitadas pelo Doctor. Mas uma passada de olho em um guia breve sobre a produção resolve o problema. E a internet disponibiliza centenas deles – o site da TV Cultura possui um em português e o endereço oficial da série oferece um mais completo em inglês.

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Nerd, pero no mucho – A boa notícia é que Doctor Who não requer altos conhecimentos em ficção científica ou tecnologia. E é exatamente aí que moram as explicações para a impressionante longevidade do programa. Pensada inicialmente pela BBC como uma atração educativa, que ensinaria história aos espectadores de um modo divertido, a série acabou por investir mais na fantasia que na verossimilhança. Isso é visível já nos equipamentos do Doctor: uma cabine maior por dentro do que por fora e uma chave de fenda multiuso.

Em outras palavras, Doctor Who apresenta a tecnologia sem didatismo. “O autor de ficção científica Arthur C. Clarke escreveu que qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia”, diz Fabio Fernandes, tradutor de clássicos da ficção científica como 2001 – Uma Odisseia no Espaço (Editora Aleph), de Clarke, e Laranja Mecânica (Editora Aleph), do inglês Anthony Burgess. “Se algum dia travarmos contato com uma civilização avançada, será que vamos conseguir assimilar essa tecnologia ou reagiríamos como um neandertal diante de um monolito negro? É esse raciocínio que vale para a chave de fenda.”

O apelo do programa também se deve ao tema de que ele trata, a viagem no tempo, uma aspiração universal. Esse assunto era tão sedutor nos anos 1960, década em que o homem pisou a Lua, quanto é agora. “Viagem no tempo é uma coisa que sempre empolgou a todos desde H.G. Wells, no século XIX, e Doctor Who sempre trabalhou isso de maneira lúdica”, diz Fernandes, lembrando o clássico A Máquina do Tempo, publicado por Wells em 1895.

As viagens também evitam que a série se repita, colocando à disposição dos roteiristas uma enorme gama de eventos históricos a explorar e planetas e aliens a inventar. Conduzido pelo seriado, o público já conheceu Shakespeare e Hitler, visitou Pompeia e o Velho Oeste, testemunhou o fim da Terra e conheceu os planetas que os humanos habitariam depois disso.

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O segundo grande fator do sucesso de Doctor Who é seu personagem principal. Doctor é uma figura complexa, norteada por seu amor à raça humana, sua relação com a Terra e sua vontade de fazer o bem e defender os fracos. Um herói que opera sob regras rígidas (ele não tem o direito de interferir em grandes acontecimentos da história, mesmo que eles provoquem morte e destruição), mas que busca reparar injustiças e ajudar a quem precisa. Engana-se, contudo, quem pensa que ele se mantém estável ao longo de suas encarnações: alguns Doctors são ranzinzas, outros egoístas ou imprevisíveis, capazes de destruir civilizações e planetas inteiros por um alegado “bem maior”. “Ele é um alienígena muito mais humano do que outros personagens que a gente vê por aí e se importa com coisas para as quais não ligamos mais. Isso atrai o público”, diz Barreto.

Matthew Graham, roteirista britânico que escreveu episódios do seriado em 2006 e em 2011, conta que o desenvolvimento do Doctor ainda é uma preocupação na hora de criar uma nova história. “Os roteiristas têm muita liberdade para criar na parte científica. O mais importante para mim era encontrar novas dimensões do Doctor que eu pudesse revelar.”

Um traço importante do protagonista é seu senso de humor, que dá à série leveza e simpatia incomuns para o gênero. Essa característica foi sendo ampliada e atingiu seu age nos últimos anos, tornando-se a principal diferença entre a série clássica e a atual. “Os primeiros Doctors eram mais sérios e a série, mais trágica e pesada”, conta Fabio Fernandes. “Depois, eles começaram a ficar mais jovens e mais brincalhões. Doctor ainda carrega um peso nas costas, mas volta e meia está pulando e dançando. Isso dá a entender que ele é um cara que chegou aos 900 anos de idade, já viu de tudo e não está mais se importando tanto, está mais relaxado.” Para Fernandes, o Décimo Doctor, interpretado por David Tennant de 2005 a 2010, era “alucinado” e foi com ele que a série assumiu que não queria ser levada muito a sério.

Um terceiro ponto a favor do programa é a nostalgia que provoca no público britânico, ainda o seu maior consumidor. “Estou com quarenta e poucos anos e, como muita gente da minha idade, cresci assistindo à série”, conta Matthew Graham. “Quando era criança, Doctor Who era um compromisso familiar de sábado à noite. Naquele tempo, as famílias não saíam tanto de casa e só existiam três canais, então a série era muito, muito popular. Boa parte do sucesso de hoje se deve às pessoas que assistem ao programa para relembrar a infância.”

https://youtube.com/watch?v=hRsfKK34SFY%3Flist%3DPLKEzuOOEQvYNH8ByzLYWR27VQFMjcn2bw

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Influência – Muitas dessas crianças que se acomodavam semanalmente à frente da TV e se encantavam com a magia da Tardis viraram profissionais do entretenimento: escritores, diretores, roteiristas, produtores que, vez ou outra, prestam uma homenagem em citações e lembranças. O diretor Steven Spielberg é fã e declarou recentemente que o mundo seria mais pobre se a série não existisse. Neil Gaiman foi além e escreveu um livro (publicada este ano na Inglaterra pela editora Puffin) e roteiros para episódios da fase atual. Na série The Big Bang Theory, comédia mais assistida da TV americana, os personagens são fãs e fazem referência com regularidade ao seriado.

Já o produtor e diretor J. J. Abrams foi além da mera citação e usou elementos de Doctor Who para criar Fringe, série recém-encerrada na TV americana. A análise é de Rogerio Ferraraz, professor da Universidade Anhembi Morumbi e membro da Socine (Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual). “As duas séries apostam na temática da viagem, seja entre universos paralelos ou através do tempo, e Fringe tem também a figura do observador, que viaja no tempo e acaba interferindo no destino da Terra”, diz.

Visualmente, o seriado não foi uma influência. Sempre lidando com orçamentos baixos se comparados aos americanos, Doctor Who teve primeiros anos difíceis. Os cenários eram feios, os robôs pareciam feitos de papel alumínio e os monstros não colocavam medo em ninguém. “Mas foi a precariedade que alimentou a criatividade”, defende Ferraraz. “E essa precariedade, se podemos chamar assim, passa a ser parte do charme.”

Sucesso on-line – Não é apenas um maior orçamento que tem favorecido a série hoje. Além de ter voltado renovada, ela chegou no momento em que a forma de ver TV mudava radicalmente, com a expansão da internet. O programa agora possui uma enorme comunidade virtual de fãs espalhados por todo o mundo, que troca informações e conteúdo entre si, e seis temporadas inteiras disponíveis no Netflix brasileiro, serviço de mensalidade baixa.

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A primeira fase da série nunca foi vista no Brasil. A segunda começou a ser exibida em 2006 pelo extinto canal pago People + Arts e passou, no ano passado, ao também pago BBC HD. Só chegou à TV aberta no início de 2012, quando a TV Cultura adquiriu os direitos de transmissão de seis temporadas. Segundo a assessoria da emissora, entre maio e junho daquele ano, a média de audiência foi de 1,2 (cada ponto equivale a 62 000 domicílios na Grande São Paulo). Quando a Cultura investiu no programa, o Netflix brasileiro já disponibilizava episódios e a comunidade online crescia. Hoje, há sites, fã-clubes e grupos de discussão que usam o Facebook como principal meio de comunicação. Na rede social, as cinco principais páginas brasileiras sobre o programa foram, juntas, curtidas mais de 50 000 vezes.

Para o roteirista Matthew Graham, a internet aumentou a pressão sobre a série. “Enquanto se está escrevendo um episódio, você sabe que, quando ele for exibido, cada detalhe vai ser esmiuçado e milhares de pessoas vão discuti-lo on-line. Mas nós sabemos que, se um episódio não for bem aceito, não chegará a ser uma fatalidade: em vez de 100 vezes, ele será visto 50 vezes pelos fãs.”

No Brasil, a exibição do episódio especial no canal pago BBC HD e nos cinemas, neste sábado, tem início às 17h50.

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